terça-feira, 11 de setembro de 2012
Jackson Hole, Wyoming, 2012!
Por Antonio Delfim Netto - Valor 11/09
Os que se interessam pelo desenvolvimento da teoria econômica têm dois momentos anuais da maior importância: 1) a reunião da American Economic Society, onde se explora todo o campo; e 2) a Conferência Anual de Jackson Hole, no Estado de Wyoming, promovida pelo Federal Reserve Bank of Kansas City, onde se analisam, especificamente, os problemas monetários. A última dessas, com o título significativo de "The Changing Policy Landscape", ocorreu entre os dias 31 de agosto e 1º de setembro.
Como é tradição, o chairman do Fed, no caso Ben Bernanke, abriu o simpósio. Fez longa e cuidadosa defesa da política do "quantitative easing". Analisou seus custos e benefícios. Afirmou que ela aumentou em 3% o PIB americano e empregou pelo menos 2 milhões de trabalhadores com custos relativamente pequenos. A firmeza da sua conclusão leva à crença de que ele está preparando um novo "round".
Não é exagerado dizer que o "espírito" da conferência foi relativamente crítico à ação do Fed. Os economistas mais à esquerda (a ideologia emergiu com força na discussão), criticaram o Fed por não ter feito o que deveria fazer. Os mais à direita, centraram sua crítica no que chamam de "excessivo ativismo" do Fed. Talvez a melhor síntese desse debate tenha sido a afirmação do competente Adam Posen, quando afirmou que as dificuldades da política monetária não estavam na "estrutura da economia", mas na falta de coragem de utilizá-la de forma mais ampla e diferente, por conta de "tabus autoimpostos" produzidos por uma forma de pensar "pré-histórica"...
Importante contribuição ao simpósio foi o artigo "The United States Labor Market: Status Quo or A New Normal?", de E.P. Lazear e Spletzer, J.R., que esclareceu a dúvida se o alto nível de desemprego seria estrutural ou conjuntural, concluindo, convincentemente, que ele é conjuntural.
Por que isso é importante para a crítica da política monetária? Pela simples e boa razão que a "conjuntural" está ligada à demanda global, potencialmente controlada pelo Fed, que não o fez. Pelo contrário, mais de uma vez seus modelos sugeriam que, diferentemente das outras crises, na de 2007-2008 a recuperação do emprego seria mais lenta, porque seria estrutural. O trabalho de Lazear e Spletzer desmontou essa tese e sugere que o Fed, de fato, fez menos do que podia e do que devia.
O trabalho mais importante, sugestivo e mais longo (nada menos do que 97 páginas) é de autoria do professor Michael Woodford (o guru de muitos de nossos economistas), adjetivado com exagero (na minha modesta opinião) como "o maior economista monetário do mundo da sua geração". A grande verdade é que, antes de 2007, os modelos monetários de Woodford não incluem nem a moeda, nem o crédito! Mas ele tem se vingado. Desde então tem feito um sério e competente esforço para incluí-los!
O ponto interessante é que o trabalho de Woodford contraria diretamente as proposições de Bernanke acima referidas. Para ele, o "quantitative easing" teve um efeito modesto e de difícil quantificação e, o que é pior, nem era teoricamente robusto. Isso fortaleceu a posição dos que afirmam que o Fed de Bernanke não teve imaginação, nunca foi afirmativo o bastante e sempre chegou tarde...
Mas a parte mais interessante e analiticamente mais forte do trabalho é a adesão de Woodford à conveniência do Fed de fixar, como objetivo, o Produto Interno Bruto Nominal (o GDPN). Uma ideia antiga, explorada nos anos 70 pelo grande James Mead (Nobel de 1977) e reativada pelos "economistas-blogueiros", que hoje constroem, criticamente, em tempo real, novos conhecimentos econômicos. Dentre eles, temos o nosso competente João Marcus Marinho Nunes.
No fundo, o simpósio foi um apelo à realidade. Pode haver dúvidas sobre as consequências e a potência do "quantitative easing" para enfrentar a crise criada pelo desastre do sistema financeiro desregulado, mas não pode haver dúvida sobre:
1) o desemprego continua alto e não dá sinais de que diminuirá. E o Fed continua a não saber se ele é estrutural (contra o qual ele nada pode fazer) ou conjuntural, contra o qual ele acha "que já fez o que podia"!;
2) a taxa de inflação está mais do que comportada e, a despeito dos choques de oferta, não apresenta sinais de que vai deixar de sê-lo;
3) a taxa de crescimento é medíocre e sua perspectiva nada brilhante.
Tudo isso indica que a política monetária de fato produziu efeitos pífios, além de comprometer o equilíbrio fiscal. É hora de mudar. De derrubar os "tabus autoimpostos". De esquecer o pensamento monetário "pré-histórico", que tem condicionado a política de todos os bancos centrais. É hora de inovar, como fez Woodford - sem dúvida com muita dificuldade para vencer suas velhas ideias. Isso só acontece nos momentos em que "o mesmo de sempre" prova definitivamente sua inadequação.
A política proposta por Woodford é "manter a taxa de juros baixa até que o PIB nominal volte ao que seria sem a crise", porque o "modelo neokeynesiano standard implica que um alto nível de PIB real esperado, ou de inflação, no futuro, cria incentivos para o aumento do PIB real e dos preços no presente", recuperando o crescimento.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
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Alguém do blog poderia comentar o esquecimento do FED com relação á armadilha de liquidez keynesiana ?
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