quarta-feira, 14 de março de 2012
Longo caminho pelas dívidas
Por Martin Wolf - Valor 14/03
"Desalavancar" é uma palavra feia que descreve uma viagem detestável: a jornada para reduzir o excesso de endividamento depois de uma bolha de créditos. O que torna esse esforço particularmente complicado atualmente é o fato de afetar os Estados Unidos e outras grandes economias. Trata-se de um evento global, não apenas local.
Em janeiro, o McKinsey Global Institute publicou uma versão atualizada de sua inestimável pesquisa sobre desalavancagem*. É um documento que dá o que pensar: mostra que a desalavancagem ainda tem um longo caminho pela frente; felizmente, também mostra que a economia dos EUA é a que está mais avançada na desalavancagem.
Não é possível livrar-se de dívidas assumindo mais dívidas. Quantas vezes você já leu alguma declaração do tipo? É um clichê. Como o estudo do McKinsey Global Institute destaca, além de clichê, também é falsa. Suécia e Finlândia, ambas atingidas por crises no início dos anos 90, são bons exemplos disso.
A história desdobra-se assim: um grande aumento na alavancagem resulta em uma enorme crise financeira; o governo rapidamente reestrutura o sistema financeiro; captadores de empréstimos privados excessivamente endividados reduzem suas dívidas por meio de cortes de gastos; os bancos centrais reduzem as taxas de juros; o desmoronamento da atividade econômica e dos lucros resultante de tudo isso empurra o governo para imensos déficits fiscais, que servem de suporte para a economia; por fim, a economia se recupera, auxiliada pelas exportações e o governo começa seu recuo fiscal.
O aumento temporário dos déficits fiscais, portanto, ajuda a proteger a economia do recuo forçado do setor privado. A alternativa seria uma depressão, na qual as dívidas são reduzidas por falências em massa - e não pelo pagamento das obrigações. Infelizmente, o caminho de ajuste suave leva tempo. Também depende da capacidade creditícia do governo, que precisa ser muito melhor do que a do setor privado. Isso vale para os EUA e Reino Unido, mas não para a Espanha, que vem sendo coagida a entrar em uma redução violenta de gastos.
O perigo é que o setor privado nunca se recupere totalmente, como parece ter ocorrido no Japão. O informe do McKinsey detalha o que precisa ocorrer para evitar o risco. A lista inclui: estabilidade no setor bancário; planos convincentes de sustentabilidade fiscal; reformas estruturais; aumento nos investimentos e exportações; e estabilidade no mercado residencial e recuperação na construção civil.
O grau de alavancagem que a economia pode suportar depende de quem captou o empréstimo, de quem o cedeu, do valor da garantia e, não menos importante, da atividade econômica. A forma mais certeira de impor uma redução desnecessária e destrutiva na alavancagem é permitir o colapso da economia. É por isso que são importantes políticas monetárias agressivas e grandes déficits fiscais temporários. Se o setor público não sustentar os gastos enquanto o setor privado recua, o recuo privado será excessivo e provocará danos desnecessariamente profundos à economia.
Em que ponto, então, está a desalavancagem agora? No caso dos EUA, a alavancagem em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) caiu 16 pontos porcentuais entre 2008 e o segundo trimestre de 2011. No mesmo período, a alavancagem subiu no Reino Unido e Espanha. Isso em parte porque os EUA foi mais bem sucedido em sustentar a produção econômica do que o Reino Unido e Espanha. Os EUA também presenciaram uma desalavancagem bem sucedida dos setores empresariais financeiro e não financeiro. No Reino Unido e Espanha, os setores financeiros não se desalavancaram. Acima de tudo, os EUA reduziu a alavancagem dos consumidores em maior grau do que o Reino Unido e Espanha. Os EUA até tiveram uma queda absoluta no endividamento das famílias, em grande parte graças à inadimplência. As dívidas das famílias dos EUA até retomaram sua tendência de longo prazo, embora as famílias americanas tenham percorrido apenas um terço do caminho das suecas em sua desalavancagem nos anos 90.
Em geral, o cenário pós-crise nos EUA parece estar em melhor forma do que nessas duas outras economias. A alavancagem agregada (em 279% do PIB no segundo trimestre de 2011) está bem menor do que no Reino Unido (507%) e Espanha (363%). A capacidade de captação do governo dos EUA continua forte. Os custos de captação do governo do Reino Unido também continuam baixos. Os enormes balanços patrimoniais do setor financeiro no Reino Unido, em 219% do PIB, explicam grande parte da alavancagem elevada. O governo do Reino Unido, no entanto, vem reduzindo gastos, enquanto a desalavancagem do setor privado é muito baixa. O custo de captação governamental é muito maior na Espanha do que nos EUA, enquanto a desalavancagem do setor privado espanhol continua muito limitada, até agora.
Todas essas economias deparam-se com riscos em sua jornada para sair da crise. Os EUA, por exemplo, carecem de um plano de sustentabilidade fiscal e são demasiados grandes para esperar mais do que um impulso apenas modesto graças às exportações. Os investimentos, incluindo na construção civil, precisarão guiar sua recuperação. Na ausência de uma grande elevação dos investimentos privados - que não seja resultante do aumento da alavancagem - eliminar o déficit fiscal pode mostrar-se uma tarefa difícil. De novo, aumentos nos investimentos das empresas e nas exportações líquidas são essenciais para que a economia do Reino Unido se recupere e os déficits fiscais sejam eliminados, como o governo deseja.
O Reino Unido enfrenta a ameaça adicional de dissolução da região do euro, o que poderia provocar sérios danos a seu setor financeiro. No caso da Espanha, o papel principal na recuperação precisa ser desempenhado por uma rápida mudança nas exportações líquidas, até porque o setor empresarial não financeiro espanhol já é altamente alavancado, com endividamento de 134% do PIB no segundo trimestre de 2011, em comparação aos 109% no Reino Unido e 72% nos EUA.
Levando tudo isso em conta, vai levar um bom tempo para escaparmos da maior crise financeira desde os anos 30 e de suas sequelas. Uma boa notícia é que a depressão foi evitada. Outra boa notícia é que a desalavancagem do setor privado vem progredindo, especialmente nos EUA. À medida que os preços dos ativos se estabilizarem e as economias se ajustarem, deverá ser possível eliminar as medidas excepcionais de suporte fiscal e monetário. A má notícia é que provavelmente levará mais tempo do que muitos esperavam. A retirada prematura das ações de suporte fiscal e monetário poderia levar as economias afetadas de volta à recessão, com impactos devastadores na confiança. No longo prazo, além disso, serão necessárias grandes mudanças nas contas externas para que se evitem uma nova rodada de captações privadas irresponsáveis ou novos déficits fiscais gigantescos.
O caminho para a desalavancagem será longo e árduo. É essencial planificar o trajeto, inclusive em direção à consolidação fiscal. É ainda mais importante não se imaginar que se está perto do fim do caminho, quando ainda se está no início.
* Debt and deleveraging (dívida e desalavancagem, em inglês), www.mckinsey.com/Insights/MGI.
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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