segunda-feira, 5 de março de 2012

Grécia fora da UE não deve ser opção



Por Camila Villard Duran - Valor 05/03

Algumas vozes europeias têm sustentado que a saída da Grécia da zona monetária comum poderia ser uma resposta para os problemas econômicos que o país vem enfrentado. Esse processo poderia tornar a economia grega mais competitiva, via desvalorização monetária. Assim, a Grécia seguiria o "modelo" argentino do início da década passada que, ao reformar seu sistema monetário e entrar em default com seus credores externos, pôde se reconstruir e hoje apresenta taxas significativas de crescimento econômico.

O problema desse argumento é que a Grécia não é a Argentina e sua economia depende da importação de produtos relevantes, inclusive de alimentos. A desvalorização do dracma grego em relação ao euro, como decorrência da saída da zona comum, vai tornar o custo não somente de empresas, mas principalmente de famílias gregas, extremamente elevado. Esse processo desencadeará pobreza e marginalização de um grande número de cidadãos, que são europeus.

A saída da Grécia não deveria nem ao menos ser considerada. Se o esforço de ajuste fiscal implica problemas sociais e demanda uma política europeia específica de solidariedade financeira, que responda a essa questão), o que se pode dizer de um processo induzido de perda de confiança na moeda e de diminuição drástica do valor de unidades monetárias gregas? A comparação com o caso da Argentina tem se reduzido aos argumentos de benefícios econômicos. Entretanto, eles foram sentidos depois de anos de penúria popular.

O sofrimento de uma parte expressiva da população, que se viu pauperizada durante muito tempo e que enfrenta até hoje as dificuldades decorrentes, deveria ser considerado nesse debate. Além disso, esse tipo de medida tende a impactar especialmente a camada menos favorecida da população, uma vez que as classes sociais mais abastadas dispõem de instrumentos financeiros em outras moedas para se proteger. Adicionalmente, se o processo de saída da zona euro for anunciado previamente, uma corrida bancária, com vistas à retirada de euros para a proteção do valor de créditos, seria inevitável. Essa corrida acarretaria problemas ainda mais graves às instituições depositárias gregas. Países que viveram processos hiperinflacionários e de perda de confiança no padrão monetário conhecem bem os custos sociais e econômicos envolvidos - e a Alemanha é um deles.

Os gregos são, antes de tudo, cidadãos europeus. A grande maioria declara querer permanecer na zona euro. O avanço da moeda única não é somente econômico. Ele faz parte da construção da cidadania europeia. Ser cidadão europeu também é compartilhar uma referência monetária comum (ou aspirá-la) e fazer trocas entre fronteiras em uma linguagem comum: o euro. Nesse processo, as diferenças linguísticas também são ultrapassadas. Os processos de integração econômica e, especialmente, monetária são também processos de integração social.

A integração europeia é um exemplo de como a integração econômico-monetária pôde proporcionar benefícios sociais e de identificação cultural a um enorme contingente populacional de histórias diversificadas. A economia da Alemanha e dos países ditos do "norte" dependem do comércio europeu e dessa linguagem monetária comum. Os gregos e os países europeus do "sul" integram a riqueza econômica e cultural dessa região. A França parece ter um posicionamento central e estratégico nesse contexto: ela é capaz de articular negociações políticas entre países do "norte" e do "sul".

A solução para o impasse grego passa pela reconstrução do desenho institucional da zona monetária comum. A criação dos eurobonds, emissões de dívida solidária com garantias compartilhadas entre países membros em substituição às dívidas soberanas emitidas individualmente, e o aprofundamento da solidariedade financeira, via reforço de estruturas jurídico-econômicas como o fundo europeu de estabilização financeira, parecem ser medidas incontornáveis. Para o caso grego e, muito provavelmente, também para o português em um horizonte de curto prazo, que revelam problemas de solvência, a reestruturação da dívida e um default organizado (para além do corte já negociado) parecem ser necessários.

Para tanto, mecanismos de apoio a países com problemas de liquidez (como a Itália, a Espanha e a Irlanda) precisariam ser reforçados para evitar contágio. Uma maior atuação do BCE, na compra de títulos soberanos em mercado secundário, e uma ampliação dos poderes do fundo, inclusive financeiro, tornar-se-iam imperativos.

A segunda "frente" de reestruturação institucional tem se relacionado a medidas políticas de redução da dívida pública desses países e de medidas jurídicas de supervisão e sanção à assunção de déficits excessivos. No entanto, políticas de aperto fiscal precisariam ser dosadas por políticas de crescimento, que deveriam compreender investimento público dirigido a setores da economia promissores e dinâmicos, além de medidas de integração social. Ao contrário de outros países, entretanto, uma política monetária expansionista não poderia fazer parte desse conjunto de políticas, já que ela é proibida pelo tratado europeu. Uma integração fiscal cada vez mais acentuada parece constituir o cenário provável para a UE.



Camila Villard Duran é doutoranda em direito pela USP e pela Paris 1 Panthéon-Sorbonne.

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