segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
Esperando Godot: a crise da Europa e o Brasil em 2012
Por Marcelo Kfoury Muinhos e Leonardo Porto de Almeida - Valor 09/01
Uma conhecida anedota diz que previsões de economistas só servem para elevar a autoestima dos meteorologistas. Com o avanço da tecnologia de satélites e o desenvolvimento de poderosos computadores, permitindo previsões mais precisas dos movimentos das massas de ar, a comparação em prol das previsões meteorológicas tornou-se ainda mais convincente. Ao mesmo tempo, o aprofundamento da globalização comercial e financeira da economia brasileira nos últimos anos, tornando-a crescentemente mais dependente dos desdobramentos da economia mundial, dificultou substancialmente o trabalho de previsão dos macroeconomistas, intensificado atualmente pelo acirramento da crise de dívida soberana em alguns países europeus. Mesmo diante de tantas ressalvas, o que nós economistas podemos dizer sobre o cenário para a economia brasileira em 2012?
Aparentemente, a forte desaceleração da economia brasileira no 3º trimestre de 2011 foi causada pelas inúmeras ações de políticas econômicas implementadas ao longo do 1º semestre do ano com o propósito de conter o crescimento da demanda. Na verdade, tal episódio foi marcado por um quase inédito alinhamento das políticas fiscais, monetárias e creditícias, atuando com o objetivo comum de diminuir a demanda agregada, consequentemente, favorecendo o controle da inflação. Pelos resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, parece razoável afirmar que o primeiro objetivo foi plenamente bem-sucedido, embora o segundo ainda esteja em fase de execução, dado o não encerramento do processo desinflacionário dos preços.
Por outro lado, seria ingenuidade acreditar que nenhuma parcela da atual desaceleração da economia tenha sido causada pelo recrudescimento da crise financeira europeia ou que esta não afetará o desempenho da economia brasileira nos próximos trimestres. Mesmo acreditando que o impacto da crise sobre o canal do comércio tenha sido limitado no terceiro trimestre (dado o crescimento das exportações), não há como desconsiderar os potenciais efeitos contracionistas sobre os investimentos e o consumo das famílias por meio de outros canais de transmissão, como a confiança do empresário ou mesmo via menor oferta de crédito à pessoa física.
Acerca do cenário europeu, acreditamos que haverá uma recessão de moderada a severa em 2012, com o PIB contraindo cerca de 1,2%, mas não contemplamos um evento de crise bancária generalizada como aquela ocorrida em 2008, ainda que não descartemos uma probabilidade de cerca de 25% da Grécia sair do bloco da zona do euro. No entanto, o que parece estar afligindo os mercados financeiros de forma mais intensa nas últimas semanas é o alto custo do financiamento da dívida soberana da Itália e da Espanha. Particularmente, tomando a atual relação dívida/PIB do governo da Itália de cerca de 120% e assumindo a taxa de juros atualmente precificada no mercado de 6,5%, seria necessário gerar superávits primários da ordem de 5,5% ao ano, cenário improvável de ser verificado. No entanto, se a Itália fizer um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e ou uma reforma fiscal suficientemente crível levando o mercado a cobrar juros por volta de 4% ao ano, o superávit primário que impediria a ascensão ininterrupta da relação dívida/PIB cairia para 2,4%, tornando factível do ponto de vista dos investidores.
Dentro dessa visão global de pessimismo moderado, acreditamos que o contágio sobre a economia brasileira deverá ser modesto, ainda mais após considerarmos os inúmeros instrumentos estabilizadores de política econômica já adotados e que deverão ser intensificados ao longo dos próximos meses. Isto é, a redução de 150 pontos da taxa Selic desde agosto e da provável continuidade do ciclo de queda de juros até 9,5% em abril de 2012, o afrouxamento em algumas das medidas macroprudenciais adotadas no final de 2010 juntamente com as já anunciadas isenções tributárias setoriais e com a elevação do salário mínimo em cerca de 14% em janeiro tendem a reverter o processo de desaceleração do crescimento econômico ilustrado no dado do PIB do terceiro trimestre
Tais condições não devem impedir alguns "soluços" ao longo dos próximos meses, tais como aumentos da inadimplência, diminuição da oferta de crédito por parte dos bancos, dificuldade das empresas em captar no exterior, todos estes impedindo um desempenho mais profícuo da atividade econômica. Porém, acreditamos que no segundo semestre de 2012 poderemos ter uma aceleração forte do crescimento com a economia crescendo perto de 5% ao ano em termos anualizados no fim de 2012. Na média, tal cenário implica uma projeção de crescimento do PIB de cerca de 3,3% neste ano, portanto, pouco superior aos 2,9% que estimamos para 2011.
Diante desse cenário de aceleração contínua do crescimento da economia em 2012, o maior risco é um recrudescimento da inflação ao longo do ano. Por ora, acreditamos em uma desaceleração da inflação até o segundo trimestre de 2012 para o patamar próximo de 5% no acumulado dos últimos doze meses, apresentando leve elevação a partir daí até 5,3%. Contudo, diante do excesso de estímulos acima mencionados, os riscos de a inflação superar tais estimativas e estabilizar em torno do patamar entre 5,5% e 6% são significativos. Nesse sentido, mesmo se o governo mantiver a disciplina fiscal, com superávit primário acima de 2,5% do PIB, não há como descartar o cenário no qual o BC reverteria a estratégia de política monetária, elevando a taxa de juros nominais.
A nosso ver, o cenário mais complicado seria uma desaceleração mais pronunciada da China ("hard landing"), que deprimiria os preços das commodities de forma mais intensa, dada a maior dificuldade de encontrar mercados para nossas exportações. Nesse cenário, a moeda brasileira sofreria maior desvalorização e teríamos um ajuste recessivo no nosso balanço de pagamentos. Nesse caso, o PIB cresceria em torno de 1% e a inflação poderia ficar ao redor da meta de 4,5%. Em geral, atribuímos uma probabilidade de 20% de ocorrência desse cenário alternativo.
A principal incerteza para 2012 reside nas incertezas do panorama global, em especial na atual crise soberana que acomete alguns países europeus. A depender da intensidade de resposta das autoridades, a economia global poderá enfrentar um cenário mais ou menos adverso com maior ou menor risco de uma segunda crise bancária global. Por ora, o que parece mais evidente, é que o Brasil ainda tem grande arsenal de instrumentos que poderão permitir o amortecimento dos efeitos contracionistas vindos da economia global. Na eventualidade do seu uso, que sejam utilizados com responsabilidade e racionalidade econômica.
Marcelo Kfoury Muinhos é economista-chefe do Citi Brasil, doutor em Economia pela Universidade de Cornell.
Leonardo Porto de Almeida é economista sênior do Citi e doutor em economia pela USP.
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