quarta-feira, 18 de abril de 2012
A União sobreviveu a Tocqueville
Por Martin Wolf - Valor 18/04
Se a soberania da União viesse a envolver-se num embate com a dos Estados, no dias atuais, sua derrota poderia ser confiantemente prevista, e não é provável que tal embate seja seriamente empreendido. Se um dos Estados optasse por remover seu nome do contrato, seria difícil negar seu direito a assim fazê-lo, e o Governo Federal não teria meios de sustentar de imediato suas reivindicações, seja pela força ou pelo direito".
Alexis de Tocqueville, autor dessas palavras sobre as perspectivas para os EUA, foi o mais agudo observador estrangeiro sobre o país. Mas ele não conseguiu prever o resultado de uma guerra civil. Analogamente, durante os 10 dias que passei nos EUA, descobri que os americanos bem informados acreditam que a zona do euro não sobreviverá. Isso porque a veem como um casamento de conveniência econômica, assim como Tocqueville viu os EUA como um casamento de conveniência política.
O paralelo é inexato, mas esclarecedor. É inexato, porque a zona do euro não é país. Se fosse, as tensões econômicas a que está sujeita seriam fáceis de administrar. É esclarecedor, porque mostra que a sobrevivência de qualquer construção política depende do vigor das forças centrífugas e centrípetas em ação. No caso dos EUA, as primeiras foram suficientes para convencer os Confederados a empreender a separação, mas as segundas foram suficiente para derrotar essa tentativa.
O que podemos, então, dizer sobre as forças em atuação na zona euro? As forças econômicas centrífugas são dolorosamente evidentes.
Em primeiro lugar, uma vez que a zona euro é uma união monetária sem retaguardas fiscais, a pressão de ajustes recai sobre mercados de trabalho notoriamente inflexíveis. Uma vez que o objetivo acordado é inflação baixa, isso significa uma pressão descendente sobre os salários nominais. Isso implica disparada do desemprego, economias em colapso e deflação da dívida.
Em segundo lugar, o nascimento do euro coincidiu com um boom mundial de crédito. A convergência dos juros decorrentes de sua criação foi reforçada pelo desaparecimento dos spreads de risco. O resultado foi uma onda de empréstimos transfronteiras - tanto para o setor público como para o privado -, reduzida pressão por consolidação fiscal em países altamente endividados (como a Itália) e o surgimento de enormes desequilíbrios de pagamentos e divergências de competitividade. Depois vieram os choques financeiros, que produziram "paradas súbitas" nos empréstimos, um colapso na tomada de empréstimos e nos gastos privados e uma onda de crises fiscais.
Em terceiro lugar, em tal crise, a zona euro não dispunha de um meio eficaz para sustentar sistemas bancários, financiar países em dificuldades ou assegurar ajustes proporcionados por parte de economias credoras e devedoras. Em vez disso, vemos improvisação: o avião da zona do euro está sendo reprojetado enquanto cai.
Agora, consideremos as forças centrífugas políticas. Eu gostaria de citar duas. Em primeiro lugar, a solidariedade continua em grande parte nacional. Afinal, falamos dos Estados de bem-estar mais generosos do mundo. Mas a disponibilização relativamente modesta de financiamento transfronteiras para ajudar as economias em dificuldades revelou-se muito difícil. É por isso que, na prática, o Banco Central Europeu emergiu como financiador transfronteiriço principal.
Em segundo lugar, o poder repousa nos Estados membros. No caso do euro, o poder está concentrado nas mãos da Alemanha, o maior país credor. Por isso, a zona do euro funciona, politicamente, como um arranjo multipaíses, não como um país. Os alemães compreenderam o problema desde o início. Os franceses, com frequência, não.
Por último, consideremos as ideias. A mais importante força centrífuga é o amplo desacordo sobre o que deu errado e como corrigir. Em particular, a visão alemã é de que a crise reflete indisciplina fiscal. Outros insistem (com razão) que o problema central foi excessiva concessão de empréstimos, competitividade divergente e desequilíbrios externos.
Essa discordância é relevante porque os ajustes não podem simplesmente ser impostos. Em vista da opção de saída (do euro), eles têm de ser negociados. Em tal negociação, os países credores precisam compreender seu papel na crise. Se eles quiserem preservar seus superávits, devem financiar seus devedores. Se quiserem ver pago o que emprestaram, precisam progredir no sentido de um déficit. Os dois lados - finanças e comércio - têm de ser realinhados.
São essas forças centrífugas suficientemente poderosas para romper o sistema? Para dar uma resposta, precisamos também examinar as forças centrípetas.
A principal força econômica que agora mantém o sistema coeso é o medo de uma ruptura. Uma justificação adicional para a união, nos países atingidos pela crise, é a útil pressão por reforma. Muitos acreditam que a moeda única oferece, no longo prazo, uma recompensa econômica positiva, embora essa visão precise ser temperada pelos custos do enfrentamento das crises e da redução da integração financeiro entre países.
A principal força política é o compromisso para com o ideal de uma Europa integrada, juntamente com o enorme investimento da elite nesse projeto. Essa motivação enormemente importante é muitas vezes subestimada por forasteiros. Embora a zona do euro não seja um país, é muito mais do que uma união monetária. Para a Alemanha, de longe o membro mais importante, a zona euro é o clímax de um processo de integração com seus vizinhos que ajudou a produzir estabilidade e prosperidade após os desastres na primeira metade do Século XX. O que está em jogo, para países membros importantes, é enorme.
Assim, a grande ideia que aproxima os países membros é a de seu lugar na Europa e no mundo. As elites políticas dos Estados membros, e grande parte de sua população, continuam a acreditar na agenda do pós-guerra, ainda que não tão apaixonadamente como antes. Em termos mais estritamente econômicos, poucos acreditam que flexibilização monetária poderia ajudar. Muitos continuam a acreditar que desvalorizações apenas gerariam inflação mais elevada.
Se esse fosse um simples casamento de conveniência, um divórcio conturbado pareceria provável. Mas trata-se de muito mais do que um casamento, mesmo que permanecerá sendo muito menos do que uma união federativa. Quem olha de fora não deveria subestimar a força da vontade por trás dele.
O desfecho mais provável - embora longe de assegurado - é um compromisso entre as ideias germânicas e uma emaranhada realidade Europeia. O apoio aos países em dificuldade crescerá. A inflação alemã vai subir e seus superávits externos cairão. O ajuste irá ocorrer. O casamento será extremamente infeliz. Mas ele é capaz de resistir. (Tradução de Sergio Blum)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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