terça-feira, 25 de setembro de 2012
Draghi, o demônio de Weidmann
Por Wolfgang Münchau - Valor 25/09
"Tal papel, em lugar do ouro de verdade, é prático: sabemos exatamente o que temos [...] Os sábios, porém, quando o tiveram estudado, vão ter confiança infinita no infinito." Mefistófeles, em "Fausto: Segunda Parte da Tragédia", de Johann Wolfgang von Goethe
Tudo o que você precisa saber sobre a Alemanha provavelmente vai encontrar em alguma parte de "Fausto", de Goethe. É raro, no entanto, encontrar alguma grande revelação na segunda parte da tragédia, um dos livros mais reverenciados e menos lidos em toda literatura alemã. Uma pessoa que conseguiu escavar algo realmente notável na obra foi Jens Weidmann. O presidente do Bundesbank, autoridade monetária da Alemanha, citou o conselho de Mefisto ao imperador, citado acima, de que a simples solução para a falta de dinheiro é imprimi-lo.
O discurso de Mefisto resume bem o pesadelo supremo da Alemanha com papéis-moeda e a união monetária. Ficou claro, a partir do contexto e do momento do discurso, que Weidmann escolheria Mario Draghi para o papel de Mefisto dos dias de hoje, embora, obviamente, não o tenha dito de forma explícita. As declarações de Weidmann concluíram um dos períodos de duas semanas mais extraordinários da história dos bancos centrais. Estamos no vértice de um novo e importante desdobramento, um que o Bundesbank abomina. O Federal Reserve (Fed, autoridade monetária dos Estados Unidos) lançou um novo programa de flexibilização monetária quantitativa e ficou muito mais determinado a atuar como orientador das expectativas. O Banco Central Europeu (BCE), comandado por Mario Draghi, anunciou um programa ilimitado - embora condicionado -de compras de bônus; um programa que faz estremecer tudo o que o Bundesbank defende e acredita.
Além dessas ações concretas, há agora um debate na comunidade acadêmica sobre o que poderia nos tirar do inferno - inferno, pelo menos, do ponto de vista de Fausto e Weidmann.
Há um debate sobre adotar metas para a renda nominal, a partir das quais um banco central não mais estabiliza o índice de inflação diretamente e em vez disso se preocupa em estabilizar o Produto Interno Bruto (PIB) nominal. Podemos pensar no PIB nominal como a soma do PIB real com a inflação. Se o crescimento real cai, o banco central teria, portanto, que elevar a inflação. De forma homóloga, se o crescimento real aumenta, o banco central teria de conter a inflação de forma muito mais agressiva do que o faria se estivesse sob um regime de metas inflacionárias, usado por bancos centrais como o BCE.
Agora, observemos sob o ponto de vista do conservador alemão, leitor de jornais, que há décadas vem sendo alimentado com informações equivocadas sobre o funcionamento da economia moderna. Ele foi informado, como se fosse fato incontestável, que o aumento na base monetária e a compra de títulos governamentais provocam a alta da inflação no médio prazo. Os jornais até dão aos leitores conselhos sobre como proteger-se contra a agora certa degradação do euro. Ao citar Mefisto, Weidmann está transformando o medo em histeria.
A comunidade econômica alemã e Weidmann nunca aceitaram as teorias que sustentam as políticas do banco central moderno. Esse é um dos motivos pelos quais o BCE acabou chegando a uma abordagem analítica com "dois pilares": um voltado aos choques e dinâmicas econômicas e outro, às "tendências econômicas". O primeiro foi construído para ter relevância nas políticas econômicas; o segundo, para fingir que o BCE mantinha a tradição do Bundesbank. Estremeço só de pensar como um debate sobre metas para a renda nominal se desdobraria na Alemanha.
Deveria estar claro, a esta altura, que jogo Weidmann está fazendo. Ele está sabotando o euro valendo-se dos meios mais eficientes que tem à disposição - reforçando os temores inatos da população quanto à moeda comum. Ele não tem como superar o Conselho do BCE nas votações. É uma minoria de um. Também sabe que não pode derrubar as políticas do BCE por meio de caminhos legais. Qualquer um que decidisse arrastar Mario Draghi à frente do Tribunal de Justiça da União Europeia perderia. Weidmann já não tem mais influência sobre Angela Merkel, a primeira-ministra alemã, a quem outrora aconselhava.
Mas não se enganem: ele é muito eficiente em encorajar um "euroceticismo" progressivo entre os alemães. Ao fazê-lo, poderia muito bem ter sucesso em corroer as chances de sobrevivência do euro, porque o euroceticismo limita o espaço de manobras políticas do governo alemão. A situação lembra-me muito a forma como o debate político na Grã-Bretanha tornou-se anti-União Europeia entre o início e meados da década de 90.
Provavelmente, foi inevitável que esse confronto de culturas econômicas que há muito se perfilava tenha, enfim, emergido abertamente. Enquanto a recessão piora na Europa, o BCE, em breve, vai adotar medidas similares às adotadas pelo Fed. Pode até acabar valendo-se de uma meta de renda nacional nominal, seja de forma explícita ou implícita, pela simples razão de que a crise na região do euro é, em última análise, insolúvel sem um crescimento anual de pelo menos 5%. E não consigo imaginar o Bundesbank apoiando nada disso.
Apesar de suas muitas falhas de design, o BCE tornou-se, relutantemente, um banco central moderno. O Bundesbank ainda está obcecado com Mefistófeles. Não tenho a menor ideia de como esse conflito vai acabar. Certamente, a resposta não se encontra na segunda parte de "Fausto". (Tradução de Sabino Ahumada)
Wolfgang Münchau é editor do FT, especialista em União Europeia.
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