segunda-feira, 23 de abril de 2012
A inadimplência bancária
Por Jairo Saddi - Valor 23/04
Recentemente, as ações dos bancos foram castigadas no mercado de bolsa. Além da eterna discussão sobre a redução do spread bancário, um fato pouco surpreendente vem chamando a atenção mais uma vez: a inadimplência elevada e o interesse do governo em fortalecer o crédito nos bancos oficiais como impulso ao desenvolvimento nacional. Segundo o discurso oficial, entre as razões pelas quais o juro básico já caiu 350 pontos, mas os spreads ainda não, está a inadimplência bancária.
De acordo com dados do Banco Central (BC), a inadimplência está hoje em 5,8% sobre o crédito total, sendo que a inadimplência das famílias aumentou de 5,7%, no início de 2011, para 7,6%, neste ano. Ao mesmo tempo, o nível de endividamento chegou a 43% da renda acumulada dos últimos 12 meses, bem acima dos níveis históricos de comprometimento de até 30% da renda mensal.
Voltou ao cerne, portanto, a preocupação com a inadimplência bancária. O primeiro grande problema téorico da inadimplência é a informação, uma vez que os bancos desconhecem quem são os bons devedores, ou, em outras palavras, não consegue distingui-los dos maus pagadores. Claro que na prática, o bom uso de sistemas de informação reduz esse problema, mas, em tese, toda informação positiva é ex-ante, enquanto a inadimplência é sempre um fato ex-post. Ademais, o banco simplesmente não pode controlar as ações do devedor, nem o ambiente de negócios em que ele está inserido, tampouco as crises com que pode se defrontar.
Os problemas que surgem da relação banco-devedor podem parecer triviais, mas são extremamente complexos e envolvem decisões do tipo: 1) escolher quem são os agentes econômicos que merecem crédito; e 2) decidir emprestar, na taxa de juros do mercado (e desejada pelo banco, na sua equação risco-retorno), ao melhor devedor, ou ao devedor que está disposto a aceitar tomar recursos àquela taxa.
É consenso que o sistema financeiro processa informação e serve como um meio de atenuar as assimetrias informacionais enquanto intermediário de crédito. O banco não conhece tudo sobre seus clientes, nem sobre a sua capacidade, ou integridade, de honrar seus débitos. Aliás, não dispõe de nenhuma informação a seu respeito. Pode-se dizer que ocorre assimetria informacional quando uma parte detém mais informação sobre outra, conceito que foi mais bem explicitado por George Ackerlof em relação a determinados produtos ou atributos de um dado bem, quando o consumidor não é capaz de pagar por eles. O exemplo dado por Ackerlof é o de um carro usado - nos EUA, "lemons" -, cujo vendedor dispõe de muito mais informação do que o comprador (por exemplo, se o carro foi batido ou se o motor está avariado).
Nos mercados de crédito, há assimetria informacional no sentido de que o devedor sabe mais sobre a sua capacidade de pagar pelo crédito do que o banqueiro, e aí há maior espaço para comportamentos oportunistas após a celebração do contrato - o que fatalmente acaba por elevar os custos da transação. Isso acarreta o que se conhece como "seleção adversa", ou seja, apenas os maus pagadores acabam "selecionando" os ofertantes de crédito.
Uma das formas tradicionais de mitigar a falta de informação é apelar para os chamados birôs de créditos - úteis se, e somente se, a informação for confiável, precisa e de fácil acesso. Resumidamente, estas são algumas características, reconhecidas pelo Banco Mundial como fundamentais para a avaliação correta do crédito de um consumidor ou empresa: 1) informação positiva (empréstimos em aberto, histórico de pagamento, ativos etc.), além de informação negativa (inadimplência ou fraude no pagamento); 2) informações gerenciais tanto do indivíduo como da empresa; 3) informações sobre o histórico de pagamentos e de compras, tanto dos varejistas como das companhias de serviço público, como telefonia, eletricidade, gás e água; 4) informações de seu histórico de crédito por, no mínimo, cinco anos consecutivos.
Para fortalecer o aumento do crédito no Brasil, é preciso ampliar o uso dos vários sistemas de informações e buscar a redução dos custos de transação. O Brasil precisa disso com urgência.
Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, professor de Direito do Insper
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