quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O monopólio do dinheiro de plástico


Cielo e Redecard fecham acordos e inibem avanço de concorrentes



Valor 12/01
Passado um ano e meio da abertura do mercado de cartões, Cielo e Redecard estão conseguindo, na prática, barrar a entrada de novos competidores no chamado mercado de adquirência - responsável pelo credenciamento de estabelecimentos comerciais, captura, processamento e liquidação das transações de débito e crédito. A principal barreira tem sido os acordos de preferência fechados pelas duas empresas com diversos bancos fora de seus grupos de controle acionário. Ou seja, Redecard e Cielo têm prioridade para credenciar os estabelecimentos que são clientes desses bancos.

A Cielo, que tem como acionistas Banco do Brasil (BB) e Bradesco, possui acordo de preferência também com o HSBC. Redecard, empresa do Itaú Unibanco, tem parcerias com Safra e Tribanco . Já a Caixa Econômica Federal preferiu fechar um acordo simultâneo com Redecard e Cielo.

A americana Elavon fisgou uma das últimas alternativas do mercado - a Credicard, subsidiária do Citigroup - e criou com ela, em dezembro, uma "joint-venture". Além de precisar adaptar seus sistemas tecnológicos para poder operar no mercado brasileiro (o país é o único do mundo que tem o crédito parcelado sem juro, por exemplo), questão que vem contribuindo para postegar sua estreia no país, a Elavon ainda terá pela frente o desafio da baixa capilaridade do Citi no país. Procurada, a empresa não atendeu à reportagem.

Outra americana, a Global Payments, anunciou seu ingresso no mercado brasileiro há um ano, mas está à procura de um parceiro. "Os incentivos que as credenciadoras locais estão dando aos bancos para eles não entrarem no mercado de adquirência têm sido o principal obstáculo para a atuação das estrangeiras", afirma Edson Luiz dos Santos, presidente da Global Payments no Brasil.



Sobraram como opção para as novatas instituições financeiras com operações regionais ou de pequeno porte - que têm pouca capacidade de emissão de cartões, desinteressante portanto para bandeiras como Visa e Mastercard, além de pouca condição de arcar com risco de crédito elevado. Uma alternativa seria também atrair bancos que já fecharam parcerias com Cielo e Redecard com uma proposta melhor. E é por aí que as gigantes buscam se defender.

"A Global Payments fechou um acordo global com o HSBC. Por que não fez isso aqui?", questiona Rômulo de Mello Dias, presidente da Cielo. "Ter um banco é chave nesse processo, mas não adianta ter parceria sem proposta, e se tem alguém que sabe avaliar proposta é banco." Claudio Yamaguti, presidente da Redecard, lembra que tudo pode ser negociado. "É uma questão de preço", observa.

A Redecard apurou uma despesa líquida de R$ 28,9 milhões no terceiro trimestre de 2010 relativa a perdas com aluguel de equipamentos, ações culturais e, principalmente, incentivos para credenciamento (comissões pagas a bancos parceiros) - gasto 30,9% superior ao do terceiro trimestre de 2010. A Cielo não revela essa cifra. "A competição tornou o jogo mais duro e é natural que as empresas defendam mercado", explica Carlos Zanvettor, diretor de varejo, marketing e produtos da Redecard, em referência ao fim da exclusividade entre a Cielo e a bandeira Visa e, por tabela, da Redecard com Mastercard.

A parceria com uma instituição financeira é fundamental para uma adquirente porque, em primeiro lugar, a licença para operar com Visa e Mastercard é fornecida pelas bandeiras internacionais exclusivamente a bancos. Trata-se de uma medida prudencial, uma vez que está em jogo, em última instância, a segurança do sistema financeiro.

Ter um banco como parceiro também ajuda (e muito) na distribuição. As credenciadoras têm suas próprias equipes de vendas para colocar suas maquininhas nas lojas, mas boa parte do serviço é feita por meio da estrutura bancária. "É essencial ter distribuição bancária para ser bem sucedido nesse mercado no Brasil, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, onde o setor é mais pulverizado", afirma Victor Schabbel, analista do Credit Suisse.

Entretanto, até mesmo o voo solo feito pelo Santander em parceria com a processadora GetNet tem mexido pouco com o setor, até o momento. A participação de mercado do banco espanhol no setor de adquirência era de 2,1% em setembro de 2010. Na prática, portanto, Cielo e Redecard permanecem praticamente sozinhas no mercado brasileiro de pagamentos eletrônicos, após um ano e meio da abertura do mercado de cartões.

Os esforços do Santander no setor de adquirência estavam concentrados, até meados do ano passado, no pequeno varejo. A solução tecnológica do banco espanhol para atender a grandes varejistas, que trabalham com seus próprios terminais financeiros (TEF, no jargão do setor) em vez das maquininhas de captura de transações com cartões (o POS), ficou pronta apenas no segundo semestre de 2010.

Espera-se, portanto, que o Santander comece a atuar de forma mais agressiva em 2012 no credenciamento de estabelecimentos comerciais, passado o período de festas de fim de ano - época em que poucos comércios se atrevem a mudar de prestador de serviço, especialmente na área de tecnologia. Schabbel, analista do Credit Suisse, projeta uma participação de mercado de 10% do Santander até o fim de 2013. "Seria um crescimento agressivo, mas estou dando ao banco o benefício da dúvida", afirma.

Como a rede de atendimento do Santander está concentrada nas regiões Sul e Sudeste, o maior desafio do banco para ganhar mercado será ampliar sua exposição ao Nordeste, onde está o maior potencial de crescimento. Em junho, os pagamentos feitos com cartões representavam 14% do consumo privado das famílias no Nordeste, ante 22% da média brasileira. "Se o Santander não se provar capaz de ganhar mercado de forma rápida, quem vai continuar se beneficiando é Cielo e Redecard", diz Schabbel. Procurado, o Santander não atendeu à reportagem.

Até 2015, o cenário traçado por Schabbel prevê Santander com os mesmos 10% de participação de mercado e outras três adquirentes estrangeiras com uma fatia total de 8%, atuando em nichos. Elavon, na visão de Schabbel, deverá focar em entretenimento, ramo no qual a Credicard é forte e já tem parcerias. Os 82% restantes do mercado de credenciamento ficariam divididos entre Cielo e Redecard, com Cielo mantendo a dianteira.

Tanto Redecard como Cielo defendem que os preços cobrados dos lojistas no aluguel das maquininhas (POS) e na tarifa de transação com cartões de débito e crédito (taxa de desconto) têm pouco espaço para cair, apesar da previsão de aumento de concorrência. Houve um forte recuo dessas duas receitas logo após a abertura do mercado, em julho do ano passado - numa guerra de preços liderada pela Redecard -, mas uma parte já foi recuperada, tanto em função de reajustes como dos volumes crescentes de transações com cartões. A evolução do preço das ações das duas empresas é emblemática da recuperação. As cotações apresentaram forte queda nos dois primeiros trimestres após a abertura de mercado, mas, depois que os investidores perceberam que ambas continuam nadando de braçada, o desempenho no mercado acionário também foi recuperado.



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