terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Destrinchando o yuan



Por Yu Yongding - Valor 31/01

De julho de 2005 até dezembro de 2011, o yuan chinês valorizou-se constantemente. Então, de forma inesperada, a moeda caiu e durante 11 sessões consecutivas chegou ao limite mais baixo da faixa diária de negociação determinada pelo Banco do Povo da China. Embora o yuan, desde então, tenha retomado sua trajetória anterior de lenta valorização, o episódio pode ter indicado uma mudança permanente no padrão de oscilação da taxa de câmbio.

Anteriormente, desde que a China tivesse superávit comercial e entrada líquida de investimentos externos diretos, o yuan continuava com pressão para valorizar-se. Os fluxos de capital de curto prazo tinham pouco impacto na direção da taxa de câmbio do yuan.

Havia dois motivos para isso. Primeiro, graças a um regime de controle de capitais eficiente - embora poroso - na China, o "dinheiro quente" de curto prazo (capital entrando para especulação, arbitragem e "busca de renda") não podia entrar (e, depois, sair) livre e rapidamente. Segundo, os fluxos de capital de curto prazo normalmente fortaleceriam, em vez de enfraquecer a pressão sobre a taxa de câmbio do yuan, porque os especuladores, persuadidos pela abordagem gradual da China de aumento de valor, apostariam na valorização.
Então, por que, se a China ainda tem superávits consideráveis em conta corrente e de capital de longo prazo, o yuan teve essa desvalorização repentina e obrigou o Banco do Povo da China a intervir (embora não com muita força) para evitar que caísse ainda mais?

Muitos economistas fora da China argumentaram que a desvalorização em dezembro resultou de apostas de investidores de que as autoridades monetárias chinesas, deparadas com a perspectiva de pouso brusco da economia, iriam desacelerar ou interromper a valorização da moeda. Se isso fosse verdade, no entanto, agora estaríamos vendo saídas significativas de capital de longo prazo e vendas pesadas de yuans em troca de dólares no mercado de câmbio chinês.

Na verdade, a queda repentina do yuan em dezembro reflete a liberalização dos fluxos de capitais entre fronteiras adotada pelo governo da China. Esse processo começou em abril de 2009, quando a China lançou o Esquema de Liquidação de Câmbio do Yuan (conhecido como RTSS, pela sigla em inglês), permitindo que as empresas, especialmente as maiores, canalizem seus fundos entre a China continental e Hong Kong. Como resultado, um mercado de câmbio de yuans fora do continente, conhecido como mercado CNH, foi criado em Hong Kong, coexistindo com o mercado no continente, agora apelidado de CNY.

Em contraste ao CNY, o CNH é um mercado livre. Tendo em vista as expectativas de valorização do yuan e a diferença positiva entre as taxas de juros entre a China continental e Hong Kong, a moeda tinha um valor maior em termos de dólares no mercado CNH do que no CNY. A diferença alimentou movimentadas operações de arbitragem de taxas de juros por importadoras no continente e empresas multinacionais - uma forma de fluxo de capital saindo de Hong Kong em direção à China continental. Analogamente, o passivo em yuan devido por empresas multinacionais e pelos chineses no continente aumentou, assim como os ativos em yuan em mãos de residentes em Hong Kong.

As operações de arbitragem de taxas de juros por importadores no continente e multinacionais criam pressão de valorização no CNY e de queda no CNH. Em uma economia com taxas de câmbio e de juros flexíveis, a arbitragem elimina rapidamente a diferença entre taxas de câmbio. Na China, como as taxas de juros e de câmbio não são flexíveis, a diferença entre o CNH e o CNY persiste e os que fazem arbitragem têm capacidade para colher lucros gordos à custa da economia.

Em setembro, contudo, as condições financeiras mudaram repentinamente em Hong Kong. A escassez de liquidez provocada pela crise das dívidas soberanas europeias levou os bancos dos países desenvolvidos - especialmente os bancos europeus com exposição em Hong Kong - a retirar seus fundos, levando dólares embora. Como resultado, o CNH caiu em relação do dólar. Ao mesmo tempo, a escassez de dólares ainda não havia afetado o CNY, que continuava relativamente estável.

O CNH, portanto, estava mais barato que o CNY. Em consequência, os importadores e multinacionais no continente deixaram de comprar dólares no mercado CNH e voltaram ao CNY. Ao mesmo tempo, os exportadores no continente pararam de vender dólares no mercado CNY e voltaram as atenções ao CNH.

A escassez de dólares criou pressões pela desvalorização no CNY, que o Banco do Povo da China ateve-se de contrabalançar. O CNY estava, portanto, destinado a cair, o que aconteceu em setembro.

A arbitragem reversa provocou fluxos de saída de capital da China continental. De forma análoga, os passivos em yuan devidos pelas multinacionais e chineses no continente diminuíram, assim como os ativos em yuan em mãos de residentes em Hong Kong. Na verdade, aumentos nos custos de financiamento e a incerteza em relação à valorização do yuan desencadearam uma onda parcial de vendas de ativos em yuan por residentes em Hong Kong.

Em resumo, como o RTSS facilitou muito as movimentações de capital entre fronteiras, os fluxos de curto prazo transformaram-se em um fator importante na determinação da taxa de câmbio do yuan. Choques externos afetam primeiramente a taxa de câmbio fora do continente e, então, filtram-se até chegar à taxa de câmbio dentro do continente.

O yuan vai continuar com tendência de valorização no futuro próximo, influenciado pela força dos fundamentos da economia, mas a instabilidade inerente dos fluxos de capital de curto prazo tornarão sua taxa de câmbio mais volátil. Essa mudança está destinada a trazer novos desafios para as autoridades nos Estados Unidos e China, especialmente quando estão empenhadas em uma nova rodada de discussões sobre a política cambial chinesa. (Tradução de Sabino Ahumada)



Yu Yongding é presidente da China Society of World Economics, ex-membro do comitê de política monetária do Banco do Povo da China e ex-diretor do Instituto de Economia e Política Mundial, da Academia Chinesa de Ciências. Copyright: Project Syndicate, 2012.



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