terça-feira, 27 de março de 2012

Resgate financeiro de fôlego curto



Por Wolfgang Münchau - Valor 27/03

Bem-vindos de volta à crise. E deverá ficar pior quando os mercados descobrirem que a região do euro pretende driblar a necessidade de aumento no "guarda-chuva" de proteção financeira contra a crise europeia. O argumento ouvido é um perfeito exemplo de lógica circular: não precisamos de um guarda-chuva maior porque as pressões do mercado arrefeceram.

Bem, as pressões do mercado voltaram a aumentar recentemente. Investidores estão preocupados com a Espanha.

Ao longo do fim de semana, Angela Merkel preparou uma de suas célebres mudanças de direção e lançou um balão de testes na imprensa alemã, o de que estava, no fim das contas, pronta para aceitar um aumento nos programas de resgate financeiro.

A aritmética, no entanto, é tediosa e a maioria das declarações que nos chega obscurece a questão, somando os mesmos números duas vezes. Os Estados Unidos e outros países do G-20, das principais economias mundiais, defendem que a contribuição da região do euro para o guarda-chuva de proteção total dobre, dos atuais € 500 bilhões para € 1 trilhão. Nesse caso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) entraria com mais € 500 bilhões

Para conseguir isso, a região do euro teria de tomar duas medidas. Primeira, precisaria combinar o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla em inglês), o guarda-chuva temporário de € 440 bilhões, e seu sucessor permanente, o Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM). Segunda, teria de tornar permanente a contribuição do EFSF, já que de outra forma o fundo acabaria em 2013. As duas medidas seriam necessárias para chegar um total próximo a € 1 trilhão. Merkel, entretanto, não vai oferecer isso. Nem de perto.

Da forma como compreendi, ela está preparada para oferecer apenas uma fusão parcial e, ainda assim, apenas por um período de transição. Especificamente, os alemães propõem agregar os compromissos existentes do EFSF - os programas da Grécia, Irlanda e Portugal - ao ESM. Isso nos levaria a um total aproximado de €700 bilhões. O problema é que esses números não podem ser somados simplesmente. Uma vez que os programas antigos expirem, eles acabaram. Mais dinheiro, portanto, teria de vir do ESM. Com o tempo, o teto voltaria aos € 500 bilhões. Esse acordo, no máximo, proporcionaria um aumento pequeno e temporário no teto.

Ainda assim, elevaria o risco máximo temporário da Alemanha de € 211 bilhões para cerca de € 280 bilhões. Isso representa um problema político enorme para a primeira-ministra, porque exigiria uma votação no Bundestag, o Parlamento alemão, que anteriormente havia acertado que o passivo total de € 211 bilhões não deveria ser superado. A quantia de € 211 bilhões ganhou ares simbólicos nos debates na Alemanha. Merkel e outros políticos comprometeram-se várias vezes a não quebrar o limite. O CSU, ala da Baviera do partido de Merkel, se opõe. Depois da eleição de domingo em Sarre, a coalizão da primeira-ministra enfrentará um desafio ainda maior na Renânia do Norte-Vestfália, com eleições marcadas para maio. Não se esqueçam que as eleições lá acabaram atrapalhando o primeiro pacote de resgate financeiro da Grécia.

A fusão total dos dois fundos, do EFSF e do ESM, elevaria temporariamente o risco da Alemanha para cerca de € 400 bilhões. Acho difícil de ver como o Parlamento alemão simplesmente aceitaria quase dobrar o risco, depois de ter dito e repetido que isso não seria necessário. E mesmo isso não iria satisfazer o resto do mundo, uma vez que seria apenas um aumento temporário.

A reação europeia típica a impasses do tipo é valer-se de contabilidades criativas. Ouvi a sugestão de que se poderia "esticar" o capital resgatável do ESM. Isso deixaria intocado o número mágico de € 211 bilhões. Também significaria, contudo, que a capacidade total de resgate em nenhum momento seria maior do que 500 bilhões de euros. O resultado, ainda assim, seria mais parecido a um revólver de brinquedo do que a uma "grande bazuca". O mercado precisou de várias semanas para entender o significado dos recentes desenvolvimentos políticos e econômicos na Espanha. Podem ser necessárias mais algumas até que se compreenda a posição da Alemanha sobre o ESM.

O significado real, contudo, apenas fica claro quando se avaliam as duas questões juntas.

O atual ESM é grande o suficiente para lidar com países pequenos, mas não com a Espanha. Acredito que Madri acabará tendo de solicitar algum programa, especificamente para lidar com as dívidas paralisantes do setor financeiro espanhol. Mesmo uma versão minimamente expandida do ESM, no entanto, não seria suficientemente grande.

O que esse impasse nos revela é que estamos nos aproximando dos limites políticos dos programas multilaterais. Caso se queira pedir recursos nessa escala, será necessária "responsabilidade conjunta e solidária" - ou seja, todos os países da região do euro precisam ser responsabilizados conjuntamente - sem passivos específicos para cada país. Chamem de eurobônus ou como quiserem. Caso tampouco se queira isso, então será preciso aceitar que simplesmente não haverá proteções para a Espanha. Como disse, bem-vindos de volta à crise.


Wolfgang Münchau é editor do FT, especialista em União Europeia.

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