segunda-feira, 19 de março de 2012
O único show na cidade
Por Martin Wolf - Valor 19/03
O ônus da política macroeconômica do Reino Unido recai sobre o Banco da Inglaterra. George Osborne, ministro da Economia, em vez disso, deu claros sinais de que apostará até o fim na disciplina fiscal. Não importa que engenhosidade apareça no orçamento da próxima semana, provavelmente fará pouca diferença no desempenho imediato da economia, como meu colega Chris Giles destacou na semana passada. Isso não tira a importância do orçamento. Como também mostrou Paul Johnson, diretor do Instituto de Estudos Fiscais, um sistema tributário destituído de princípios e repleto de truques é imprevisível e, portanto, é fonte de incertezas prejudiciais. Infelizmente, é improvável que isso mude.
A grande dúvida macroeconômica é se a "flexibilização monetária quantitativa", conhecida em inglês pelas siglas "QE", de fato funciona. As somas envolvidas são espantosas. Quando sua terceira rodada de compras de ativos estiver concluída, o Banco da Inglaterra terá 325 bilhões de libras esterlinas (US$ 511 bilhões) em ativos financeiros, predominantemente bônus governamentais do Reino Unido, os "gilts", que terão sido comprados com a impressão de novo dinheiro. Terá em mãos perto de um terço do mercado de gilts. Sim, trata-se de uma monetização. Mas, então, isso é algo eficiente ou mesmo perigoso?
A opinião do Banco da Inglaterra é que a flexibilização quantitativa é uma extensão natural da política monetária, necessária quando a taxa de juros está em 0,5%, a menor nos 318 anos de existência do banco central*. Com as medidas convencionais esgotadas, o Banco da Inglaterra, assim como o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) e o Banco Central Europeu (BCE), foram levados, em vez disso, a tentar medidas altamente incomuns.
O Banco da Inglaterra sustenta que as compras de ativos funcionam porque recuperam a confiança, sinalizam a política futura, obrigam o reequilíbrio das carteiras de investimento, melhoram a liquidez e aumentam a base monetária quando o mecanismo-padrão - empréstimos aos bancos - fica congelado. Em termos gerais, a análise do Banco da Inglaterra indica que a flexibilização quantitativa inicial, de 200 bilhões de libras, elevou o Produto Interno Bruto (PIB) entre 1,5% e 2% e a inflação entre 0,75% e 1,50%. Se for isso, evitou uma recaída recessiva, embora tenha agravado uma inflação que já era alta - uma troca razoável. Se as rodadas posteriores de flexibilização quantitativa, acertadas em outubro de 2011 (75 bilhões de libras) e fevereiro de 2012 (50 bilhões de libras) tiveram impacto proporcional, podem ter elevado o PIB em 1% a 1,25% - algo bom, mas não decisivo. É impressionante o quanto o banco central precisa fazer quando a demanda agregada, oferta de crédito e confiança das empresas ficam tão abaladas.
Uma preocupação válida sobre a eficiência das medidas é que a política do Banco da Inglaterra não ajude as pequenas e médias empresas. Compreensivelmente, esse é um tópico de discussão acalorada na Comissão do Tesouro na Câmara dos Comuns. O Banco da Inglaterra argumenta que cabe ao Tesouro assumir riscos de crédito. A situação nos Estados Unidos e na região do euro é diferente: seus Tesouros estão com a capacidade afetada. A posição do Banco da Inglaterra, sem dúvida, é razoável. Se o governo for assumir riscos, deveria fazê-lo sob um programa acordado e legislado.
Se a política é perigosa? Uma histeria comum é que a flexibilização quantitativa teria colocado o Reino Unido na rota da hiperinflação. Se for assim, a preocupação não é a de que os efeitos da flexibilização monetária seriam muito pequenos, mas que seriam enormes e impossíveis de reverter no momento apropriado. Nenhuma dessas opiniões parece fazer sentido. Em um sistema bancário contemporâneo, não há uma relação de correspondência imediata entre reservas e empréstimos. Tomara que pudesse ser assim! Seria muito fácil arquitetar a recuperação. Uma vez que os empréstimos enfim se recuperassem e fosse apropriado apertar a política monetária, então a flexibilização quantitativa poderia ser rapidamente revertida, deixando que alguns gilts vencessem e vendendo outros ao mercado. É por isso que o Banco da Inglaterra deveria manter os gilts em vez de permitir que sejam cancelados. Dizer que essa política é perigosa é como dizer que a quimioterapia é perigosa. Condições perigosas exigem terapias fortes. O medo de que não se possa lidar com essas terapias é desespero.
Um argumento diferente é o de que a política é injusta, porque prejudica os poupadores prudentes. Toda política monetária, contudo, tem efeitos de distribuição. Não podem ser evitados. Nesse caso, o acúmulo de enorme exposição financeira antes da crise foi em grande parte consequência do aumento dos preços das propriedades. Os vendedores e seus herdeiros se beneficiaram. Os que foram obrigados a captar para comprar propriedades caras perderam. Não houve nada justo nisso e nada garantido sobre a renda que as pessoas poderiam ganhar com esses patrimônios artificialmente inflados. Se as taxas de juros agora fossem ficar substancialmente maiores, a economia ficaria mais fraca, os preços residenciais cairiam, haveria uma onda de falências pessoais e até os ativos financeiros estariam em risco. Isso não seria melhor nem para os poupadores supostamente prudentes.
Outro argumento, mais plausível, é o de que a política de taxas baixíssimas ameaça criar empresas insolventes que continuam a operar, as "empresas zumbis" e, portanto, uma economia zumbi. Na pior hipótese, o dinheiro baratíssimo do banco central poderia fracassar em recuperar a economia no curto prazo e, dessa forma, criar uma economia de empresas zumbis no longo prazo. Esse resultado precisa ser evitado.
A solução é obrigar os bancos a ampliar o capital e dar baixa contábil nos empréstimos de difícil recuperação. Sim, a flexibilização quantitativa é uma necessidade perturbante. Mas é uma necessidade. O medo, mais adequadamente, deveria ser o de que não funcione bem o suficiente, não o de que será prejudicial.
* "The United Kingdom's quantitative easing policy" (A política de flexibilização monetária quantitativa do Reino Unido, em inglês. Quarterly Bulletin, Terceiro Trimestre de 2011. www.bankofengland.co.uk
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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