segunda-feira, 19 de março de 2012
O debate sobre a crise na indústria
Por Luiz Carlos Mendonça de Barros - Valor 19/03
Volto hoje ao tema da crise na indústria brasileira. O retorno a um assunto de que já tratei neste espaço não se faz por falta de alternativa, mas pela relevância desta questão no debate atual. Nos últimos dias vários analistas também refletiram sobre as causas estruturais da incrível perda de energia que assistimos nos últimos tempos na indústria manufatureira do Brasil.
A divulgação de um desastroso índice de produção industrial no ultimo mês de janeiro - queda de mais de 2% em relação ao mês de dezembro - provocou um choque na opinião pública. O governo entrou em pânico e reagiu com medidas pontuais de grande intensidade, como a aceleração dos cortes de juros por parte do Banco Central (BC) e novas ações para tentar brecar a entrada de capitais financeiros. A presidente ameaçou o mercado com uma medida provisória a cada dia para estancar a especulação cambial que ainda é vista em Brasília como a causa última e mais importante da paralisia que parece tomar contas das fábricas brasileiras.
Felizmente este choque negativo de expectativas também provocou um aprofundamento das reflexões de analistas fora do governo. A excitação da mídia em relação a este tema fez com que questões centrais, que vinham sendo deixadas de lado, passassem à primeira linha de preocupações, dando outra dimensão ao debate. Dou um exemplo que me parece exemplar: vários órgãos da imprensa trouxeram à luz do dia a questão da absurda carga de tributos - federais e estaduais - que onera o custo da energia elétrica para a indústria. Isto em um país que tem a felicidade de ter na barata e limpa energia de origem hidráulica a parte mais importante de sua matriz energética.
Mais uma vez insisto na minha tese de que são causas estruturais que estão por trás da crise atual. Com o fortalecimento do real e a abertura de nossa economia às importações, uma série de aleijões, que se escondiam por trás de uma economia fechada por um longo período, começaram a atingir a competitividade da indústria brasileira. Costumo dizer que o fortalecimento de nossas contas externas representou a queda do Muro de Berlim que limitava a entrada das importações na matriz de oferta de produtos industriais nos mercados brasileiros. Da mesma forma como aconteceu na Alemanha, sem este divisor artificial entre mercado interno e externo, uma verdadeira revolução ocorreu em vários mercados nos últimos anos no Brasil.
Para enfrentar este choque de competição o governo - e algumas das lideranças empresariais - preferiram o caminho mais fácil de eleger inimigos externos como responsáveis pelas dificuldades criadas para as empresas nacionais. Sem entender - e aceitar - o caráter racional destas mudanças preferiram buscar medidas pontuais que restrinjam a competição das importações. Afinal reformas estruturais sempre atingem padrões de comportamento firmemente estabelecidos na sociedade e implicam em perdas para alguns setores.
O governo não entende que em uma economia de mercado organizada - e este é o caso do Brasil hoje - existe uma integração racional entre seus vários setores. Em outras palavras, a economia responde naturalmente a mudanças estruturais causadas por novas condições externas e internas. E qualquer tentativa artificial - principalmente por parte de intervenções pontuais do governo - de impedir que esta acomodação ocorra vai gerar tensões e, no longo prazo, distorções perigosas em vários mercados.
Vivemos nestes últimos tempos um destes momentos em que, para tentar proteger o setor industrial de reflexos negativos criados pela nova situação externa da economia brasileira, o governo prejudica setores que se beneficiam de condições extraordinárias de eficiência e de produtividade, como é o caso da agricultura e do setor mineral.
Dou um exemplo dramático e que ainda não foi devidamente percebido. Durante décadas a agricultura brasileira viveu à míngua por conta da escassez de recursos para financiar suas atividades de custeio e investimento. Os empresários do setor dependiam quase integralmente do crédito do Banco do Brasil que, como os cometas, aparecia e desaparecia em função das crises fiscais do governo federal. Pois, mais recentemente, em função da confiança externa no setor e em nossa moeda, uma modalidade de crédito criada pelo mercado passou a irrigar o campo: antecipação de pagamentos por conta de exportações futuras de seus produtos. Como as commodities têm seus preços denominados em dólares, há um casamento perfeito entre o endividamento dos produtores e suas receitas de exportação.
Nesta situação os juros baixos dos mercados internacionais de crédito passaram a beneficiar diretamente os produtores brasileiros. Pois uma das medidas mais recentes tomadas pelo governo na sua cruzada contra a valorização especulativa do real - a imposição de um IOF de 6% na entrada destes recursos - tornou muito mais caro e difícil a obtenção destes recursos por parte dos exportadores brasileiros e entre eles, nossos agricultores. Será que o governo avaliou corretamente esta medida? Parece-me que não.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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