segunda-feira, 24 de setembro de 2012
Bancos públicos e expansão do crédito
Por Jairo Saddi - Valor 24/09
Apesar de o Banco do Brasil (BB) ter sido fundado em 1808, foi apenas com o presidente Rodrigues Alves (que fora duas vezes ministro da Fazenda, primeiro no governo de Floriano Peixoto e, depois, no de Prudente de Moraes) que, em 1905, o BB se tornou o "banqueiro do Estado". Este, porém, só se tornaria acionista majoritário em 1923. Naquele momento, a função precípua do BB era assumir e estabilizar o câmbio como agente do Tesouro Nacional e seu papel como banqueiro central, de desenvolvimento ou comercial, foi completamente limitado. Prova disso é que seu Estatuto (de 1905) proibia "empréstimos ou descontos com prazos de mais de seis meses, vetava redesconto e impedia a compra de ações de outras companhias" (apud Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. São Paulo: Edusp, 2012. p. 47). E a Caixa Econômica Federal (CEF) também teve percurso semelhante. Criada pelo Decreto Imperial n. 2.723, de 12 de janeiro de 1861, como "Caixa Econômica da Corte", somente em 1931 passou a operar uma carteira comercial e hipotecária, o monopólio da Loteria Federal só viria em 1961.
Se a história das duas principais instituições financeiras públicas brasileiras é repleta de idas e vindas, por ordem da presidente Dilma, no segundo trimestre deste ano, tanto o Banco do Brasil quanto a CEF assumiram um papel decisivo no aumento do crédito no mercado. Estima-se que quase R$ 65,7 bilhões foram injetados na economia pelos bancos públicos, respondendo por cerca de 70% do aumento do crédito no mesmo período. Enquanto o crescimento da carteira de crédito do BB foi de quase 50%, o do Caixa chegou a crescer em quase 60% determinadas carteiras. Os cortes na taxa de juros e a portabilidade de devedores de outras instituições explicam o expressivo aumento.
Quando há um aumento expressivo do volume do crédito, que sempre deve ser saudado como positivo em momentos mais recessivos, a dúvida do aumento da inadimplência ronda forte.
Jorge Hereda, presidente da Caixa Econômica Federal, em artigo publicado no Valor ("Acreditar no Brasil é um bom negócio", 21 ago. 2012), descreve o racional da instituição justificando que a inadimplência é maior em carteiras que "não se renovam" e que ficam "estagnadas", e que, diferentemente, os clientes da Caixa "entenderam o recado: no primeiro semestre deste ano, foram abertas 1,132 milhões de novas contas correntes, 27% a mais que no primeiro semestre de 2011. Estes novos clientes vieram em busca de um novo tratamento, de taxas mais baixas, prazos mais longos e de tarifas mais justas. Encontraram o que queriam. E retribuíram, pagando em dia suas dívidas". Graças à boa compreensão dos clientes, neste novo tipo de capitalismo audacioso e social, Hereda propõe um novo modelo bancário de exuberância do crédito, em que os inadimplentes (que deveriam se tornar provisões para devedores duvidosos e daí prejuízo no duro) dão lugar a maior volume de crédito. Diz ele ainda no citado artigo: "A inadimplência costuma ser maior em carteiras de crédito que não se renovam, justamente porque as dívidas não pagas ficam estagnadas e contaminam o índice. Carteiras renovadas pela redução dos juros e oxigenadas pelo oferecimento de crédito a novos clientes tendem a registrar inadimplência menor. Em poucas palavras: ofereça crédito mais barato e será mais fácil cobrar a dívida. Aconteceu com a Caixa, pode acontecer com todos os bancos, desde que ganhe acolhimento a ideia de que não se faz lucro apenas com spreads altos. Recusar crédito por medo da inadimplência pode acabar provocando aumento do índice de inadimplência".
Espero que o senhor Hereda esteja certo. É verdade que há um papel político a ser preenchido pelos bancos públicos, especialmente em épocas de crise. A história, contudo, tem sido mais cruel com inadimplentes, sempre resultando em monstruosos reconhecimentos de passivos contingentes e a consequente (re)capitalização dos bancos públicos. Programas governamentais associados ao saneamento de bancos públicos estaduais (Proes), à renegociação das dívidas dos Estados com a União (securitização de dívidas), ao equacionamento dos débitos do FCVS e à capitalização desses bancos públicos federais custaram muito ao erário. Parafraseando Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, "Será que desta vez será diferente?"
Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, é professor de Direito do Insper
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