quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Em crise, capitalismo ocidental vê dinamismo se mudar para a Ásia



Por David Pilling
Financial Times

Alguns anos atrás, teria sido difícil, senão impossível, imaginar os líderes europeus, tigela na mão, recorrendo ao socorro financeiro de Pequim. Igualmente, poucos teriam previsto que líderes chineses em visita a Washington repreenderiam publicamente os políticos americanos pela má gestão da maior economia do mundo. Mas o mundo mudou. A implosão do sistema financeiro nos EUA e na Europa em 2008 e a crise da dívida soberana europeia deflagrada no ano passado têm acelerado o deslocamento do dinamismo econômico para a Ásia.

Em 2012, os EUA e a Europa provavelmente estarão flertando com uma recessão na maior parte do ano. Salvo um pouso forçado na China, a Ásia, exclusive o Japão, deverá continuar a avançar bem, a cerca de 7%, segundo a maioria dos economistas.

A mudança dramática na sorte dos países gerou um certo triunfalismo entre alguns asiáticos. "Não há crise do capitalismo", diz Meghnad Desai, professor emérito da London School of Economics. "Há uma crise do capitalismo ocidental, que entrou na terceira idade. O capitalismo dinâmico, com sua energia, inovação e pura gana de crescer foi para o Oriente."

Desai não está sozinho na percepção de uma espécie de punição moral. Os países asiáticos foram "atropelados" pelo Ocidente durante séculos, diz ele, e até há relativamente pouco tempo eram acusados veementemente de serem "casos perdidos" incapazes de prover suas necessidades alimentares. Agora, diz ele, é o povo do sul em geral e da Ásia em particular que estão administrando de forma mais eficiente as forças geradoras de riqueza do capitalismo.

Mas essa sensação triunfalista tem limites. Por pelo menos três razões interligadas, a crise do capitalismo no Ocidente é profundamente inquietante também para o Oriente.

Em primeiro lugar, com exceção do Japão, da Coreia do Sul e de alguns pequenos países, como Cingapura, as nações asiáticas continuam a ser majoritariamente pobres ou, na melhor das hipóteses, de renda média. Muitas tinham traçado um caminho rumo à prosperidade futura mediante a adoção de políticas cada vez mais "capitalistas" de abertura de suas economias às forças do mercado, afrouxando o controle do Estado sobre os bancos, juros e câmbio. Mas esse caminho para a prosperidade agora parece cada vez mais perigoso, vulnerável a altos e baixos e a catástrofes financeiras.

Os tecnocratas asiáticos que confiam numa mudança gradual para um capitalismo de livre mercado, muitas vezes em oposição a vozes mais intervencionistas ou nacionalistas em casa, estão confusos ou desiludidos. Changyong Rhee, economista-chefe do Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA), diz que grande parte disso vem do fato de os governos ocidentais terem mudado de tom radicalmente desde a crise financeira da própria Ásia, em 1997. Na época, o Fundo Monetário Internacional - padrasto do laisser-faire pregado pelo Consenso de Washington - receitou remédios drásticos para economias como as de Tailândia, Indonésia e Coreia. Esses países foram orientados a cortar gastos governamentais mesmo nas garras da recessão, a aumentar as taxas de juros, a cortar os vínculos entre os bancos e o Estado; e a desregulamentar. Agora, porém, as economias ocidentais estão prescrevendo quase o oposto para si mesmas. Elas estão apertando sua política fiscal, reduzindo as taxas de juros e usando dinheiro público para salvar bancos.

Do ponto de vista asiático, isso faz o Ocidente parecer hipócrita, na melhor das hipóteses. Na pior, parece que as acalentadas premissas sobre como governar uma economia são besteirol cínico. "Nós nos sentimos amargos", diz Rhee. "Nós queríamos praticar essas políticas intervencionistas, mas fomos proibidos de praticá-las. Então, qual modelo devemos seguir agora?" A China, diz ele, tinha se comprometido com uma reforma gradual do mercado. "A questão era: qual seria a velocidade certa? Agora, eles estão se perguntando se o destino está correto ou não."

Richard Koo, economista-chefe do Nomura Research Institute, analisa a crise do ponto de vista do Japão. Tóquio, diz ele, foi repreendida durante anos pelos formuladores de políticas ocidentais por não liquidar contabilmente seus empréstimos problemáticos mais rapidamente e por não tomar mais medidas drásticas de política monetária para reaquecer a economia. O que eles não compreenderam foi que numa "recessão de balanço de pagamentos" em período pós-colapso econômico, quando o setor privado fica muito endividado, soluções econômicas normais deixam de funcionam, diz ele. Os manuais de economia não contêm respostas para os atuais problemas do capitalismo.

"O que nós passamos nos últimos 20 anos no Japão, e que os EUA e o Reino Unido agora estão passando, é que, mesmo com taxas de juros nulas, as pessoas não querem tomar empréstimos", diz ele. "Elas limitam-se a pagar suas dívidas." Se ele estiver certo, então as economias ocidentais tendem a passar por um prolongado período, ao estilo japonês, de crescimento lento. Pode não servir de grande consolo, mas Tóquio, pelo menos, poderá dizer: "Nós avisamos".

A segunda razão pela qual os problemas do Ocidente são desconcertantes para o Oriente é que, a despeito de toda a conversa, antes na moda, sobre valores asiáticos, nenhuma economia da região criou uma alternativa coerente ao capitalismo. Sem dúvida, houve variações sobre o tema, inclusive um Estado mais intervencionista. Mas os experimentos anticapitalistas radicais, principalmente o comunismo de estilo chinês e o "socialismo" da Índia de Nehru (1889-1964), foram grandes fracassos.

A China abandonou o comunismo no fim dos anos 1970, quando Deng Xiaoping abriu a economia para as forças do mercado. Em 1991, a Índia abandonou sua própria versão de socialismo, que a havia condenado à penosa "taxa hindu de crescimento". Outros países, como o Vietnã, seguiram o exemplo, abrindo suas economias, promovendo seu próprio crescimento rápido. Por outro lado, aqueles que aferraram-se obstinadamente a sistemas não centrados no mercado, como a Coreia do Norte, Mianmar e Laos, continuaram chafurdando na pobreza.

Terceiro, os asiáticos não estão em posição de alegrar-se com uma crise do capitalismo no Ocidente, uma vez que suas economias, nas palavras de Donald Tsang, executivo-chefe de Hong Kong, todos estão no mesmo barco mundial. "Se parte do barco tem um buraco no meio, você não pode manter-se à tona", diz ele. Na Índia, existem preocupações profundas com que uma história de crescimento impulsionado por empresas familiares e por financistas capitalistas ocidentais possa estar desaparecendo. Mesmo a China está desacelerando, e uma minoria de economistas prevê um pouso forçado.

Pouca gente na Ásia ainda afirmaria que os asiáticos podem viver sem uma sólida demanda dos EUA e da Europa. Zhu Min, economista chinês e vice-diretor-gerente do FMI, disse recentemente que os consumidores chineses responderam por apenas US$ 2 trilhões da demanda, em comparação com os consumidores americanos, que mesmo em sua atual situação precária, gastaram cerca de US$ 10 trilhões em um ano. Se o capitalismo ocidental está em chamas, as labaredas cedo ou tarde lamberão as portas da Ásia.

A crise do capitalismo no Ocidente coloca muitas questões quanto à gestão adequada das economias asiáticas. O tema unificador é: quão ativo deve ser o papel do Estado? As economias asiáticas têm sido criticadas por especialistas ocidentais por serem demasiado intervencionistas. Até recentemente, o plano, para a maioria, era remover gradualmente a mão balizadora do Estado. Mas o fracasso da teoria ocidental de mercado racional e as armadilhas óbvias de regulamentação moderada deixaram algumas autoridades econômicas asiáticas mais cautelosas quanto a marchar aceleradamente no caminho da liberalização.
A questão de como o Estado deve agir envolve quase tudo, de supervisão financeira a política industrial. Um dos temas mais cruciais é o papel dos bancos. Na Ásia, eles tendem a ter uma função mais estreita: seu papel tem sido canalizar dinheiro para a economia "real", principalmente o setor de manufatura.

Os asiáticos poderiam ser tentados a manter-se dentro de seu estreito modelo - não apenas é menor a probabilidade de esses bancos colocarem a economia em apuros, como também é mais fácil controlar seu comportamento em tempos de estresse. Desde 2008, Pequim julgou útil ter bancos "domesticados" através dos quais o governo pode alocar crédito à economia real a taxas de juros fixas. Agora que eles já viram os perigos de deixar os bancos à vontade, por que partiriam os governos asiáticos para modelos mais "sofisticados" de bancos ocidentais?

Yao Yang, da Escola Nacional do Desenvolvimento, na Universidade de Pequim, argumenta que essa seria uma lição totalmente errônea. "Há pessoas na China, tanto no governo como na intelligentsia, para as quais a China deveria voltar a seu antigo modelo centrado no governo", diz ele. "No entanto, a maioria das pessoas ainda acredita que a China precisa continuar em seu caminho rumo a uma economia mais aberta."

Outros ressaltam o fato de que os bancos sob governança estatal podem entrar - e realmente entram - em apuros ao alocar capital de acordo com o "diktat" do governo. Rhee, do BDA, diz que as economias asiáticas fariam mal em abandonar o aprofundamento de seus mercados de capital. "Se você não viajar de avião, não acontecerá nenhum acidente", diz ele sobre as recentes catástrofes ocidentais. "O Ocidente tem muitos aviões, por isso caem. Deveríamos não ter aviões?"

Uma questão pendente de resposta, com a crise do capitalismo, é em que medida deveriam as sociedades asiáticas ser desiguais. Muitos países, principalmente a China e a Índia entre eles, têm estratégias de crescimento baseadas na "teoria do gotejamento" - segundo a qual todos acabarão se beneficiando com o surgimento de uma classe de super-ricos. Mas, como no Ocidente, os asiáticos estão questionando essa abordagem de laisser-faire.
"A vantagem do modelo anglo-saxão é clara. Incentiva a inovação, é versátil e promove as liberdades individuais", diz Yao. "Mas suas desvantagens são igualmente evidentes. É muito fluido, cruel para os trabalhadores e desencadeia grandes forças destrutivas quando irrompem crises econômicas." Ele prefere um sistema nórdico: altos impostos, relativa igualdade e menos bolhas nos ciclos econômicos. Mas na Ásia, somente o Japão e a Coreia do Sul se aproximam, e apenas de longe, desse modelo.

Depois de o Ocidente ter despejado tantas regras, os asiáticos podem ter algum prazer em face do desconforto americano e europeu. No entanto, a única grande economia asiática que se aproximou dos padrões de vida americano foi a do Japão, no fim dos anos 1980 e início dos 1990, e sua economia estagnou antes que pudesse consolidar sua posição dominante. A China construiu uma máquina de produzir rápido crescimento em um país pobre, mas não há garantias de que será capaz de igualar os padrões de vida ocidentais se não promover uma reforma radical.

Certamente, no contexto de uma definição ampla de capitalismo, o Estado pode ser maior ou menor; pode intervir mais ou planejar menos. Essas alternativas de política econômica estão em discussão em muitos países asiáticos. No fim das contas, porém, a maioria está convencida pelo capitalismo - e, na ausência de algo melhor, aqueles que querem elevar a renda de seu povo terão de praticá-lo em alguma forma.

"Se você olhar a China, verá que o país mostra efetivamente o poder do capitalismo, o poder dos mecanismos e incentivos de mercado", diz Rhee. "Alguns elementos do capitalismo são evidentemente necessários." (Tradução de Sergio Blum)

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