Por Antonio Delfim Netto - Valor 25/09
No Brasil um grande número de analistas condena até um encontro casual num elevador, do ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central. Isso revela que entendem mal o exercício da política monetária e o da política fiscal. Exigir que o presidente do BC e o ministro da Fazenda se ignorem, não passa de pura ignorância!
Para comprovar isso, nada melhor do que um anúncio conjunto de meia página no "The Economist" de 15 de setembro de 2012 pelo Tesouro Inglês (His Majesty Treasury) e do Banco Central inglês (Bank of England) no qual convidam, para um concurso público, candidatos ao cargo de presidente do banco. Em junho de 2013 deverá vencer o mandato do atual, sir Mervyn King.
E como o feliz vencedor vai trabalhar? O mesmo anúncio informa: "O presidente (the governor) trabalhará intimamente com o ministro da Fazenda (chanceller of the Exchequer) e com o Tesouro (His Majesty Treasury) que é responsável pelo estabelecimento das diretrizes dentro das quais o banco deve operar". Se encontrarmos num "pub" tomando "Guinness" e confraternizando os três ilustres personagens, não devemos suspeitar que o "eleito" perdeu a sua "independência" como acontece em Pindorama...
Falando de política monetária, Stanley Fischer, presidente do Banco Central de Israel desde 2005, comentou um magnífico trabalho (Cagliarini, A.-Kent, C.-Stevens, G. - "Fifty Years of Monetary Policy: What Have We Learned?"). À sua excelência acadêmica ele soma agora a experiência prática de dirigir um banco central, o que lhe dá muito mais responsabilidade de quando vice-chairman do Citi (1988-1990) e posteriormente, managing director do International Monetary Fund (1994-2001).
Talvez não haja no mundo outro economista que tenha atingido a excelência na Academia, metido as mãos nas entranhas do sistema financeiro privado, aproveitado o poder arrogante do FMI e, no fim, castigado com a presidência de um banco central num país onde as dificuldades políticas e econômicas são notáveis. É por isso que o que ele fala deve ser levado muito a sério.
Depois de mostrar que um sistema de metas de inflação relativamente "flexível", no qual o banco central usa cuidadosa política monetária que leva em conta seus efeitos sobre o nível de atividade para decidir se a velocidade de retorno à meta é capaz de produzir o resultado esperado de estabilizar a expectativa de inflação no longo prazo, ele tece algumas considerações extremamente úteis que derivam de sua longa e variada experiência. Divide-as em quatro itens:
1) o problema de um único instrumento com dois objetivos;
2) o "trade off" nulo no longo prazo entre inflação e crescimento que toma a mesma forma no curto prazo;
3) o problema da taxa de câmbio para as pequenas economias abertas e;
4) os problemas dos preços dos ativos, da estabilidade financeira e da supervisão macroprudencial.
Com relação ao primeiro, ele mostra a inutilidade do famoso teorema que exige um número de instrumentos igual ao número de objetivos, porque esse supõe a independência dos instrumentos e dos objetivos. E conclui: "Portanto, não é geralmente verdade que por que o banco central tem apenas um instrumento (a taxa de juros) ele pode influenciar apenas um objetivo, a menos que o instrumento não tenha nenhum efeito sobre os outros objetivos." No fundo trata-se de um problema prático: de como chegar no entorno, ou seja, não precisamente nos dois objetivos, usando um só instrumento.
Com relação ao segundo, sugere que a não existência de "trade-off" entre inflação e variação do PIB no longo prazo, não é verdadeira no curto prazo. Tal hipótese decorre da aceitação da teoria das expectativas racionais que em geral é incorreta. A verdade, conclui Fischer "é que o longo prazo é uma sucessão de curtos prazos e que em todo momento o banco central tem de levar em conta esse 'trade-off'" (no curto prazo).
Com relação à terceira questão, Fischer é categórico (uma mudança de 180 graus com relação à Academia, à prática do mercado financeiro e ao FMI de então): "Nenhuma pequena economia pode ser indiferente ao comportamento de sua taxa de câmbio, que compete com a taxa de juros pelo papel de ser o mais importante preço relativo da economia (certamente a palavra "real" poderia ser inserida duas vezes nessa frase)". E acrescenta, do alto de sua experiência: "Os livros-texto dizem que a política fiscal pode ser apertada para reduzir a taxa de juro e, assim, reduzir os incentivos para a entrada de capitais. Essa é uma boa história e é válida em certas circunstâncias. Usualmente, porém, a política fiscal já tem problemas suficientes para administrar as despesas do governo e seu financiamento sem ter que assumir a responsabilidade pela política cambial. Dessa forma o problema volta ao banco central e a outros instrumentos que não a política fiscal." Ele reconhece as dificuldades do controle de capital, mas adverte que "um banqueiro central nunca deve dizer que nunca"... vai utilizá-lo!
Com relação ao quarto item, resume a questão à de como enfrentar "bolhas". O problema não é decidir se o banco central deve furá-las, mas sim se ele deve levar em conta o estado dos mercados de ativos na formulação da política monetária. A resposta de Fischer é simples e direta: "Sim".
A vida ensinou-lhe a necessária humildade na combinação do conhecimento acadêmico e o mundo real. Alguns de nossos arrogantes analistas que se pensam portadores da "verdadeira ciência monetária" fariam muito bem em tentar imitá-lo.
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