sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O mercado não tem rivais de verdade



Por Samuel Brittan - Valor 13/01

Há mais tempo do que gosto de lembrar, escrevi um livro, "Capitalism and the Permissive Society", título que confundiu algumas pessoas, como se eu fosse defensor de ambos. Como a maioria dos livros sobre economia política, resultou imperfeito. Mas suas falhas foram de omissão, e não de comissão, e, retrospectivamente, quase duas décadas e meia depois, não há quase nada pelo que eu gostaria de me retratar.

Não há necessidade de fazer de conta que as recompensas do mercado refletem mérito pessoal. Como disse Lord Melbourne em outro contexto: "Não há mérito nenhum nisso". A melhor maneira de redistribuir é mediante um sistema tributário e de seguridade social (de preferência unificado), e não interferindo em preços e salários.

Um capitalismo bem sucedido também é compatível com - e, em minha opinião, exige - o uso da política monetária e fiscal para moderar as flutuações da atividade econômica e para evitar que longos períodos de demanda deficiente produzam desemprego desnecessário, bem como, naturalmente, para evitar inflação galopante.

Minha argumentação fundamental em favor do capitalismo competitivo é que ele promove a liberdade pessoal e política. Um empresário fora do setor financeiro prosperará disponibilizando o que os adultos desejam ter, mesmo que isso seja música pop, algodão doce ou shows com gente pelada - em vez do que gente supostamente mais sábia suponha ser bom para eles. Acima de tudo, o indivíduo tem a liberdade para usar seus potenciais segundo suas próprias escolhas. Ele ou ela podem concentrar-se em buscar seu prazer pessoal, dedicar-se ao serviço social em seu próprio país, minorar a pobreza no exterior ou qualquer combinação dessas e de outras atividades.

No início do século XX, Ludwig von Mises, um economista austríaco, desafiou os socialistas a dizerem como determinar o que deve ser produzido, e por quais métodos, na ausência de mercados capitalistas. A resposta mais interessante veio de "socialistas de mercado", com a afirmação de que as empresas estatais poderiam imitar os capitalistas, usando preços de mercado para orientar suas atividades. Com efeito, elas poderiam fazê-lo, com um conjunto conhecido de produtos, uma tecnologia conhecida e gostos conhecidos e estáticos do público.

A questão é totalmente distinta quando se trata de inventar novos produtos ou descobrir metodologias baratas. E quem deveriam ser os gestores e como conseguir que uma quantidade limitada de fundos para investimentos sejam alocados a todos que tiverem uma ideia brilhante? Acima de tudo, há a consideração política enunciada por John Stuart Mill: "Se as estradas, as ferrovias, os bancos, os escritórios de seguros, as grande sociedades anônimas fossem, todas, ramos do governo... se os trabalhadores de todas essas empresas... buscassem no governo cada melhoria em suas vidas, nem toda a liberdade de imprensa e participação popular na legislatura tornaria este ou qualquer outro país livre em outra coisa que no nome". A importância do capital privado para a liberdade de expressão foi comprovada por seu papel no lançamento da revista crítica e satírica "Private Eye", ou pela maneira como os escritores americanos supostamente subversivos, na década de 1950, encontraram refúgio da perseguição inspirada por McCarthy assumindo empregos no setor privado.

Existem alguns atrativos em empresas fundadas em autogestão (às quais Mill era simpático) e houve alguns sucessos aqui: por exemplo, o grupo Mondragon, na Espanha; e escrevo na condição de satisfeito cliente da John Lewis Partnership. Mas simplesmente não há provas ou análises suficientes para justificar uma transferência politicamente determinada de empresas para tais entidades.

Jesse Norman, o deputado conservador, listou algumas das inúmeras maneiras pelas quais o capitalismo pode ser corrompido por nepotismo. Uma delas é o velho monopólio; um capitalismo de tipo russo simbolizado por oligarcas que ganharam controle sobre os recursos naturais; capitalismo cáqui em países dominados por militares e narco-capitalismo baseado em negócios com drogas ilícitas. Esse último é agravado por excessiva legislação ocidental intrusiva, similar à Lei Seca nos EUA, na década de 1920. Não é preciso, porém, dizer que esses sistemas não são "capitalismo real" ou reivindicar uma patente conservadora sobre a variedade genuína.

A deficiência real de meu livro foi que, como muitos outros, não discuti o setor financeiro e as maneiras como suas atividades podem minar a ordem capitalista, mesmo se não houver inflação ou deflação ostensiva nos preços ao consumidor. O funcionamento ordenado de mercados exige a existência de alguma maneira de casar poupança com o desejo de tomar emprestado; um mercado para recursos disponíveis para investir e alguma forma de seguro contra as vicissitudes da vida, bem como, naturalmente, uma forma melhor de manter dinheiro líquido do que armazená-lo sob o colchão. Mas nada disso justifica a ameaça - criada pelas massas de dinheiro inventado - para uma instituição após outra e um país após outro. O capitalismo é um meio para termos liberdade e prosperidade, e não um fim em si mesmo. Melhorias, nesse terreno, podem justificar não apenas regulamentação internacional, mas a retenção, na esfera estatal, por um tempo bastante prolongado, de bancos e outras instituições que tiveram de ser socorridos por governos. (Tradução de Sergio Blum)



Samuel Brittan é comentarista econômico do FT.

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