sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
O retorno à semiestagnação
Por José Luis Oreiro - Valor 27/01
Atualmente vive-se um clima de grande otimismo com as perspectivas de crescimento da economia brasileira. A crise na Europa e nos Estados Unidos, somada ao bom desempenho que a economia brasileira mostrou em 2010, tem levado várias pessoas a pensar que finalmente o gigante adormecido despertou e que o Brasil se encontra em vias de alcançar o nível de renda per capita dos países desenvolvidos, entrando assim para o seleto clube dos países do primeiro mundo. A realidade, porém, não é tão rósea como parece. Passados os efeitos da crise de 2008 sobre a economia brasileira, acumulam-se sinais preocupantes de que nosso país está voltando ao padrão de "semiestagnação" prevalecente no período 1994-2005.
O grau de dinamismo de uma economia é determinado pelas perspectivas de expansão daquele setor de atividade que for mais favorável ao crescimento de longo prazo. Esse setor é, e continuará sendo por um longo tempo, a indústria. O setor industrial é o ramo de atividade econômica responsável pela origem e difusão do progresso tecnológico para a economia como um todo, fonte de economias estáticas e dinâmicas de escala e que possui os maiores efeitos de encadeamento para frente e para trás na cadeia produtiva. Em função dessas características peculiares do setor industrial, as perspectivas de crescimento da economia como um todo dependem, em larga medida, da dinâmica da produção industrial.
No Brasil verificamos uma estreita correlação entre o crescimento do valor da produção industrial e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Com efeito, no período compreendido entre o primeiro trimestre de 2004 e o segundo trimestre de 2010, a correlação entre o crescimento do PIB industrial e o crescimento do PIB foi igual a 0,84.
Quando nos debruçamos sobre os dados da produção física da indústria, constatamos que no acumulado dos últimos 12 meses, a taxa mensal de crescimento da produção industrial tem se reduzido continuamente desde o segundo semestre de 2010. Mais grave ainda, desde abril de 2011, a taxa de crescimento da produção física da indústria tem ficado ligeiramente acima de zero, fazendo com que a produção industrial ainda se encontre 3% abaixo do valor de pico verificado em outubro de 2008, passados mais de três anos da falência do Lehman Brothers.
Deve-se observar que a desaceleração e consequente estagnação da produção industrial se iniciam no segundo semestre de 2010, anteriormente, portanto, ao recrudescimento da crise fiscal na Europa, a qual data de meados do primeiro semestre de 2011.
A razão para a perda de dinamismo da produção industrial é de ordem interna da economia brasileira. Com efeito, a perda de dinamismo da indústria deve-se aos efeitos retardados da forte apreciação da taxa real de câmbio verificada no segundo semestre de 2009. A apreciação cambial tem gerado um forte movimento de substituição de produção doméstica por importações, fazendo com que a produção física da indústria brasileira apresente um baixo dinamismo, apesar da expansão robusta da demanda agregada doméstica.
Esses dados apontam para uma conclusão bastante preocupante. Se a perda de dinamismo da indústria brasileira está relacionada com a tendência a apreciação da taxa real de câmbio, a qual, diga-se de passagem, é uma constante na economia brasileira ao menos desde 2005; então, mesmo passados os efeitos da atual crise econômica nos países desenvolvidos, a indústria brasileira não irá recuperar o seu dinamismo.
Se a perda de dinamismo da indústria brasileira for de caráter permanente, e ao que tudo indica é, então podemos antecipar uma redução do potencial de crescimento da economia brasileira para os próximos anos. Entre o último trimestre de 2008 e o segundo semestre de 2011, o PIB industrial cresceu a uma taxa anualizada média de 4,05%, a qual é ligeiramente superior ao crescimento observado no segundo trimestre de 2011, indicando, portanto, um viés para baixo do crescimento do PIB industrial. Supondo que a correlação entre o PIB industrial e o PIB total se mantenha constante ao longo do tempo, um crescimento de 4,05% do PIB industrial aponta para uma expansão de 3,41% do PIB geral da economia brasileira nos próximos anos.
Entre 2004 e 2010, a economia brasileira cresceu próximo de 5% em função da existência de capacidade ociosa na indústria, força de trabalho abundante e relativamente barata, preços das commodities elevados nos mercados internacionais e grande expansão do crédito doméstico. Essa conjugação de fatores permitiu uma forte expansão da demanda agregada e, consequentemente, do nível de produção e de emprego sem a ocorrência de estrangulamentos pelo lado da oferta agregada ou do balanço de pagamentos.
Contudo, essas condições excepcionais se esgotaram. Além disso, a sobre-valorização cambial não só está acelerando o processo de desindustrialização do país como também está atuando no sentido de desestimular o aumento do investimento em máquinas e equipamentos, sem o qual é impossível aumentar o ritmo de expansão da produtividade do trabalho. Nesse contexto, um crescimento sustentado de 5% desejado pelo governo é apenas um "delírio de grandeza".
José Luis Oreiro é professor do departamento de economia da Universidade de Brasília e pesquisador Nível 1 do CNPq. E-mail: joreiro@unb.br.
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