quarta-feira, 12 de setembro de 2012
Sozinho Draghi não salva o euro
Por Martin Wolf - Valor 12/09
A decisão tomada na semana passada pelo Banco Central Europeu (BCE) de realizar compras ilimitadas de bônus governamentais nos mercados secundários foi tanto necessária como ousada. O presidente do BCE, Mario Draghi, merece crédito por ter conseguido chegar a um acordo para levar adiante a controversa medida diante da oposição, solitária, mas significativa, de Jens Weidmann, presidente do temível Bundesbank, a autoridade monetária da Alemanha. É uma pena que o BCE não a tenha tomado antes da crise das dívidas soberanas ter alcançado Espanha e Itália. O atraso, no entanto, não foi surpresa: talvez tenha sido inevitável que as autoridades monetárias da região do euro tenham feito muito pouco e muito tarde.
Não é culpa do BCE que a medida represente muito pouco. Seu objetivo é eliminar o risco de um desmembramento da região do euro forçado pelos mercados. A instituição, no entanto, não tem como conseguir isso por si só. Assegurar a sobrevivência da região do euro é uma decisão política. O BCE pode apenas influenciar, e não determinar, o resultado.
A lógica apresentada para o programa de "Transações Monetárias Diretas" (OMT, na sigla em inglês) é engenhosa. O BCE insiste que a intenção não é financiar governos em dificuldades financeiras. Isso, insiste, é mero subproduto. Em entrevista coletiva na semana passada, Draghi declarou: "Almejamos preservar a unicidade de nossa política monetária e assegurar a correta transmissão de nossas políticas para a economia real em toda a região. As OMTs nos permitirão enfrentar profundas distorções nos mercados de bônus governamentais que se originam de, particularmente, medos infundados por parte dos investidores quanto à reversibilidade do euro."
Para justificar a ideia, Draghi argumentou: "Você tem grandes partes da área do euro com o que chamamos de 'mau equilíbrio' [...] Portanto, há justificativas para intervir [...] para 'quebrar' essas expectativas, que [...] não se referem apenas a países específicos, mas à área do euro como um todo. E isso justifica a intervenção do banco central". O comentário marca, portanto, uma aceitação tardia dos sólidos argumentos apresentados pelo economista belga Paul de Grauwe, na London School of Economics.
Representantes do Fundo Monetário Internacional (FMI), em suas "consultas do Artigo 4" sobre a região do euro, publicadas em julho, argumentam que apesar da políticas de baixos juros, as condições de crédito estão extremamente rigorosas em alguns países membros. Isso se deve, sustentam, a percepções divergentes quanto aos riscos interconectados dos bancos e governos e ao encolhimento das concessões de empréstimos entre países, uma vez que há esforços para aumentar as proteções de capital e colchões de liquidez em casa e para deixar os depósitos de um dia no BCE. Hoje, em consequência, "as condições de financiamento menos favoráveis são as dos países em que a crise é mais profunda". Essa grave situação confere forte justificativa para a nova política.
O BCE não vai intervir de forma incondicional e só o fará se os países atenderem condições específicas, que não serão determinadas por ele. Draghi informou que caberá aos governos, à União Europeia (UE), à Comissão Europeia (CE) e ao FMI decidir sobre essas condições. Uma vez acertadas, no entanto, precisarão ser respeitadas. Essa é a exigência do BCE.
Tal condicionalidade é perfeitamente compreensível. Ela, contudo, vai militar contra os objetivos do novo programa. O BCE está dizendo que vai buscar eliminar a ameaça de desmembramento, a não ser nos casos em que ela é mais real, que são, é claro, precisamente quando os países não conseguem cumprir as condições de políticas monetárias. Os investidores sabem que o eleitorado pode escolher um governo que não tenha intenção de se ater às condições acertadas. O que acontece então? A resposta é: ou o BCE deixa de comprar, caso em que o mercado de bônus implode, ou o BCE continua a comprar, caso em que a condicionalidade é jogada ao mar.
A possibilidade de abandono da condicionalidade é mais provável: será difícil para o BCE parar de comprar. Isso, contudo, também poderia ter consequências sérias. Incitadas pela oposição do Bundesbank ao plano, parcelas significativas da opinião pública alemã detestam o que vem ocorrendo com seu dinheiro, como meu colega Wolfgang Munchau explicou em recente coluna. É fácil imaginar o que aconteceria dentro da Alemanha se algum importante país-membro começasse a descumprir as condições acertadas e o BCE continuasse a comprar seus bônus. A grande fúria resultante dificilmente fortaleceria a confiança na irreversibilidade do euro. Ninguém pode ter certeza sobre como optariam por reagir os políticos alemães - ou como teriam condições de reagir. No momento, o governo é bastante favorável ao BCE. Mas isso não se sustentará sob qualquer circunstância.
Em resumo, um programa condicional de compra de bônus, adotado contra a vontade do Bundesbank, não tem como tornar a região do euro irreversível de forma crível. Há alguma forma por meio da qual o BCE, sozinho, poderia tornar a continuidade da região do euro mais crível?
A resposta é: "sim" e "não".
"Sim"; se as pessoas acreditarem que integrar a região do euro é do interesse de todos - sua sobrevivência será muito mais crível. Para que isso ocorra, os países deficitários precisam ter crescimento e novos empregos. O BCE poderia contribuir pisando mais fundo no acelerador monetário. Afinal, as perspectivas econômicas de curto prazo são deprimentes: as previsões do BCE de crescimento econômico real para a região do euro variam entre 0,6% e 0,2% negativos neste ano e 0,4% negativo e 1,4% positivo em 2013. No segundo trimestre de 2012, o Produto Interno Bruto (PIB) nominal da região do euro foi apenas 3,4% maior do que o do primeiro trimestre de 2008.
Infelizmente, a resposta também é "não", porque uma política monetária mais agressiva confirmaria os medos da Alemanha de que o BCE está se tornando a Banca d'Italia, a autoridade monetária italiana. A dificuldade para o BCE é que as medidas apropriadas e relevantes são vistas na Alemanha como um passo gigante em direção ao terrível caminho da ruína hiperinflacionária. Enquanto o caso for esse, o BCE não terá como fazer o euro parecer irreversível. Esse fato vai corroer os mercados. Isso vai obrigar o BCE a comprar mais, tornando, portanto, a política ainda menos crível.
O BCE fez o que pôde diante do cenário político. A decisão por vir da corte constitucional alemã e o resultado das eleições na Holanda podem ajudar. Mas os riscos de desmembramento não podem ser descartados. Para que sejam, os cidadãos dos países devedores precisam ver um caminho plausível rumo ao crescimento e os cidadãos dos países credores precisam acreditar que não estão despejando seu dinheiro em um poço sem fundo. O que o BCE fez foi ganhar algum tempo. Não ganhou o jogo. (Tradução de Sabino Ahumada).
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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