sexta-feira, 21 de setembro de 2012
Mitt Romney e os aproveitadores
Por Simon Johnson - Valor 21/09
O partido Republicano tem algumas posições potencialmente vencedoras para as eleições americanas, em novembro. Não é de hoje que eles se mostram céticos em relação ao governo, rejeição que é aumentada pela percepção de que o governo interfere demais, e isso remonta aos anos da fundação de seu país. Essa tradição legou aos americanos contemporâneos uma rejeição natural aos subsídios governamentais e uma aversão cultural à "dependência" de apoio estatal.
Mas o candidato presidencial republicano Mitt Romney e outros dirigentes de seu partido jogaram essas cartas de modo incompetente neste ciclo eleitoral. Romney aparentemente abraçou tolamente a ideia de que muitos americanos, os chamados 47%, não pagam imposto de renda federal. Romney acredita que eles se veem como "vítimas" e tornaram-se "dependentes" do governo.
Mas isso ignora dois aspectos óbvios. Primeiro, a maioria dos 47% paga um grande número de impostos sobre suas rendas, propriedades e produtos adquiridos. Eles também trabalham duro para sobreviver num país onde a renda familiar média caiu até um nível registrado pela última vez em meados da década de 1990.
Em segundo lugar, os subsídios realmente grandes nos EUA, hoje, beneficiam uma parte de sua elite financeira - os poucos privilegiados que comandam as maiores empresas de Wall Street.
Vista em perspectiva histórica ampla, essa não é uma situação anormal. Em seu recente livro best-seller de história econômica, "Why Nations Fail" (por que as nações fracassam), Daron Acemoglu e James Robinson citam muitos casos passados e atuais em que indivíduos poderosos apropriam-se do Estado e usam esse poder para enriquecer.
Em muitas sociedades pré-industriais, por exemplo, o controle sobre o Estado era a melhor maneira de obter riqueza. E, em muitos países em desenvolvimento dotados de recursos naturais valiosos, a luta para ganhar controle do governo tem se mostrado uma estratégia muito atraente. (Eu trabalhei com Acemoglu e Robinson em questões inter-relacionadas, embora não tenha me envolvido na autoria desse livro.)
O mecanismo tradicional de captura de Estado em grande parte do mundo é a violência. Mas isso não é verdade nos EUA. Nem é verdade que as autoridades do governo dos EUA sejam tipicamente subornadas de forma aberta (embora tenha havido algumas exceções notáveis).
Em vez disso, interesses particulares competem por influência por meio de contribuições para campanhas e outras formas de doações políticas. Esses interesses também orquestram grandes e sofisticadas campanhas de mídia para convencer autoridades governamentais e a opinião pública de que o que é bom para seus interesses especiais é bom para o país.
No jogo político americano moderno, ninguém teve tanto êxito quanto os maiores bancos de Wall Street, que exerceram influência por desregulamentação durante as três décadas anteriores à crise de 2008, e, depois, conseguiram bloquear quase todas as dimensões de reforma financeira.
O sucesso produziu belas recompensas. Os mais altos executivos de 14 importantes empresas financeiras receberam remunerações em dinheiro (como salário, gratificações e/ou opções (de compra) de ações exercidas) totalizando cerca de US$ 2,5 bilhões em 2000-2008 - e cinco pessoas sozinhas receberam US$ 2 bilhões.
Mas esses "Senhores do Universo" não ganhariam esse dinheiro sem enorme ajuda do governo. Por serem considerados "grandes demais para falir", seus bancos beneficiaram-se de ajuda do governo ou garantias contra eventos adversos. Eles podem assumir mais riscos - operando mais fortemente alavancados com menos capital de acionistas. Eles conseguem retornos maiores quando as coisas vão bem e recebem ajuda do Estado quando a sorte volta-se contra eles - cara: eles ganham; coroa: nós perdemos.
E os prejuízos são colossais. De acordo com um recente relatório sobre as consequências da crise de 2008, preparado pelo "Better Markets", um grupo ativista que defende reformas financeiras mais vigorosas, o custo, para a economia americana, resultante da crise financeira - causada pela temerária tomada de riscos por instituições financeiras - soma pelo menos US$ 12,8 trilhões. Grande parte desse custo materializou-se na forma de empregos perdidos e de vidas desestruturadas entre os 47% de pessoas nos estratos inferiores da distribuição de renda americana.
O ex-governador de Utah e candidato presidencial republicano, Jon Huntsman, abordou essa questão clara e repetidamente, ao empenhar-se - sem sucesso - em conseguir a indicação de seu partido para desafiar o presidente Barack Obama. Obriguemos os bancos a se fracionar (em unidades de menor porte), argumentou ele, para eliminar seus subsídios. Tornemos essas instituições financeiras suficientemente pequenas e simples para que possam falir - e então deixemos que o mercado decida qual delas deve morrer ou sobreviver.
Esse é um argumento em torno do qual todos os conservadores deveriam ser capazes de unir-se. Afinal de contas, a ascensão de megabancos de presença mundial não foi um resultado de eventos no mercado; esses bancos são companhias patrocinadas e subsidiadas pelo governo, sustentados pelos contribuintes. (Isso é tão verdadeiro, hoje, na Europa como nos EUA.)
Romney tem razão em levantar a questão dos subsídios, mas ele expressa erroneamente o que aconteceu nos EUA durante os últimos quatro anos. Os grandes, não transparentes e perigosos subsídios são passivos eventuais que não constam dos orçamentos gerados por socorro governamental a instituições financeiras grandes demais para falir. Esses subsídios não aparecem em nenhuma alocação anual de verbas e eles não são bem mensurados pelo governo - sendo isso parte do que os tornam tão atraentes para os grandes bancos e tão prejudiciais para todos os demais.
Se Romney tivesse focado a repulsa da opinião pública nos subsídios aos megabancos de presença internacional, ele agora estaria navegando tranquilamente rumo à Casa Branca. Em vez disso, ao criticar 47% dos americanos - as próprias pessoas mais prejudicadas pelo comportamento imprudente dos bancos - sua perspectiva de vitória em novembro foi gravemente comprometida. (Tradução de Sergio Blum)
Simon Johnson foi economista-chefe do FMI e é cofundador do blog sobre economia www.BaselineScenario.com, professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional e coautor de "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You" (Casa Branca em chamas: os pais fundadores, nossa dívida nacional e por que isso é importante para você, em inglês), com James Kwak. Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
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