quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O reequilíbrio da China



Por Yu Yongding - Valor 27/09

O 12º Plano Quinquenal da China prevê mudanças no modelo econômico do país, deixando de baseá-lo no crescimento puxado pelas exportações para torná-lo mais dependente da demanda doméstica, especialmente do consumo das famílias. Desde a introdução do plano, o superávit em conta corrente da China em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) diminuiu. Será que isso significa que o ajuste da China está bem encaminhado?

De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a queda na relação entre superávit em conta corrente e PIB deve-se em grande medida ao nível de investimento muito alto, ao cenário econômico mundial debilitado e a um ritmo de aumento de preço das commodities importadas superior ao dos bens industrializados chineses. Portanto, o declínio no quociente superávit externo e PIB da China não representa um "reequilíbrio" externo; ao contrário, o FMI prevê que a razão aumentará em 2013, para depois chegar ao mesmo nível pré-crise.

A explicação do FMI sobre a recente diminuição da relação entre superávit em conta corrente e PIB da China, em termos gerais, é correta. A experiência indica que a posição externa da China é altamente sensível às condições mundiais, com a razão superávit e PIB subindo nos ciclos de expansão econômica mundial e caindo nos maus momentos. As mazelas europeias atingiram duramente as exportações da China e, sem dúvida, são o fator mais importante por trás do declínio nesse quociente.

Por definição, sem alterar o descompasso da poupança, não haverá mudança no superávit comercial e vice-versa. Além disso, a poupança e a balança comercial interagem constantemente, o que os deixa sempre equivalentes. Em resposta à crise financeira mundial em 2008, a China lançou um pacote de estímulos econômicos de 4 trilhões de yuans (US$ 634 bilhões). Embora o aumento nos investimentos tenha reduzido a relação entre poupança e PIB, o crescimento resultante das importações reduziu a razão superávit comercial e PIB. Como resultado, a relação superávit externo e PIB caiu de forma significativa em 2009.

Em 2010, o governo da China ajustou sua política econômica. Para controlar a inflação e a formação de uma bolha no setor imobiliário, o Banco do Povo da China apertou a política monetária e o governo absteve-se de lançar outra rodada de estímulos fiscais. O investimento no setor imobiliário da China representou 10% do PIB, de forma que a desaceleração dos investimentos nessa área necessariamente reduz a demanda por importações, direta e indiretamente. Como a desaceleração do crescimento das importações ainda não se consolidou, enquanto as exportações para a Europa despencaram, o superávit da China em conta corrente recuou em relação ao PIB em 2011.

É provável que essa situação mude em 2012. O impacto negativo do declínio nos investimentos imobiliários visto desde 2010 foi mais longo e profundo do que se previa; de fato, quase todas as categorias de importação que mostraram declínios de 10% ou mais em agosto estavam ligadas aos investimentos imobiliários. Como resultado, é possível que a queda no crescimento dos investimentos reverta a tendência de declínio no superávit externo e PIB em 2012, a menos que a economia mundial se deteriore ainda mais e/ou o governo chinês lance um novo pacote de estímulo.

Ainda mais importante, talvez, a China agora precise exportar mais bens manufaturados para financiar as exportações de produtos minerais e energéticos. A piora nos termos de comércio vem sendo um fator importante para o declínio do superávit em conta corrente dos últimos anos.

Ainda assim, apesar dos méritos de sua análise, o FMI subestima o progresso da China em seu reequilíbrio. Em minha opinião, o reequilíbrio da China é mais genuíno - e mais estrutural - do que o FMI admite, com o que a previsão de recuperação da razão superávit externo e PIB em algum momento muito provavelmente se revelará errada.

Em primeiro lugar, a valorização real do câmbio de aproximadamente 30% desde 2005 necessariamente teve impacto sério sobre os exportadores, o que se reflete nas falências - assim como na modernização - de muitas empresas nas regiões costeiras. Embora a participação de mercado das exportações chinesas pareça ter se mantido bastante bem, isso pode ser atribuído a cortes de preços nos mercados externos, o que não é sustentável. Com o tempo, a valorização real do câmbio vai provocar uma mudança nos gastos, tornando mais visível o reequilíbrio da China.

Segundo, o nível dos salários na China vem subindo rapidamente. De acordo com o 12º Plano Quinquenal, o salário mínimo deverá crescer 13% por ano.

O aumento dos custos trabalhistas, somado à valorização real da moeda, enfraquecerá a competitividade do setor exportador chinês, que usa mão de obra intensiva, o que será refletido na balança comercial mais claramente nos próximos anos.

Terceiro, a China obteve progressos significativos no desenvolvimento de seu sistema de seguridade social. O número de pessoas cobertas por seguros básicos para idosos, desempregados, trabalhadores que se lesionam em serviço e grávidas cresceu de forma substancial. Além disso, está emergindo na China um seguro médico universal e foi estabelecido um sistema abrangente de auxílio a estudantes de famílias mais pobres. Como resultado, a motivação para acumular uma poupança preventiva foi um pouco enfraquecida, enquanto alguns analistas veem evidências de que o consumo está em alta, o que é corroborado pela ascensão da China como quarto maior importador mundial de bens de luxo.

Por fim, a piora nos termos de comércio da China vai desempenhar um papel ainda mais fundamental na redução de seu superávit comercial no futuro. Tendo em vista a fraca demanda, que pode ser duradoura, os exportadores chineses precisam aceitar margens de lucro cada vez mais estreitas para manter a participação de mercado. O tamanho da China e a baixa renda per capita e estoque de capital, no entanto, indicam continuidade no alto crescimento de sua demanda por commodities. Em função das limitações de oferta, a conta da China com importações de metais e outras commodities deverá enfraquecer seu superávit comercial no futuro próximo.

Em resumo, enquanto o governo da China não ficar preocupado com a desaceleração do crescimento da produção a ponto de mudar sua atual política, é mais provável que o superávit em conta corrente caia em relação ao PIB do que se recupere em 2013 e nos anos seguintes. Na realidade, tal desenlace não é apenas mais provável, também é mais desejável. Afinal, diante do "afrouxamento quantitativo ilimitado", ser um grande credor líquido significa estar na pior posição no cenário econômico atual. (Tradução de Sabino Ahumada)



Yu Yongding ex-presidente da Sociedade Chinesa de Economia Mundial e ex-diretor do Instituto de Economia e Política Mundial, da Academia Chinesa de Ciências. Também foi membro do comitê de política monetária do Banco do Povo da China e membro da Comissão Nacional de Assessoria do 11º Plano Quinquenal da China. Copyright: Project Syndicate, 2012.



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