terça-feira, 20 de março de 2012

Não há uma "siesta" espanhola



Por Wolfgang Münchau - Valor 20/03

Os mercados chegaram à conclusão de que a crise da zona do euro terminou. Vários políticos disseram que também eles acreditam que o pior já passou. A complacência está de volta. Lembro-me de declarações semelhantes no passado. Sempre que há algum progresso técnico - uma operação de socorro, uma injeção de liquidez, uma troca de dívida bem sucedida - o otimismo retorna.

Se você acha que as políticas do Banco Central Europeu (BCE) "compraram tempo", deveria perguntar-se: tempo para quê? A situação da dívida da Grécia permanece insustentável; o mesmo se aplica a Portugal, bem como ao setor bancário europeu e também ao espanhol. Mesmo que o BCE venha a oferecer financiamento barato e ilimitado durante o resto da década, isso não seria suficiente.

Na Espanha, a maior parte da dívida tóxica foi assumida pelo setor privado. O nível de endividamento do setor privado, especificamente das famílias e das empresas não financeiras, era equivalente a 227,3% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim de 2010, segundo o Eurostat. Os dados do ano passado ainda não foram divulgados, mas o número será apenas um pouco menor. Uma das áreas onde o ajustamento está acontecendo é o mercado imobiliário. O melhor índice para a Espanha é a nova série compilada pelo Instituto Nacional de Estatística, que mostra que o índice geral de preços das casas caiu 11,2% só no ano passado, mas baixou apenas 21,7% desde o pico no terceiro trimestre de 2007. Devemos lembrar que a bolha espanhola foi muito mais extrema do que outras, mas os preços só baixaram cerca de 20%. Na região de Madri, os movimentos podem ter sido mais intensos, com uma queda de 29,5%.

Segundo minhas estimativas, o ajuste nos preços das casas na Espanha ainda não chegou à metade. Em termos reais, o boom imobiliário americano já foi quase completamente cancelado. Os gráficos de bolhas históricas, se expressos em preços reais, tem belas curvas em forma de sino. Isso faz sentido, uma vez que a propriedade doméstica é um ativo real improdutivo. Na Espanha, como em outros países, seria razoável supor que os preços reais acabarão por cair para onde estavam entre meados e fim da década de 1990.

O governo espanhol obrigou os bancos de poupança a depreciar suas carteiras de imóveis em € 50 bilhões neste ano. Isso é apenas uma pequena parte do que será necessário se o mercado imobiliário cair como, acredito, acontecerá. Estimativas oficiais assumem quedas suaves de preços e uma recuperação rápida da economia. Ambas as hipóteses são delirantes. Como poderá ocorrer uma recuperação da economia espanhola, se os setores privado e público estão se desalavancando ao mesmo tempo - e provavelmente assim continuarão por muitos anos?

A desalavancagem do setor público será maligna. O déficit ficou em 8,5% do PIB no ano passado. Essa foi uma arremetida exagerada, mas o motivo não foi indisciplina fiscal. Isso foi necessário para evitar um desaquecimento maior. A meta recentemente revisada é de 5,3% para este ano e 3% para 2013. Assim, o ajuste total do setor público necessário em vista da regras europeias impostas para os déficits é de incríveis 5,5% em dois anos - isso, em meio a uma recessão. Se observarmos o grau de desalavancagem mundial que se avizinha, tanto no setor público como no privado, a questão não é se a economia espanhola conseguirá se recuperar em 2012 ou 2013, mas se poderá efetivamente recuperar-se antes do fim desta década.

A típica reação europeia a essa última afirmação é dizer que as reformas econômicas aumentarão a confiança e produzirão crescimento. Os otimistas apontam para a Itália, onde a nomeação de Mario Monti para o posto de primeiro-ministro produziu um círculo aparentemente virtuoso de reformas e taxas de juros de mercado mais baixas. A principal reforma nos dois países foi um moderado relaxamento da leis trabalhistas. Embora isso seja provavelmente necessário, eu ficaria surpreso se produzirá um impacto relevante sobre as taxas de crescimento no longo prazo. Se assim for, grande parte da literatura sobre o mercado de trabalho teria que ser reescrita.

Para a Espanha, a política correta de ajuste seria um programa para forçar uma deslavancagem do setor privado em três a cinco anos, apoiado por déficits continuamente substanciais do setor público e, sim, acompanhada também por reformas econômicas. O momento para enfrentar o déficit do setor público será após a desalavancagem do setor privado ter sido concluída. Tal política não apenas facilitaria o ajuste. Ela o aceleraria.

Mas uma combinação de políticas monetárias ultrafrouxas e contenção fiscal atrasaria o inevitável ajuste. A Espanha continua aprisionada numa armadilha de endividamento cada vez mais profunda, cuja única saída será um calote. Se o país implementar as políticas acordadas, terminará onde estão Grécia, Portugal e Irlanda - sob um guarda-chuva de socorro. Esse é o cenário mais provável para a Espanha.
Em novembro, eu disse que os líderes europeus tinham apenas 10 dias para salvar o euro. Meu diagnóstico, então e agora, é que eles falharam. As políticas do BCE não compraram tempo. Elas frearam o ritmo dos processos políticos e do ajustamento econômico necessário para solucionar a crise. O pior, temo, ainda está por vir. (Tradução de Sergio Blum)



Wolfgang Münchau é editor do FT, especialista em União Europeia.

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