Por João Villaverde, Luciana Otoni e Sergio Leo - Valor 03/01
De Brasília
As exportações brasileiras sentiram os efeitos do recrudescimento da crise internacional e, para tentar reverter ou minimizar perdas em 2012, o governo planeja novas medidas de estímulo às exportações de manufaturados. Elas devem ser anunciadas neste primeiro trimestre. Os incentivos serão concentrados na redução do custo de crédito para financiamento da exportação dos fabricantes de bens manufaturados, numa ação que deve envolver o BNDES e a Finep, e na abertura de novos mercados, por meio de organização de viagens de comitivas de empresários em promoção comercial.
O aprofundamento da crise econômica mundial já reduziu a média de embarques brasileiros ao exterior, derrubou o preço de commodities importantes (como minério de ferro, soja e celulose), e diminuiu a oferta de crédito externo para a indústria exportadora. Devido à incerteza quanto à continuidade desses fatores, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) vai aguardar o anúncio do barateamento dos custos aos exportadores para divulgar a meta de exportações para o país neste ano. "A escassez de crédito internacional e o enxugamento da liquidez podem colocar as exportações brasileiras em situação difícil", advertiu o secretário-executivo do Mdic, Alessandro Teixeira. "E há, também, o acirramento da concorrência internacional. É preciso redobrar a importância de políticas que tenham o foco em competitividade e ganho de custos", disse.
Os resultados muito negativos da indústria ao longo de 2011, expostos no resultado final da balança comercial do ano, divulgados ontem, acenderam o sinal amarelo para a equipe econômica. O saldo comercial do Brasil somou US$ 29,8 bilhões no ano passado, um aumento de 47% em relação ao superávit de 2010, mas em dezembro ele já foi 25% inferior ao de igual mês daquele ano. No mês, as importações mantiveram ritmo forte (alta de 22,9%), mas as exportações só subiram 10% (bem abaixo da média de 26,8% do ano todo)
"Tivemos um ano recorde, histórico mesmo", afirmou Teixeira na entrevista em que os dados da balança comercial brasileira foram divulgados. Mas o ano histórico a que se referia Teixeira, com exportações (US$ 256 bilhões) e importações (US$ 226,2 bilhões) recordes, não deu tranquilidade para o governo traçar estimativas para 2012.
O agravamento da crise na União Europeia ao longo do passado ficou claro na trajetória das exportações brasileiras para a zona do euro - no ano, os embarques foram 22% superiores ao registrado em 2010, mas em dezembro a elevação de foi de apenas 1,1% na comparação com o mesmo mês do ano anterior.
Da mesma forma, a perda de fôlego das commodities ligou o sinal amarelo do governo, uma vez que os produtos básicos são o principal sustentáculo do saldo comercial - o saldo industrial é fortemente deficitário. No mês passado, o preço do minério de ferro (o principal produto exportado pelo Brasil) ficou 1,8% menor que em dezembro de 2010, da mesma forma que a celulose embarcada em dezembro foi 9,5% mais barata que no mesmo mês de 2010. Além deles, a soja em grão também viu seu preço recuar 5% na mesma comparação.
A redução das vendas de minério, em relação a novembro, já era esperada devido às negociações de mudança de preço e de método de cálculo entre a Vale, exportadora e seu principal cliente, a China. "Além, disso, há a desaceleração da economia em todo o mundo desenvolvido", observou o economista Rodrigo Branco, da Fundação de Estudos de Comércio Exterior (Funcex).
Do total de US$ 226,2 bilhões das importações recordes de 2011, US$ 40 bilhões representaram a compra de bens de consumo, alta de 27,5% em relação a 2010. As aquisições de bens de capital somaram US$ 47,8 bilhões, aumento de 16,8%, enquanto matérias primas e bens intermediários totalizaram US$ 102,10 bilhões, 21,6% mais que no ano anterior. No subgrupo dos combustíveis e lubrificantes, as importações atingiram US$ 36,1 bilhões, 42,7% superior frente a 2010.
A China foi o principal destino dos produtos brasileiros em 2011. O país comprou US$ 44,31 bilhões do Brasil, representando uma alta de 44% em relação a 2010. Os principais produtos foram soja e minério de ferro. O segundo maior mercado foram os Estados Unidos, com compras de US$ 25,9, 33% maiores que as do ano anterior.
Venda para UE diminui e preço cai
Por Rodrigo Pedroso
De São Paulo
A balança comercial em dezembro teve superávit de US$ 3,8 bilhões. Embora positivo, o saldo foi 25,3% menor que os US$ 5,3 bilhões registrados no mesmo mês de 2010. A queda, segundo economistas, já é um reflexo da crise internacional na balança brasileira.
Resultado da crise, a redução de preços das commodities contribuiu para um crescimento de apenas 10,6% na média diária de embarques de dezembro, na comparação com o mesmo mês de 2010. A elevação é bem menor do que a alta de 26,8% na exportação do acumulado do ano de 2011 em relação a 2010. As importações também desaceleraram em dezembro, mas em ritmo bem menor. A média diária de desembarques em dezembro subiu 22,9% em relação ao mesmo mês de 2010. No acumulado do ano a alta foi de 24,5%.
O minério, principal produto exportado pelo Brasil, teve queda de 1,8% no preço em dezembro, em relação ao mesmo mês do ano anterior. De janeiro a novembro, o minério acumulou alta de 41,2% em relação ao mesmo período de 2010. Outros produtos básicos importantes da pauta, como soja em grão e celulose, também tiveram queda de preço em dezembro.
Para o economista Rodrigo Branco, da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), a desaceleração em dezembro indica como deve se comportar a balança em 2012. "As previsões para a balança neste ano indicam um saldo bem menor do que o de 2011", afirmou, para depois citar a estagnação econômica dos Estados Unidos e a crise na zona do euro como fatores determinantes.
Os números de 2011 já indicam menor demanda relativa europeia pelos produtos brasileiros. No último trimestre de 2011, em comparação com o mesmo período do ano anterior, as exportações para a União Europeia cresceram 7,3%, ritmo menor do que os 22,7% no ano. No último trimestre, a exportação total cresceu 15,4%. No ano, a alta foi de 26,8% (ver quadro). "Tudo indica que os países desenvolvidos não vão melhorar agora. A previsão é que essas economias fiquem mais um ou dois anos estagnadas ou em recessão para só depois voltar a crescer", afirma Branco.
Conteúdo local será contrapartida para crédito
Por De Brasília
Para aumentar a "qualidade" do superávit brasileiro no comércio exterior e o valor agregado nas exportações do país o governo vai cobrar das empresas maior produção local e uso de peças e partes fabricadas no Brasil em troca de financiamentos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), informou o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Aloizio Mercadante. "Vai ter mais exigência de conteúdo local e investimento em pesquisa e desenvolvimento, tanto nos financiamentos quanto na desoneração tributária", disse ao Valor, citando os setores de petróleo e etanol como alvos das novas políticas do governo Dilma Rousseff.
"O resultado superou as expectativas derrotistas de analistas financeiros que falavam em superávit baixo no começo do ano, que não chegaria a US$ 10 bilhões", comentou o ministro. Ele reconhece que o alto preço das commodities foi a principal razão do bom resultado comercial, e acredita que a demanda asiática deve continuar exercendo influência favorável sobre as cotações. "O segundo fator que ajudou o saldo foi a desvalorização do câmbio no segundo semestre", disse ele. "O câmbio deu maior competitividade às exportações e conteve as importações."
Mercadante atribui o aumento nas exportações de manufaturados à "inflexão da política econômica" feita pelo governo em 2011, com a tributação dos fluxos de capital especulativo, a redução de juros e seus reflexos sobre a taxa de câmbio, com a desvalorização do real a partir do segundo semestre.
Para o ministro, as medidas de desoneração de impostos adotadas no ano passado, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para eletrodomésticos, ainda terão efeitos relevantes neste ano. "Fizemos uma forte desoneração, e a presidente está atenta", afirmou. "O processo [de aumento do conteúdo local] na indústria automotiva só começou, as exigências vão aumentar e o setor sabe disso", lembrou.
Fontes do Ministério da Fazenda confirmam que as medidas para estimular exportações devem se concentrar em crédito. A secretaria da Receita Federal resiste, porém, a novas iniciativas de redução de imposto para a indústria, pelo menos enquanto aguarda uma avaliação do impacto do Reintegra, que garantiu crédito tributário de 3% sobre o faturamento aos exportadores de manufaturados. (SL e JV)
Déficit da indústria cresce 37% e passa de US$ 43 bilhões
Por Marta Watanabe
De São Paulo
O déficit da balança comercial da indústria de transformação aprofundou-se no ano passado e deve manter a mesma tendência para 2012. De janeiro a novembro de 2011, o saldo negativo dos segmentos industriais atingiu US$ 43,68 bilhões, um aumento de 37% sobre 2010. No mesmo período do ano anterior, o déficit era de US$ 31,86 bilhões. Os dados são da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex).
Neste ano, dizem economistas, o déficit da indústria deve aumentar ainda mais, com perspectivas de maior dificuldade para exportar, em função da tendência de retração dos mercados detonada pela crise na zona do euro. Em compensação, a perspectiva de crescimento econômico do Brasil, mesmo com desaceleração, deve manter o nível de importação relativamente alto. Para os especialistas, porém, as medidas do governo federal contidas no Plano Brasil Maior para estimular vendas ao exterior não serão suficientes para gerar maior competitividade ao manufaturado brasileiro.
A elevação do déficit da indústria em 2011 deve-se a um crescimento das importações em ritmo mais acelerado que o das exportações. De janeiro a novembro, as vendas ao exterior da indústria somaram US$ 137,9 bilhões, alta de 20,4% em relação ao mesmo período do ano anterior. Na mesma comparação, os desembarques da indústria totalizaram US$ 181,6 bilhões, com aumento de 24,5%.
Dentre os 22 segmentos de atividade especificados pela Funcex, apenas seis apresentaram superávit: alimentos e bebidas, fumo, couros e calçados, produtos de madeira, papel e celulose e metalurgia básica. Entre os setores que mais contribuíram com saldo negativo para a balança total estão os de produtos químicos, coque, refino de petróleo e combustíveis, máquinas e equipamentos e material eletrônico e de comunicações.
Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, diz que a balança comercial reflete a competitividade maior do país em alguns segmentos específicos, como o da agroindústria, por exemplo. "Esse é um setor no qual o Brasil tem clara vantagem competitiva, com tecnologia avançada e capacidade de produção", diz. De acordo com dados da Funcex, o setor de alimentos e bebidas foi a que mais contribuiu com saldo positivo para a balança da indústria. De outubro a novembro de 2011, esse segmento fechou com superávit de US$ 35,7 bilhões. No mesmo período do ano anterior, o saldo do setor foi de US$ 30,2 bilhões.
"O déficit grande em setores como aparelhos elétricos e material eletrônico e de comunicações não surpreende porque não há no país especialização ou capacidade competitiva para exportação", diz Campos Neto. Ao mesmo tempo, lembra, mesmo com a desaceleração, o mercado doméstico continuou relativamente aquecido, o que resultou em aumento de importações, principalmente em segmentos para os quais a indústria doméstica não tem condições de fornecer, o que ajuda a elevar ainda mais o déficit.
José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), acredita que em 2012 o cenário de déficit crescente da balança da indústria deve ter continuidade. "Com cenário de crise, os mercados irão se contrair. Para evitar déficits ou queda brutal de superávits, a tendência dos mercados é se fechar, com medidas protecionistas", diz ele. Isso deve dificultar ainda mais a exportação.
Castro acredita que essa tendência também será seguida pelos países da América Latina, destino importante de manufaturados brasileiros. "Esses países adquirem manufaturados importados com a receita gerada pela exportação de commodities", explica. Com a tendência de queda de preços das commodities e a perspectiva de um menor crescimento da China, a receita de exportação da região deverá ser reduzida, acredita Castro. "Um exemplo é a Argentina, que já deu claros sinais de que deverá adotar medidas ainda mais protecionistas para a sua indústria."
Rafael Bistafa, economista da Rosenberg e Associados, acredita que o câmbio poderá ser um fator mais positivo em 2012 do que foi no ano passado. A estimativa da consultoria é que ao fim deste ano o dólar esteja em R$ 1,9, enquanto a média de 2011 foide de US$ 1,66.
O problema da balança comercial da indústria, porém, é mais estrutural, diz Bistafa. Para revertê-lo, seria necessário uma mudança mais profunda para redução ou eliminação de gargalos conhecidos, como carga tributária alta, infraestrutura ineficiente, e custo elevado de mão de obra, diz ele.
Nesse contexto, acredita Castro, as medidas recentes do governo federal para estimular a importação, incluindo as do chamado Plano Brasil Maior, são insuficientes. "O Reintegra dá só 3% ao exportador de manufaturados. Isso poderia dar alguma vantagem ao exportador brasileiro se os mercados internacionais estivessem com demanda aquecida. Mas, em crise, o exportador precisa ter algo a mais para oferecer." Castro refere-se ao programa pelo qual o governo federal deve conceder como crédito valor equivalente a 3% do faturamento com vendas ao exterior de manufaturados.
Outra tentativa do governo federal de estimular a exportação é por meio da desoneração de folha para setores com mão de obra intensiva. Segmentos como o de calçados e vestuário, por exemplo, estão livres da contribuição previdenciária sobre a folha de salários e passarão a pagar valor equivalente a 1,5% sobre faturamento.
Para Campos Neto, o efeito dessas medidas é marginal. "A mudança estrutural demanda medidas estratégicas, olhando para o país para daqui a dez, 20 ou 30 anos. As medidas adotadas pelo governo são muito pontuais, com efeito de curto prazo", diz. "O Plano Brasil Maior é cheio de boas intenções. As medidas ajudam, é verdade, mas não serão capazes de reverter o cenário para 2012."
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