quarta-feira, 4 de abril de 2012

Vivas pelo reequilíbrio da China



Por Martin Wolf - Valor 04/04

A economia da China está mudando. Com efeito, ela tem de mudar. A boa notícia é a escala do reequilíbrio externo. A má notícia é que isso se dá à custa de maiores desequilíbrios internos.

O balanço de pagamentos da China tem sido uma montanha-russa. Assim, entre 2003 e 2007, o superávit em conta corrente subiu de 2,8% para 10,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O superávit, então, despencou para 2,9%, em 2011. No mesmo período, a participação das exportações e das importações no PIB cresceu explosivamente e depois voltou a cair.

Segundo a teoria ortodoxa, o nível de superávits e de déficits em conta corrente reflete decisões voluntárias no sentido de poupar e investir: países com excedentes de poupança, como a China, exportam capital, ao passo que países com déficit importam capital. Países superavitários desfrutam maior retorno sobre a poupança; países deficitários desfrutam menores custos de investimento. Parece estranho que um país pobre exporte capital para países ricos, como a China tem feito, mas não há razão para questionar a sabedoria das escolhas subjacentes.

Infelizmente, essa visão panglossiana é pouco plausível, após os repetidos choques nas finanças internacionais nas últimas três décadas, que culminaram com a crise nos países de alta renda que eclodiu em 2007. Os EUA, em particular, mostraram-se incapazes de usar seus afluxos de capital sabiamente: eles financiaram déficits fiscais e a construção de casas desnecessárias. Claro, os EUA são em larga medida responsáveis por um resultado tão infeliz, assim como outros importadores de capital. Mas grandes déficits externos também produzem um impacto contracionista na demanda. Isso não pareceu importar quando a demanda era forte. Mas importa muito agora, quando é fraca.

Além desses aspectos gerais, questões específicas surgiram durante a explosão passada nos superávits chineses. Eles foram, em parte, consequência de intervenções nos mercados de câmbio e do acúmulo de reservas em moeda estrangeira. Essas reservas passaram de US$ 170 bilhões em janeiro de 2001 para US$ 3,2 trilhões no fim do ano passado. Um instrumento na caixa de ferramentas das políticas foi esterilizar as consequências monetárias destas intervenções.

Além disso, para que um país tenha enorme boom de investimentos e uma forte posição externa, o consumo normalmente tem de ser reprimido e a poupança incentivada. Isso foi o que aconteceu: o consumo privado caiu de 46% do PIB em 2000 para apenas 36% em 2007. O consumo público e privado, somados, caíram de 62% do PIB para 49%, enquanto a poupança bruta saltou de 38% para 51% do PIB. Uma parte substancial dessas economias estavam investidas em ativos estrangeiros de baixo rendimento a um custo elevado: as reservas chinesas em moeda estrangeira equivalem a US$ 2,3 mil per capita, o equivalente a cerca de 40% do PIB.

Assim, uma redução dos superávits externos tem sido de interesse tanto do restante do mundo como da China. Assim, quão felizes deveriam nos deixar esses resultados? A resposta é: não em êxtase.

Em primeiro lugar, até mesmo um declínio no superávit em conta corrente como proporção do PIB pode implicar um superávit crescente em relação ao restante da produção mundial. Em 2008, o superávit da China foi de US$ 412 bilhões, ou 9,1% do PIB. Em 2011, foi pouco inferior à metade do nível em 2008, ou US$ 201 bilhões. Mas em relação ao PIB da China, o superávit caiu para 2,9%. Se continuar assim, o superávit ultrapassará os US$ 400 bilhões em 2016, se o PIB chinês em dólares crescesse 15% ao ano. Essa é uma taxa plausível, uma vez que a taxa de câmbio real chinesa provavelmente subirá. Caso queiramos avaliar o ajuste imposto aos outros países, seria preciso observar os excedentes em relação a seus PIBs, e não o da China.

Em segundo lugar, a contrapartida doméstica do ajuste externo consistiu de investimentos cada vez maiores, como proporção do PIB: entre 2007 e 2010, a participação do investimento nos PIB cresceu cerca de 7 pontos percentuais. Em cada ano desde 2007, o investimento fixo real cresceu mais rápido do que o PIB.

Suponha que, na próxima década, a China cresça a uma taxa ainda alta, de 7% ao ano. Suponhamos, também, que o investimento (incluindo estoques) caísse de 50% de PIB para um nível, ainda muito elevado, de 40%, devido à necessidade de taxas mais baixas de investimentos para apoiar um crescimento menor. Suponhamos, também, que o superávit externo permanecesse em 3% do PIB. Para alcançar a esperada taxa de crescimento de 7% do PIB, o consumo (público e privado) precisa crescer a uma taxa real de 9%, enquanto o crescimento deveria crescer a 4,6%. Essa seria uma reversão surpreendente. Isso seria impossível sem uma grande mudança na distribuição de renda em favor das famílias. Isso, por sua vez, exigiria reformas abrangentes no sistema financeiro, em governança empresarial e até mesmo na estrutura de poder do país. Além disso, existe um risco de que tais reformas possam reduzir os investimentos muito mais do que incrementar o consumo. O resultado poderia ser uma aterrissagem muito brusca.

A China fez um trabalho muito melhor no sentido de eliminar suas enormes conta corrente e superávits comerciais do que eu esperava. A principal causa interna dessa mudança, porém, foi um aumento do investimento para alturas ainda atordoantes, ajudado por apreciações da taxa de câmbio real. Mas isso torna o ajuste interno agora necessário ainda maior do que antes da crise. Para que o superávit externo mantenha-se em proporção constante do PIB, e a taxa de crescimento econômico desacelere, é essencial uma extraordinária reversão nas taxas relativas de crescimento do consumo e do investimento. Em termos inequívocos: a dinâmica de crescimento dos últimos 15 anos precisa ser revertida. Será isso possível? Talvez. Mas exigirá uma enorme expansão do consumo em relação ao investimento. Poderá isso acontecer enquanto a economia cresce fortemente? Muito possivelmente não. (Tradução de Sergio Blum)



Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

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