quinta-feira, 6 de setembro de 2012
O polo de irradiação da Otan
Por Richard Weitz - Valor 06/09
O que deve fazer uma aliança quando seu membro líder decide reposicionar seu foco no outro lado do mundo? Os líderes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) vêm se debatendo com essa questão desde que presidente dos EUA, Barack Obama anunciou sua mudança de foco - agora na Ásia - no ano passado, obrigando-os a examinar o papel mundial da Aliança.
Os líderes da Otan têm examinado com atenção as relações com países como a China e a Rússia, que ainda veem a Otan como uma possível ameaça e não como um parceiro genuíno. E eles tiveram de considerar a possibilidade de engajar-se em mais missões além do Atlântico Norte, como as assumidas no Afeganistão, onde 22 países - entre eles El Salvador, Malásia, Mongólia, Cingapura e Tonga - mobilizaram forças sob o comando da Força Internacional de Assistência à Segurança, da Otan.
Desde a cúpula da Otan em Chicago, em maio, seus líderes têm se empenhado em tornar claro que o papel de segurança mundial da Aliança se estende para além do Afeganistão. Eles reafirmaram a importância da defesa coletiva, o que reforça sua capacidade de enfrentar os desafios de segurança - mesmo em tempos de austeridade econômica - em regiões externas ao Atlântico Norte, mais visivelmente na África (na Líbia e no Golfo de Aden).
De fato, no ano passado, mais de 150 mil soldados controlados pela Otan estavam envolvidos em seis operações em três continentes. E a maioria dos novos recursos que a Otan está adquirindo destinam-se a reforçar sua capacidade expedicionária, em vez de suas tradicionais defesas convencionais.
Os defensores da expansão das atividades extrarregionais da Aliança enfatizam que, embora a Otan seja uma aliança regional, enfrenta ameaças em âmbito mundial que só podem ser enfrentadas com ampla cooperação internacional. Eles esperam contornar a resistência a esse papel expansionista desenvolvendo um portfólio flexível de parceiros internacionais, e não afirmando predomínio fora da região do Atlântico Norte.
A Otan está, de certa forma, tornando-se mundial, ao forjar parcerias com países tão distantes quanto o Japão e a Austrália para participar de atividades de segurança em lugares tão remotos quanto a Ásia Central, a África e o Ártico. Essas novas parcerias beneficiam ambas as partes: os parceiros fazem contribuições concretas valiosas para o sucesso da aliança, enquanto esta melhora a sua segurança.
Apesar de alguns contratempos, as campanhas extra-regionais da Otan podem servir como evidência convincente de que a aliança é a única instituição de segurança multinacional capaz de conduzir operações de combate sustentadas e de alta intensidade em todo o mundo. Na Líbia e no Golfo de Aden ela reuniu ativos militares dos membros e contribuições de outros parceiros. A participação de tropas da Austrália, Coreia do Sul, Catar, Emirados Árabes Unidos e Marrocos, entre outros, e o papel de liderança das Nações Unidas e da Liga Árabe na legitimação dessas campanhas demonstrou o papel emergente da Otan como polo de irradiação de uma rede mundial de parcerias.
Desde que assumiu o cargo em agosto de 2009, o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, tem abraçado esse papel, argumentando que as principais ameaças de segurança à aliança derivam de desafios em âmbito mundial: estados inoperantes em regiões em desenvolvimento, cibercrime internacional, redes terroristas, proliferação de armas de destruição em massa, pirataria marítima, perturbações no suprimento de energia e mudanças climáticas. Assim, o novo conceito estratégico da Otan, adotado em novembro de 2010 durante a Cúpula de Lisboa, convida a aliança a tornar-se mais versátil para combater as novas ameaças de diversas fontes geográficas e tecnológicas.
Autoridades americanas abraçaram a visão de Rasmussen, citando sua lógica ao explicar seu foco na Ásia. Ao contrapor-se às ameaças de segurança mundiais que emanam da Ásia, eles estão protegendo seus aliados no Atlântico Norte.
Essas mudanças têm feito com que os observadores, particularmente fora da Europa, passassem a especular sobre a natureza da futura cooperação com a Otan. Será que ela assumirá um papel de liderança em missões de segurança coletiva, como no Afeganistão? Será que cooperará em parcerias com igual contribuição dos participantes, como ocorreu nos esforços para combater os piratas somalis? Ou será que estará disposta a desempenhar um papel de apoio, como com seu apoio logístico à União Africana e às Forças de Segurança iraquianas?
Além disso, essa "Otan mundial" tem gerado preocupações entre grandes potências. Embora ela possa contar com a Índia ou com o Brasil entre os seus futuros parceiros, China e Rússia continuam preocupadas com que essa organização possa prosseguir com uma estratégia de contenção mundial ou tentar marginalizar a ONU como instituição de segurança líder mundial.
Os líderes da Otan responderam a algumas dessas preocupações na cúpula de Chicago. Eles reafirmaram que, embora a Otan tenha adotado uma abordagem mundial à segurança, suas principais atividades externas à Europa e ao Afeganistão terão como principal componente um diálogo com parceiros ou, em casos especiais, medidas defensivas conjuntas com outras instituições de segurança sob mandato da ONU, como no Golfo de Aden. A Otan reconheceu o papel único da ONU na segurança mundial e enfatiza seu objetivo de colaborar com, e não substituir, a organização.
A cooperação da Otan com parceiros externos pode estender-se a questões como a gestão da mudanças climáticas e a promoção da segurança no Ártico e no ciberespaço. A aliança também poderá oferecer a novos parceiros algumas das ferramentas para reforma no setor de segurança que tem aplicado em países que pertenciam à União Soviética e, mais recentemente, no Oriente Médio, visando garantir que as forças armadas regionais respeitem os direitos humanos e as autoridades civis.
Mas os países da Otan apenas começaram a considerar quais políticas colocar em prática para enfrentar os desafios em âmbito mundial, quais recursos são necessários para atingir seus objetivos de segurança e como colaborar com instituições e países não ocidentais. Qualquer governo que espere beneficiar-se do novo papel mundial da Otan, ou que esteja preocupado com suas implicações, deveria ser envolvido na elaboração do processo. (Tradução de Sergio Blum)
Richard Weitz é pesquisador sênior e diretor do Centro de Análise Político-Militares no Instituto Hudson. Copyright: Project Syndicate, 2012.
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