terça-feira, 18 de setembro de 2012

Mais do mesmo, durante um longo tempo




Por Bernardo Guimarães - Valor 18/09

A crise internacional continua dominando o noticiário econômico. Há sinais de recuperação em partes do mundo - a economia americana deva crescer cerca de 2% esse ano, mas o crescimento na Europa deve ser próximo de zero e o risco de um default na dívida de alguns países europeus afetar o sistema bancário em países credores e desacelerar a economia por todo o mundo continua alto.

O impacto da crise no Brasil é visível e a expectativa de crescimento da economia neste ano é de não mais que 2%. Várias perguntas sobre a economia brasileira nos próximos anos estão no ar, algumas relacionadas diretamente à crise. Neste artigo vou arriscar previsões com relação a algumas delas.

Começando então pela crise internacional. A situação dos bancos na Europa ainda parece bastante frágil e a atenção de muitos analistas está agora concentradas na possibilidade de um default na dívida soberana dos países do sul da Europa. Uma crise de dívida soberana tem normalmente sérias consequências negativas para as economias dos países envolvidos. No caso da Europa, esses custos de um calote são ainda maiores que normalmente.

Um default na dívida soberana parece simplesmente uma transferência de recursos de credores para os países devedores: o devedor deixa de pagar parte do que deve ao credor. Bom negócio para o devedor? Bem, o não pagamento da dívida tem consequências negativas sérias para o país que dá default - afinal, é por conta dessas "punições" que países devedores normalmente pagam suas dívidas.

No caso da Europa, o preço do default para os devedores é particularmente alto, pois pode levar o país a sair do euro (o que é visto como um alto custo pelos devedores) e afastá-lo dos outros países europeus que são, afinal, seus principais parceiros comerciais. Em geral, quanto mais integrados são credores e devedores, maior o custo para o devedor de se dar o default. Pelo alto grau de integração entre países da Comunidade Europeia, não pagar a dívida seria bastante custoso para os devedores.

Para os credores, o default implica em receber menos dinheiro que se esperava, o que é claramente um custo. Esse custo é ainda maior se os credores são bancos em uma situação relativamente frágil, que podem ter sérios problemas com uma queda brusca no valor de seus ativos. Nesse caso, o default na dívida poderia até levar alguns bancos a uma situação de insolvência, o que causaria uma crise financeira no país credor e reduziria o volume de intermediação financeira. Nesse cenário, o problema atingiria não só os credores que tomaram o calote mas a economia do país todo.

A conclusão é que países credores tem muito interesse para tentar evitar o default na dívida e países devedores também estão dispostos a pagar um custo alto para reduzir as chances de um default. A consequência é que credores e devedores estão fazendo muito para sair dessa. Os países devedores estão apertando o cinto até onde conseguem. As drásticas medidas de ajuste fiscal são impopulares, têm ônus econômicos e altos custos políticos - mas o default na dívida seria também muito custoso. O Banco Central Europeu (BCE) tem oferecido crédito aos bancos (que por sua vez têm usado esse crédito para comprar títulos da dívida dos países em crise) e, de maneira geral, credores têm se mostrado dispostos a conceder auxílios e incentivos para que os devedores consigam arcar com parte substancial de suas dívidas.

Um problema é que o mundo e, principalmente, os países desenvolvidos estão crescendo pouco ou nada. Para os pequenos países europeus, isso implica em menor demanda por suas exportações, menos apetite para investimentos e, consequentemente, maior dificuldade para conseguir recursos para pagar as dívidas que estão vencendo.

O que vai acontecer daqui para frente? Provavelmente, mais do mesmo. Com a economia mundial dando alguns sinais de lenta recuperação, tem-se a esperança de que será mais fácil para devedores honrarem seus compromissos e os bancos de países credores podem aos poucos melhorar a situação de seus balanços. Mas isso, se acontecer, vai demorar bastante. Nesse meio tempo, credores e devedores vão continuar se esforçando para evitar uma crise drástica. Nesse cenário, essa incerteza vai persistir por mais um bom tempo, com consequências negativas para as economias da Europa que tem efeitos no mundo todo. Os jornais continuarão falando de reestruturações na dívida de um ou outro país com novos nomes, analisando um outro plano de ajuste num país devedor, e mais uma negociação entre os líderes europeus. O cenário mais otimista tem uma saída da crise suave, mas lenta.

Em suma, a economia mundial deve continuar em ritmo lento e o risco de uma desaceleração drástica existe. Com esse pano de fundo, vamos então falar da situação do Brasil no momento. Para começar, está o Brasil no caminho de uma crise financeira como a que ocorreu nos Estados Unidos e na Europa?

Os primeiros sinais da crise em 2007 vieram com uma queda brusca nos preços dos imóveis, depois de um período de severa alta nos preços. No Brasil, o preço dos imóveis tem subido drasticamente. Estima-se que desde 2008, o preço dos imóveis tenha praticamente dobrado em várias cidades brasileiras, em termos reais. Estão os apartamentos mais caros que estarão (descontada a inflação) daqui a alguns anos? Há uma bolha no mercado imobiliário?

Não, não há. O aluguel de um imóvel por um ano tem custado em torno de 5% do valor do imóvel. Com juros reais a menos que 3%, um retorno de 5% é razoável - um prédio de apartamentos deprecia, mas o valor do terreno em cidades grandes tem aumentado no mundo todo. Os aluguéis subiram muito nos últimos anos, por conta de um aumento na demanda por moradia mesmo (um aumento no preço de aluguéis poderia em algumas situações estar refletindo expectativas infladas dos proprietários, mas isso levaria a um grande número grande demais de apartamentos vazios para alugar, o que não se observa hoje em dia). O preço dos imóveis aumentou mais ainda. A relação entre preço de imóveis e o valor dos aluguéis subiu no período, mas parte desse aumento está compensando a queda nas expectativas para a taxa real de juros para os próximos anos.

Se a taxa de juros real cai, é esperado que a razão entre preço e retorno de ativos aumente: num mundo com juros de 5% ao ano, um ativo que paga R$ 1,00 por ano vale R$ 20,00; num mundo com juros de 4% ao ano, o mesmo ativo vale 25 reais. Expectativas de juros menores contribuem para um aumento no preço dos imóveis, seja porque o custo de oportunidade do investidor que compra imóveis para alugar seja menor, ou porque as taxas de financiamento para quem compra a casa própria diminuam.

Claro, nos próximos anos, algumas regiões vão se valorizar e outras vão se desvalorizar, mas essa oscilação de preços relativos de imóveis é de se esperar e não tem nada a ver com uma bolha ou um aumento exagerado nos preços dos imóveis. Em geral, os preços de hoje não estão sinalizando uma queda brusca futura.

Então, o que deve acontecer com o Brasil nos próximos anos? Quais são as questões mais importantes?

Começando pelos riscos para o Brasil no futuro próximo: o sistema bancário brasileiro não parece apresentar riscos sistêmicos, não há no momento um risco de uma crise financeira como a que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos nos últimos anos. Há de fato uma grande expansão no crédito e algumas atitudes do Banco Central parecem tentar reduzir o ritmo dessa expansão - e eu não tenho nada contra essa prudência. Mas os riscos de uma crise financeira no Brasil num futuro próximo são baixos.

O Brasil é afetado pela crise basicamente porque nossos parceiros comerciais e as empresas que poderiam investir no Brasil estão comprando pouco e investindo menos - assim como um dono de armazém que vê seus negócios minguarem quando a clientela está sem dinheiro. Além disso, os riscos de uma crise internacional maior (seguindo um default na dívida soberana de alguns países da Europa, por exemplo) fazem as empresas postergarem seus planos de investimento e isso também afeta o Brasil. Mas note que isso não tem nada a ver com os fundamentos da economia brasileira.

De fato, crises têm pouco efeito de longo prazo sobre as economias pelo mundo. O noticiário econômico de 1997 e 1998 era recheado de notícias sobre a crise nas economias no sudeste asiático. O Produto Interno Bruto (PIB) de vários daqueles países despencou em 1998, caindo cerca de 6% a 8% em alguns deles. Uma recessão enorme e, ainda assim, quando vemos um gráfico com o PIB per capita naqueles países nos últimos 50 anos, essa queda pode passar despercebida. O que importa é a capacidade da economia de produzir e é para isso que temos que voltar nossas atenções.

Riscos no cenário macroeconômico então? Inflação disparando quando subir a demanda? Não vejo esse risco. O Banco Central tem derrubado as taxas de juros básicas da economia por conta de um cenário de recessão e a inflação continua dentro da meta (ou seja, abaixo de 6,5%). Se o risco de inflação voltar a bater quando a economia estiver crescendo mais, o Banco Central vai de novo aumentar os juros para manter a inflação abaixo de 6,5%. Idealmente, seria melhor termos um intervalo (explícito) um pouco mais estreito para a inflação, mas o efeito disso no crescimento da economia brasileira é relativamente pequeno.

É de fato curioso que a recente queda nos juros básicos tenha tido tão pouco impacto na inflação e na inflação esperada (embutida nos títulos públicos indexados a índices de inflação) apesar da preocupação de tantos analistas. Eu não acho que a explicação esteja só na fraca atividade econômica deste ano. Com os spreads bancários altos como são e dada a grande proporção do crédito direcionado na nossa economia - por exemplo o crédito do BNDES indexado a TJLP (que não tem nada a ver com a Selic) - não deve ser surpreendente que movimentos na Selic tenham um efeito na atividade econômica menor que o efeito de juros no produto observado em outros países.
Minha expectativa então é que tenhamos crescimento em torno de 3,5% ou 4% nos próximos anos, que é o que o Brasil tem crescido nos últimos 10 anos, pois não há nenhuma mudança substancial de trajetória. Com juros reais mais baixos que nos últimos anos, esse é um bom cenário para o mercado de ações. Mas há riscos de solavancos no caminho.
No fim de agosto, quando este artigo foi escrito, o índice Bovespa oscilava entre 55 e 60 mil pontos. Não sou especialista no mercado de ações, não faço avaliação de empresas, então não sei o suficiente sobre esses preços para emitir uma opinião. Julgando pelo cenário macroeconômico, e atendendo ao pedido do Valor para arriscar previsões, acho que há espaço para subir, o retorno esperado no mercado de ações está bom. Só que há o risco de uma queda brusca nos preços das ações (por conta principalmente do agravamento da crise na Europa), e pode ser que apareça uma oportunidade ainda melhor para comprar. O bom retorno esperado vem com um risco de oscilação grande.

Ainda que eu esteja menos preocupado com a macroeconomia, vejo muitas pedras no caminho para o Brasil e uma necessidade grande de reformas microeconômicas. É preciso criar um ambiente de negócios melhor para o setor privado investir, produzir, inovar, etc.

Em geral, nos rankings de países de acordo com a renda per capita, o Brasil está entre a 50ª e a 70ª posição, dependendo da metodologia utilizada. Nos rankings de indicadores sociais (analfabetismo mortalidade infantil, por exemplo), o Brasil aparece um pouco pior, por volta da 90ª ou 100ª colocação. Em termos da facilidade (ou da dificuldade) de fazer negócios, estamos em situação ainda pior.

Vale a pena visitar o site do Doing Business (www. doingbusiness.org/). Há alguns anos, o Banco Mundial e alguns parceiros preparam um ranking que visa medir a dificuldade ou a facilidade de se fazer negócio em cada país. No geral, o Brasil está na 126ª posição, logo atrás de Suazilândia, Uganda e Bangladesh (mas ainda um pouco à frente da Cisjordânia and Gaza).

Esses indicadores sugerem que a dificuldade de se fazer negócios no Brasil é um gargalo importante para a nossa economia, e que reformas nessa área podem nos ajudar no que diz respeito à renda e aos indicadores sociais também. Esse índice é o resultado de uma média que leva em conta 10 critérios (relacionados a pagar impostos, resolver insolvências, fazer valer contratos, etc).

As diferenças entre o ambiente de negócios em diferentes países saltam aos olhos. Demora-se menos de uma semana para se abrir uma empresa em um país com a Inglaterra ou os Estados Unidos, mas vários meses na maior parte dos países mais pobres. Economistas hoje em dia tendem a concordar que essa é provavelmente uma parte importante da explicação sobre as grandes diferenças na renda dos países pelo mundo. Investimento em estrutura física, por exemplo, parece ser menos importante que um bom ambiente de negócios para o crescimento.

O desempenho econômico Brasil nas próximas décadas dependerá de se conseguir implementar reformas que tornem mais fácil fazer valer contratos, pagar impostos, exportar e importar, etc. Quanto a isso, não estamos avançando muito. São esses, ao meu ver, os maiores obstáculos para um crescimento sustentado no médio prazo.



Bernardo Guimarães é professor da Escola de Economia de São Paulo - Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV)

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