quarta-feira, 4 de abril de 2012

Escassez de gás na região Sul

Valor 04/04

A capacidade atual de suprimento de gás natural nos três Estados do Sul está prestes a atingir seu limite e o descasamento entre o consumo e a oferta disponível em futuro próximo - 2014 ou 2015, dependendo do Estado - acendeu o alerta entre os empresários da região. Indústrias já colocam o suprimento de gás como um elemento decisivo no momento de escolher o local para a expansão das suas atividades.
Para não perder investimentos, os governos estaduais estão pressionando o governo federal e buscando alternativas, como a instalação de plantas de regaseificação de gás liquefeito de petróleo (GLP). Hoje, os governadores dos três Estados - Tarso Genro (PT), do Rio Grande do Sul, Raimundo Colombo (PSD), de Santa Catarina, e Beto Richa (PSDB), do Paraná, devem se reunir em Curitiba para discutir formas de garantir o suprimento de energia.
As distribuidoras de gás dizem que a oferta disponível pode atender ao crescimento da demanda, mas reconhecem que ela dificulta a incorporação de novos clientes intensivos à rede consumidora.

"A capacidade de suprimento hoje já está muito próxima ao limite. A folga é pequena e, somente pelo crescimento vegetativo [crescimento do consumo apenas dos atuais consumidores, desconsiderando novas ligações], já se atingiria o limite em 2014", diz o presidente da Câmara de Energia e Gás da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), Otmar Müller.

Nos dados de consumo informados pela distribuidora de gás de Santa Catarina (SCGás), é possível verificar o alerta de Müller: o volume médio de consumo está hoje em 1,83 milhão de metros cúbicos/dia (m3 /dia) e o suprimento garantido pela Bolívia - única fonte da rede que atende aos três Estados do Sul - é de até 2 milhões de metros cúbicos/dia para Santa Catarina.

Müller, que também preside o Sindicato da Indústria Cerâmica de Criciúma (Sindiceram) e é diretor industrial da empresa Eliane, diz que, nos atuais níveis de consumo do Estado, já não seria possível o ligamento à rede de uma empresa de grande porte do setor cerâmico. Segundo ele, uma empresa como a Eliane ou a Portobello, por exemplo, consome por dia 200 mil m3 de gás natural no processo produtivo, o que significa praticamente o dobro da "folga" atualmente existente no sistema.

O presidente da SCGás, Cosme Polese, é menos alarmista. Apesar de reconhecer os limites do sistema em 2014, ele diz que tem feito diversas reuniões com a Petrobras para garantir um aumento da oferta com gás natural produzido no próprio país a partir daquele ano. Mas, por enquanto, não está contratado um volume adequado com a expectativa de demanda.

A demanda média em 2014, na estimativa da própria SCGás, poderá chegar a 2,1 milhões de metros cúbicos por dia e, por isso, a empresa precisará de mais volume, portanto, que o disponível na rede. "Não está contratado [o aumento de volume], mas há negociações adiantadas. Estamos negociando entre 2,2 milhões e 2,3 milhões de metros cúbicos para ter segurança", observa Polese.

Segundo Polese, para dois novos investimentos previstos para ocorrer no Estado nos próximos meses - como o início de uma nova fábrica da General Motors uma possível unidade da BMW (a localização desse investimento ainda está em fase de definição pela empresa) - haveria disponibilidade de gás. Mas para um volume maior de investimentos industriais já seria uma situação "preocupante".

Engajado no movimento para pressionar o governo federal pelo aumento da oferta de gás natural na região Sul, o Rio Grande do Sul prevê que, no fim de 2015, a demanda local já irá superar a capacidade do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), que pode transportar até 2,8 milhões de m3 /dia para o Estado. A estimativa é da Sulgás, estatal responsável pela distribuição do combustível controlada pelo governo gaúcho com participação da Petrobras.

"Obras para o reforço do Gasbol ou para a construção de um terminal de regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) são complexas e levam três ou quatro anos", explica o presidente da Sulgás, Roberto Tejadas. "Por isso, uma decisão terá que ser tomada no máximo até o início de 2013", diz. Segundo ele, hoje a estatal já teria "dificuldades" para suprir novos consumidores de uso intensivo, como plantas petroquímicas, que demandam até 500 mil metros cúbicos por dia de gás natural.

Em 2011 a Sulgás distribuiu, em média, 1,78 milhão de metros cúbicos diários, mas nos meses de inverno a demanda chega a 2 milhões de metros cúbicos por dia. Dois terços do volume são absorvidos pela indústria. Conforme Tejadas, as vendas vêm crescendo em média 8% ao ano e, até 2015, a Sulgás também planeja ampliar a rede de distribuição no Estado dos atuais 558 quilômetros para 1.020 quilômetros, o que permitirá a conexão de novos clientes ao sistema.

Segundo Luciano Pizzatto, presidente da Compagas, distribuidora do Paraná, serão necessários investimentos de cerca de R$ 5 bilhões nos próximos dez anos - por parte de União, governos estaduais e iniciativa privada - para garantir o atendimento da demanda nos três Estados.

Entre as alternativas, Pizzatto cita a construção de dois portos de GNL (liquefeito), no Paraná e no Rio Grande do Sul. Com eles, o gás pode ser adquirido onde tiver oferta, no Brasil ou no exterior, e ser transportado de navio. Também há a sugestão de construção de novos dutos para o Gasbol, de São Paulo até o Rio Grande do Sul, o que equivale a uma duplicação. Também para aliviar o Gasbol, poderia ser construído um gasoduto de Penápolis (SP) a Londrina (PR). Uma solução não descarta a outra, diz ele.

Pizzato aponta ainda soluções regionais, como um gasoduto para atender fabricantes de papel no Paraná, entre elas a Klabin, que planeja ampliação. Ele contou que, em 2011, a estatal de gás paranaense investiu R$ 20 milhões em dutos de distribuição e, em 2012, estão aprovados R$ 65 milhões para o mesmo fim. Para os próximos sete anos, estão previstos R$ 800 milhões, que podem saltar para R$ 1,5 bilhão, se forem construídos 111 quilômetros de dutos até o porto de Paranaguá e a integração com as papeleiras e com o norte do Estado. "Essas soluções podem garantir o abastecimento pelos próximos 20 anos", prevê o executivo.

Hoje, a região Sul conta com 10 milhões de metros cúbicos por dia de gás, mas 2,3 milhões são destinados a uma térmica e 2,5 milhões para refinaria da Petrobras no Paraná. Fora isso, a região consome 4,8 milhões de m3 / dia e o segmento industrial é responsável por 72% desse total. A demanda adicional futura está estimada em 20 a 30 milhões de m3 /dia. Segundo Pizzatto, os problemas maiores são para os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, já que o duto atual é "telescópico", ou seja, vai "afinando" conforme avança.

A Compagas, que tem contratos que somam 1,1 milhão de m3 diários, já garantiu um adicional para a Vale Fertilizantes, mais 300 mil m3 para novos investimentos e acredita que dá para acrescentar mais 450 mil m3. Apesar disso, ainda será necessário encontrar alternativa para conquistar também um novo contrato da Vale Fertilizantes para 2016 (que pode chegar a 1,1 milhão de m3 /dia).

A SCGás, de Santa Catarina, vinha fazendo nos últimos meses ampliações da rede de distribuição, mas pisou no freio nos investimentos previstos para este ano, que recuaram para R$ 24 milhões -só no aumento da rede, do litoral para a serra, estavam previstos R$ 40 milhões em 2012. Polese diz que, no momento, há um contingenciamento "temporário", enquanto não há aumento da tarifa.

A tarifa do gás catarinense sofreu um congelamento no início do ano, quando as empresas reclamaram do reajuste do gás pela distribuidora e o governo do Estado (acionista majoritário na SCGás) vetou o aumento. Desde então, a SCGás tem tentado reverter a situação. Fontes próximas dizem que a redução nos investimentos previstos neste ano ocorre, no entanto, por outra razão: não há ainda a garantia de aumento na oferta do gás no longo prazo para que se expanda a rede e se busque novos consumidores.

Há um ano, os limites do sistema ficaram bem claros não só para as distribuidoras do Sul, mas também por parte das empresas consumidoras, que têm cobrado uma solução em reuniões periódicas em que discutem os problemas da região.

Um estudo foi contratado pela Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás (Abegás) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para apresentação de soluções. A Abegás foi procurada, mas não se pronunciou.

Empresas já planejam expansão para outros Estados



 
Para as empresas consumidoras de gás natural na região Sul, especialmente em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a ameaça de falta do insumo em futuro próximo já inibe alguns planos de expansão na região. A Oxford, fabricante de louças de cerâmicas de São Bento do Sul (SC) é um exemplo dessa preocupação.

A empresa chegou a elaborar um plano de expansão para fora de Santa Catarina. O Estado escolhido para receber novos investimentos da empresa foi o Espírito Santo. "O gás foi uma variável importante na definição do local de expansão. O Espírito Santo tem oferta mais abundante e consumo menor", explica Antônio Marcos Schroth, diretor da empresa.

Atualmente, conta Schroth, o plano de expansão está suspenso, mas não por causa da falta de gás: foi o aumento da concorrência com os importados no mercado nacional que provocou o engavetamento temporário do projeto.

Por certa "sorte", as limitações no suprimento de gás natural em Santa Catarina começam a preocupar quando o setor cerâmico - que é o maior consumidor do gás natural no Estado, responsável por metade do consumo atual - encontra-se com dificuldade de ampliação de vendas diante da competição chinesa.

Por outro lado, o momento é delicado, porque o Estado tem assinado diversos protocolos de intenções de investimentos com empresas que usam essa matriz energética. Além da GM, com quem o Estado fechou um protocolo em fevereiro, sabe-se que há negociações para uma planta da BMW, que também poderá pedir ligação de gás natural, caso confirme o investimento no Estado.

Em julho do ano passado, a Vale Fertilizantes assinou com a Companhia Paranaense de Gás (Compagas) contrato para fornecimento de gás natural para a caldeira de seu complexo industrial de Araucária. O consumo da empresa, que vai substituir o óleo combustível, aumentará de 10 mil para 540 mil m3 de gás por dia a partir de 2014.

Em nota, a Vale informou que a mudança não foi feita antes "devido à indisponibilidade do produto na região". Acrescentou que, a partir de 2016, espera substituir o resíduo asfáltico, usado como matéria-prima, pelo gás. Com o contrato, a Vale Fertilizantes se tornou a maior cliente da Compagas. É para atender a essas demandas, e evitar que investimentos deixem de ser feitos por falta de gás, que os três Estados do Sul estão em busca de solução para aumentar a oferta na região.

Apesar de empresários e executivos do setor demonstrarem confiança na boa vontade do governo federal em atender às reivindicações da região, o coordenador do comitê de petróleo, gás e energia da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Oscar de Azevedo, considera que a "situação é preocupante". Segundo ele, os estudos de viabilidade - que estão sendo feitos pela Petrobras, Hyundai, Samsung e governo do Estado - para a instalação de um terminal de GNL associado a uma fábrica de fertilizantes, no porto de Rio Grande, geram expectativa positiva para o setor industrial.

Mesmo assim, Azevedo cobra investimentos no reforço do sistema atual para evitar acidentes, como o rompimento do Gasbol em 2008, provocado por enchentes em Santa Catarina, o que exigiu a suspensão temporária do fornecimento do combustível no Sul do país.

O risco mais imediato para os três Estados do Sul é perder novos investimentos industriais para outras regiões em função da limitação da oferta do gás natural, diz Azevedo. Nos próximos anos, algumas empresas podem até sair do Rio Grande do Sul se não tiverem condições de ampliar o recebimento do combustível, alerta.

O grupo Randon, de Caxias do Sul, consome quase 50 mil metros cúbicos por dia. A empresa poderia triplicar esse volume, mas não converte mais equipamentos para operar com gás natural, devido à insegurança em relação ao abastecimento no futuro. O diretor-executivo da divisão de implementos e veículos, Norberto Fabris, explica que o conglomerado não deixa de investir em expansão da capacidade no Estado, mas reclama que a empresa "perde a chance de reduzir custos e ser mais competitiva".

O diretor industrial da Agrale, também de Caxias do Sul, Ércio Lutkemeyer, diz que a empresa não tem problemas com o abastecimento de gás natural, mas considera "pertinente" o movimento regional pela ampliação da oferta. "Quando as médias indústrias também decidirem migrar [para o uso do combustível], haverá picos de consumo e restrições no fornecimento", afirma.

Segundo Lutkemeyer, a Agrale consumiu 274,5 mil metros cúbicos de gás natural em 2011 (média diária de 752,3 metros cúbicos), 11,9% a mais do que no ano anterior. Atualmente, estuda utilizar o combustível em outra unidade industrial, o que aumentaria a demanda em 50%. De acordo com o diretor da Agrale, o uso do gás natural gera economia de cerca de 25% em relação aos gastos com o gás liquefeito de petróleo (GLP).

A San Marino, fabricante de carrocerias de ônibus Neobus, gasta R$ 30 mil por mês com o consumo de 13 mil toneladas de GLP e poderia economizar metade disso com a substituição do combustível pelo gás natural. Valdir Rodrigues, diretor industrial da empresa, conta que a San Marino já pediu a conexão à rede da Sulgás, que passa a 1,6 km da fábrica, mas o custo da obra, estimado em R$ 900 mil, impede a implantação do ramal.

Segundo Rodrigues, a Sulgás quer que a San Marino assuma o investimento. De acordo com Roberto Tejadas, presidente da estatal, a construção de conexões para ligar novos clientes à rede de distribuição é "cara" e depende de estudos de viabilidade, que garantam a remuneração do investimento.

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