terça-feira, 10 de abril de 2012
A falsa medida da riqueza
Por Partha Dasgupta e Anantha Duraiappah - Valor 10/04
Apesar dos muitos êxitos alcançados na criação de uma economia mundial mais integrada e estável, um novo informe da Comissão de Alto Nível sobre Sustentabilidade Global da Secretária-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) - "Resilient People, Resilient Planet: A Future Worth Choosing"* (pessoas resilientes, planeta resiliente: um futuro que vale a pena escolher, em inglês) - admite o fracasso e até a incapacidade da atual ordem mundial em promover as mudanças drásticas necessárias para a verdadeira "sustentabilidade".
O relatório da comissão apresenta como meta um "planeta sustentável, uma sociedade justa e uma economia em crescimento", assim como 56 políticas recomendadas para atingir esse objetivo. O informe possivelmente é a convocação internacional mais proeminente já feita em defesa de uma remodelação radical da economia mundial.
Apesar de todo seu rico conteúdo, "Resilient People, Resilient Planet", no entanto, carece de soluções práticas e concretas. Sua recomendação de curto prazo mais valiosa - a substituição dos atuais indicadores de desenvolvimento (Produto Interno Bruto ou variantes) por indicadores mais abrangentes e inclusivos da riqueza - parece ter sido acrescentada como algo secundário, como se fosse uma ideia de última hora. O relatório, se não vier acompanhado de ações internacionais rápidas e decisivas para priorizar a sustentabilidade por cima do status quo, corre o risco de ter o mesmo destino de seu documento antecessor, de 1987.
O pioneiro Relatório Brundtland lançou o conceito de sustentabilidade e, similarmente, defendeu a mudança de paradigma para, então, ser ignorado. "Resilient People, Resilient Planet" abre parafraseando Charles Dickens: o mundo de hoje vivencia "o melhor dos tempos e o pior dos tempos". Como um todo, a humanidade alcançou prosperidade sem precedentes; grandes progressos na redução da pobreza mundial vêm sendo obtidos; e avanços tecnológicos revolucionam nossas vidas, eliminando doenças e transformando as comunicações.
Por outro lado, a desigualdade continua teimosamente elevada e aumentando em muitos países. As estratégias econômicas e políticas de curto prazo incentivam o consumismo e o endividamento, que combinados com o crescimento da população (projetada em quase 9 bilhões de pessoas em 2040), sujeita o ambiente a pressões cada vez maiores. Em 2030, destaca a comissão, "o mundo precisará de pelo menos 50% a mais de alimentos, 45% a mais de energia e 30% a mais de água - tudo isso em um momento em que os limites ambientais estarão ameaçando a oferta". Apesar dos avanços significativos nos últimos 25 anos, a humanidade fracassou em conservar recursos, proteger ecossistemas e em assegurar sua própria viabilidade de longo prazo.
Será que um relatório burocrático - não importa sua força - pode gerar mudanças? Será que agora, ao contrário de 1987, o mundo se unirá para atender a convocação da comissão para "transformar a economia mundial"? De fato, talvez surjam ações genuínas a partir da própria crise. Como destaca a comissão, nunca esteve tão clara a necessidade de mudança de paradigma para que possamos ter um desenvolvimento mundial verdadeiramente sustentável.
Quem vai coordenar o processo internacional para estudar como encorajar tais mudanças e quem vai assegurar que as descobertas científicas levem a processos de políticas públicas substanciais?
Em primeiro lugar, deve haver esforços de pesquisa internacionais e interdisciplinares para abordar essas questões de forma abrangente; a recomendação da comissão para criar um grupo internacional de ciências é, portanto, um passo na direção certa. Criar tal órgão, contudo, levará tempo e o desafio é deixar rapidamente disponível o melhor da ciência para as autoridades políticas.
O Relatório 2010, da Comissão de Medição do Progresso Social e Desenvolvimento Econômico, criada pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, fez ecoar o atual consenso entre cientistas sociais de que estamos mensurando incorretamente nossas vidas ao usar o Produto Interno Bruto (PIB) per capita como referencial do progresso. Precisamos de novos indicadores que nos digam se estamos destruindo a base produtiva que sustenta nosso bem-estar.
O Programa Internacional de Dimensões Humanas da Universidade das Nações Unidas (UNU-IHDP, na sigla em inglês) já trabalha para encontrar esses indicadores para seu Relatório de Riqueza Inclusiva (IWR, em inglês), que propõe uma abordagem sobre a sustentabilidade baseada no capital social, humano, industrial e natural. O UNU-IHDP desenvolveu o IWR com o apoio do Programa Ambiental das Nações Unidas para poder oferecer uma análise abrangente dos diferentes componentes da riqueza, país a país; suas relações com o desenvolvimento econômico e o bem-estar das pessoas; e políticas que sejam baseadas na gestão social desse patrimônio.
O primeiro IWR, concentrado em 20 países, será oficialmente lançado na conferência Rio+20, no Rio de Janeiro. Os resultados preliminares serão apresentados durante a conferência "O Planeta sob Pressão", em Londres, em março.
O IWR representa um primeiro passo crucial para transformar o paradigma econômico mundial, assegurando que temos as informações corretas para poder avaliar nosso desenvolvimento econômico e bem-estar - e para reavaliar nossas necessidades e objetivos. Embora não tenha a pretensão de ser um indicador universal de sustentabilidade, oferece de fato uma estrutura para o diálogo entre múltiplos constituintes dos campos econômico, social e ambiental.
A situação é crítica. Como "Resilient People, Resilient Planet" coloca acertadamente "aparar as margens" não será mais suficiente - o que serve de alerta para os que contam com a economia verde e as tecnologias de fontes de energia renováveis para solucionar nossos problemas. A comissão ressuscitou a defesa de mudanças abrangentes no sistema econômico mundial. Nosso desafio desta vez é acompanhar as palavras com ações.
* www.un.org/gsp/sites/default/files/attachments/GSPReport_unformatted_30Jan.pdf
Partha Dasgupta é professor de economia na University of Cambridge e presidente da Comissão Científica do Programa Internacional de Dimensões Humanas das Mudanças Ambientais Mundiais.
Anantha Duraiappah é diretor-executivo do Programa Internacional de Dimensões Humanas das Mudanças Ambientais Mundiais e professor-visitante da Universidade Normal de Pequim. Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
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