segunda-feira, 9 de abril de 2012

A tolice de Obama no Banco Mundial



Por Jagdish Bhagwati - Valor 09/04

A escolha de um sucessor para Robert Zoellick como presidente do Banco Mundial deveria dar início a uma nova era de franca competição meritocrática, que rompesse o tradicional domínio dos Estados Unidos sobre o cargo. Na verdade, a própria nomeação de Zoellick foi encarada em amplos círculos como "ilegítima", se abordada sob esse ponto de vista. Mas o presidente dos EUA, Barack Obama, decepcionou o mundo de forma ainda mais angustiante ao indicar Jim Yong Kim para o posto.

Para começar, deveria estar evidente que uma candidata extraordinária - Ngozi Okonjo-Iweala - já estava à mão. Ela tinha credenciais impressionantes: graus em economia de Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), experiência em trabalhar com uma ampla gama de questões de desenvolvimento como diretora-gerente do Banco Mundial e atuações como ministra da Fazenda e ministra das Relações Exteriores da Nigéria. (Ela também possui, e deu amplas demonstrações disso, a mais rara das qualidades: combater a corrupção às custas de seu cargo.)

Além de tudo Okonjo-Iweala é espirituosa, articulada e intransigente no enfrentamento de discussões de baixo nível. Ela é a candidata dos sonhos para comandar o Banco Mundial.

O que, então, a escolha de Obama nos diz sobre a sinceridade de sua retórica feminista? Será que ele impõe um limite onde lhe convém? Na verdade, se Obama e seus assessores não podiam engolir Okonjo-Iweala pelo fato de ela não ser americana, eles poderiam, certamente, ter indicado uma mulher americana que fosse também amplamente superior a Kim para o cargo.

Pelo menos duas me vêm à mente: Laura Tyson (minha ex-aluna no MIT), que chefiou o Conselho de Assessores Econômicos no governo Bill Clinton, e Lael Brainard, que é ao mesmo tempo uma intelectual soberba e trabalha atualmente como subsecretária para Assuntos Internacionais do Tesouro dos EUA.

Talvez Obama tenha considerado que a escolha de Kim, um coreano-americano especialista em saúde pública que é atualmente presidente da Faculdade de Dartmouth, faria avançar sua agenda mais imediata de segurança em Seul (aonde ele chegou imediatamente após anunciar a indicação), bem como a agenda econômica de médio prazo dos EUA na Ásia. Mas pode-se perguntar: será que o que é bom para os EUA é necessariamente bom para o mundo?

Dentro do mesmo espírito, o apoio americano para que Ban Ki-Moon, da Coreia do Sul, se tornasse secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) resultou no que os EUA querem na esfera da economia internacional. Enquanto o predecessor de Ban, Kofi Annan, era suficientemente independente para endossar os esforços necessários para concluir a Rodada Doha de negociações de comércio mundial e avançar um pacto mundial sobre imigração (eu o assessorei em ambos os temas), o governo Obama se afastou dessas questões. Ban fez o mesmo.

Mas talvez o fator mais premente a pesar na escolha de Obama tenha sido, como parece, um entendimento equivocado do que "o desenvolvimento" exige. As políticas de nível micro, como a assistência médica, que o governo Obama parece pensar que é o que a política "de desenvolvimento" deveria ser, têm alcance limitado. Mas as políticas de nível macro, como a liberalização do comércio e dos investimentos, a privatização, e assim por diante, são máquinas poderosas de redução da pobreza; na verdade, elas estão entre os componentes fundamentais das reformas abraçadas por países como a Índia e a China em meados da década de 1980 e no início da de 1990.

Essas reformas arrojaram esses países da estagnação para um crescimento vertiginoso. Os lobbies antirreforma reagiram argumentando que a pobreza e a desigualdade se agravaram. Mas novos estudos empíricos mostram o contrário: as economias em crescimento beneficiam os pobres não porque a riqueza "se infiltra" até as camadas mais baixas da sociedade, mas porque o crescimento "puxa para cima" os que a elas pertencem.

Na verdade, é a rápida aceleração do crescimento da economia nos principais países emergentes que reduziu a pobreza, não apenas de forma direta, por meio de empregos e elevação da renda, mas também ao gerar a arrecadação de que os governos precisam para empreender programas de saúde pública, educação e outros que sustentam a redução da pobreza - e o crescimento - no longo prazo. A Índia seguiu esse caminho. O ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, também - depois que as reformas introduzidas por seu predecessor geraram a receita suficiente que pôde, em seguida, ser gasta em programas destinados a ajudar ainda mais os pobres.

O problema de Kim, e, presumivelmente, dos especialistas em desenvolvimento do governo Obama, é que eles não entendem que o desenvolvimento bem-sucedido exige programas pró-reforma, pró-crescimento, de grande resultado, não apenas políticas de nível micro. Bangladesh percorreu essa trajetória, substituindo as reformas de nível macro por essas políticas, e está se desenvolvendo a um ritmo muito mais lento do que a Índia, onde as reformas de nível macro foram as primeiras a ser lançadas.

É pouco provável que Kim entenda essa dinâmica. Uma década atrás ele aplaudiu e estimulou as arengas contra as reformas "neoliberais", que, na verdade, foram o prenúncio de um crescimento maior e da redução da pobreza em todo o mundo. A presidência do Banco Mundial não deveria ser um estágio de aprendizado. (Tradução de Rachel Warszawski)



Jagdish Bhagwati é professor de economia e direito na Columbia University e membro associado em questões de economia internacional do Conselho de Relações Exteriores. É autor de "In Defense of Globalization" (Em defesa da globalização, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2012.

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