sexta-feira, 9 de março de 2012
Pós-Fukushima
Por Yukiya Amano - Valor 09/03
A energia nuclear tornou-se mais segura desde o acidente devastador, um ano atrás, em Fukushima, no Japão. Essa forma de energia vai se tornar ainda mais segura nos próximos anos, desde que governos, agências regulamentadoras e operadores de usinas não baixem a guarda.
O acidente em Fukushima resultou de um terremoto e tsunami de gravidade sem precedentes. Mas, como reconheceram as autoridades japonesas, falhas humanas e organizacionais também desempenharam um papel importante.
Por exemplo, a autoridade regulamentadora nuclear japonesa não tinha independência suficiente e a supervisão a que era submetida a TEPCO, operadora da usina, era insuficiente. No local ocupado pela usina de Fukushima, o fornecimento emergencial de energia, essencial para a manutenção das funções vitais de segurança, como o esfriamento dos reatores e das barras de combustível irradiadas, não foi devidamente protegido. O treinamento para reagir a acidentes graves era inadequado. Faltou capacidade de reação emergencial no local e em nível nacional.
Falhas humanas e organizacionais não são exclusivas ao Japão. Fukushima foi um alerta a todos os países que usam energia nuclear. O acidente provocou um sério exame de consciência e o reconhecimento de que a segurança nunca pode ser tida como certa, em parte alguma. As principais causas do acidente foram identificadas.
Com efeito, governos, agências regulamentadoras e operadores de usinas ao redor do mundo começaram a aprender as lições certas. Um ano de ação internacional de segurança nuclear está sendo implementado. Por isso, a probabilidade de outro desastre na escala de Fukushima foi reduzida.
O que, exatamente, mudou? Talvez o mais importante, as hipóteses de pior cenário no planejamento de segurança foram radicalmente revistas. Em Fukushima, os reatores resistiram a um terremoto de magnitude 9 - muito mais violento do que sua tolerância projetada. Mas a usina não foi projetada para resistir a ondas de 14 metros de altura, do tsunami que varreu sua muralha protetora menos de uma hora depois.
Na esteira do acidente em Fukushima, as defesas contra vários desastres naturais, entre eles terremotos e tsunamis, estão sendo reforçados em instalações nucleares em todo o mundo. Medidas estão sendo tomadas para melhorar as precauções para enfrentar falta de energia prolongada, proteger as fontes de energia emergenciais e garantir a disponibilidade de água para refrigeração, mesmo sob condições de acidente grave.
Os padrões de segurança nuclear adotados em todo o mundo estão sendo revistos. A capacitação nacional e internacional de reação a emergências estão sendo atualizadas. Operadores e agências regulamentadoras nacionais estão sendo submetidas a crivo mais rigoroso. Países estão abrindo suas usinas a mais numerosas - e mais completas - verificações internacionais de segurança.
Apesar do acidente, o uso mundial da energia nuclear tende a crescer continuamente nos próximos 20 anos, embora a um ritmo mais lento do que previsto anteriormente. As razões para isso não mudaram: a crescente demanda por energia, juntamente com preocupações sobre a alterações climáticas, volatilidade dos preços dos combustíveis fósseis e segurança do suprimento energético. Será difícil o mundo alcançar o duplo objetivo de assegurar o suprimento sustentável de energia e a redução da emissão de gases que provocam o efeito estufa, a menos que a energia nuclear continue fazer parte importante da matriz energética mundial.
A Agência Internacional de Energia Atômica acredita que até 2030 pelo menos 90 novos reatores nucleares venham se somar aos 437 atualmente em operação em todo o mundo. Embora alguns países tenham abandonado ou reduzido seus planos envolvendo a energia nuclear após o desastre em Fukushima, importantes usuários da energia nuclear, como China, Índia e Rússia, estão seguindo em frente com ambiciosos planos de expansão. Muitos outros países, principalmente no mundo em desenvolvimento, estão considerando a adoção da energia nuclear.
A segurança nuclear é da mais extrema importância, tanto para usuários já estabelecidos como recém-chegados. Isso é importante para os países que decidiram desativar gradualmente suas usinas nucleares porque elas continuarão operando durante décadas, terão de ser desativadas e seus resíduos nucleares deverão ser armazenados de forma segura. E isso é importante para países firmemente opostos à energia nuclear, pois muitos têm vizinhos que operam usinas nucleares.
Os países que planejam novos programas de uso da energia nuclear devem reconhecer que alcançar seus objetivos é um empreendimento que envolve dificuldades de longo prazo. Eles precisam investir tempo e dinheiro no treinamento de cientistas e engenheiros estabelecendo agências regulamentadoras efetivamente independentes e bem financiadas, e implementando a infraestrutura técnica. Alguns países ainda são deficientes nesse aspecto.
No entanto, ao contrário da percepção popular, a energia nuclear tem bom histórico de segurança. Novos reatores que estão sendo construídos incorporam características de segurança significativamente melhoradas, tanto ativas como passivas, em comparação com a geração dos reatores de Fukushima. Mas, para recuperar e manter a confiança pública, governos, agências regulamentadoras e operadores devem ser transparentes quanto aos benefícios e riscos da energia nuclear - e honestos quando as coisas dão errado.
O fato de que um acidente como o de Fukushima foi possível no Japão, um dos países industrializados mais avançados no mundo, é um lembrete de que, quando se trata de segurança nuclear, nada pode ser tido como garantido. Complacência pode ser fatal. As melhorias de segurança observadas nos últimos 12 meses são apenas um começo. Não podemos voltar a tocar as coisas como habitualmente, à medida que Fukushima se distancia na memória. (Tradução de Sergio Blum)
Yukiya Amano é diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica.
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