segunda-feira, 2 de abril de 2012
Nova liderança para o Banco Mundial
Por Jeffrey D. Sachs - Valor 02/04
No mês passado, defendi que o Banco Mundial seja comandado por um especialista em desenvolvimento internacional, em vez de executivos de banco ou políticos. "O banco precisa de profissional competente para enfrentar os grandes desafios do desenvolvimento sustentável desde o primeiro dia", escrevi. Agora, que o presidente do Estados Unidos, Barack Obama, indicou Jim Yong Kim para o cargo, o mundo terá justamente um líder excelente em desenvolvimento.
Obama mostrou genuína liderança com a indicação. Ele colocou o desenvolvimento na dianteira, dizendo explicitamente: "É hora de um profissional em desenvolvimento comandar a maior agência de desenvolvimento do mundo".
A indicação de Kim é um grande avanço para o Banco Mundial, que também espero ver estendido a outras instituições internacionais. Até agora, os EUA haviam recebido uma espécie de carta branca para indicar qualquer um que desejassem para a presidência do Banco Mundial. Foi assim que o comando do Banco Mundial acabou em mãos inadequadas, que não tinham o conhecimento necessário para liderar o combate à pobreza.
Para quebrar essa tradição e ressaltar a importância crucial de escolher um líder em desenvolvimento para o comando do Banco Mundial, eu mesmo entrei na campanha e fiquei honrado pelo apoio que recebi publicamente de uma dúzia de países e de muitos outros, reservadamente. A indicação de Kim foi uma vitória para todos e tive prazer em retirar minha candidatura para apoiá-lo.
Kim é um dos grandes líderes mundiais em saúde pública. Ele trabalhou com outro grande líder da mesma área, Paul Farmer, pioneiro na ampliação do tratamento para doenças como aids e tuberculose para as pessoas mais pobres do mundo. Mais recentemente, foi presidente do Dartmouth College, importante universidade dos EUA. Ele reúne, portanto, capacidade profissional, experiência internacional e considerável conhecimento administrativo - credenciais perfeitas para a presidência do Banco Mundial.
Trabalhei próximo a Kim por muitos anos. Ele é um visionário, conseguindo perceber a possibilidade de proporcionar assistência quando ela ainda inexiste. Ele é ousado, disposto a enfrentar grandes desafios. E ele é absolutamente metódico em sua forma de pensar, elaborando novos protocolos e sistemas de distribuição para comunidades de baixa renda. Ele comandou os esforços da Organização Mundial da Saúde (OMS) para ampliar o tratamento da aids para pessoas em países de baixa renda e fez um trabalho exemplar.
A indicação feita pelos EUA não é o fim da história. Os 25 diretores executivos do Banco Mundial, que representam os 187 países-membros, agora precisam confirmar a escolha entre três indicados. Ele concorre com a respeitada ministra das Finanças da Nigéria, Ngozi Okonjo-Iweala, e o ex-ministro das Finanças da Colômbia José Antonio Campo. Kim, entretanto, é o favorito disparado para conseguir o cargo, especialmente por seu impressionante histórico de feitos.
Os últimos 30 dias trouxeram outros lembretes sobre os motivos pelos quais o Banco Mundial é tão importante e por que enfatizei a necessidade premente de profissionalizar seu comando. Tragicamente, o governo de Mali foi derrubado por um golpe militar. Ironicamente, havia eleições marcadas para o segundo trimestre, quando o país ganharia novo governo.
Relaciono o golpe e o Banco Mundial pelo seguindo motivo: Mali é mais um exemplo de país onde a extrema pobreza, fome, doença e escassez de alimentos provocam instabilidade política e violência. Conheço bem o país. O Instituto Terra (que dirijo) tem um grande escritório em Mali. Há muitos anos, o governo de Mali recorreu a mim para ajudar a combater o agravamento da pobreza no país. Tentei arregimentar apoio internacional a Mali, mas o Banco Mundial e outras instituições mal responderam. Não viam os perigos que eram tão evidentes para todos nós, que trabalhávamos nos vilarejos pelo país. Naturalmente, a pobreza não é a única causa de instabilidade em Mali. Divisões étnicas, o amplo mercado de armamentos, a disseminação da violência na Líbia e outros fatores desempenham grande papel. Em todo o mundo, contudo, a pobreza é a condição essencial que acelera a violência.
A seca deste ano agravou a situação em Mali, que já era ruim. Venho dizendo e escrevendo há anos que as regiões secas do Oeste a Leste - de Senegal a Mali, Níger, Chade, Sudão, Somália, Iêmen, Iraque, Irã, Paquistão e Afeganistão - são um barril de pólvora cada vez maior, onde secas, fome e crescimento populacional criam crescente instabilidade.
Essa instabilidade, com terrível frequência, resulta em guerras. Como especialista em desenvolvimento que trabalhou em campo nas regiões afetadas pela seca, sei que nenhuma solução militar conseguirá estabilizar essa vasta área enquanto as pessoas continuem passando fome e sofrendo com a falta de alimentos e água; sem esperança e sem meios de sustento. O desenvolvimento sustentável é o único caminho para a paz sustentável.
O governo dos EUA, enfim, está acordando para essa nova e assustadora realidade. Um estudo feito por agências de inteligência americanas, divulgado em fevereiro, sustenta que "durante os próximos dez anos, os problemas com a água contribuirão para a instabilidade em Estados importantes para os interesses de segurança nacional dos EUA" (www.dni.gov/nic/ ICA_Global%20Water%20Security.pdf).
É claro, não é apenas a segurança dos Estados Unidos que está em jogo; também o estão a segurança mundial e a sobrevivência e o bem-estar de grandes números de pessoas. E não é preciso esperar os próximos dez anos: a realidade sombria prevista pelo informe já está entre nós.
Tudo isso ressalta a importância do Banco Mundial e do papel de Kim no comando. O Banco Mundial pode estar onde o mundo convergir para enfrentar os problemas terríveis - mas que podem ser resolvidos - de desenvolvimento sustentável, agrupando governos, cientistas, acadêmicos, organizações da sociedade civil e o público para avançar nessa grande causa. Trata-se de um imperativo mundial e podemos, todos, contribuir para realizá-lo, assegurando que o Banco Mundial seja uma instituição genuinamente voltada ao mundo, comandada com experiência e integridade. A indicação de Kim é um passo enorme em direção a esse objetivo.
Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É também assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio.
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