quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
As 7 lições para consertar o capitalismo
Por Martin Wolf
Financial Times
Três anos atrás, quando a pior crise financeira e econômica desde a década de 1930 tomou conta da economia mundial, o "Financial Times" publicou uma série sobre "o futuro do capitalismo". Agora, depois de uma recuperação fraca nos países de alta renda, o "FT" publicou uma série sobre "o capitalismo em crise". As coisas parecem ter piorado. Como podemos explicar isso?
Em 2009, o mundo encontrava-se em estado de choque. Agora, apesar dos esforços bem-sucedidos de estabilização das economias, as pessoas estão mais perto do desespero. Algo parece estar errado com o sistema. Mas o quê, e o que precisa ser feito?
O capitalismo sempre mudou. Essa é sua genialidade. Os choques de hoje justificam reformas urgentes. Consideremos sete desafios. Alguns relacionados ao próprio capitalismo, outros ao contexto em que opera.
Estabilidade inerente?
Um dos maiores debates, em economia, é se uma economia capitalista moderna é inerentemente estável. Antes da crise, a visão ortodoxa era de que seria, se tivéssemos uma economia competitiva e um banco central que ancorasse as expectativas de inflação. Os acontecimentos têm refutado essa visão.
O falecido Hyman Minsky, em sua obra-prima "Stabilizing an Unstable Economy" (estabilizando uma economia instável), produziu, incomparavelmente, o melhor relato de por que essa teoria está errada. Períodos de estabilidade e prosperidade semeiam as sementes de sua queda. A alavancagem dos retornos, principalmente mediante endividamento, é então vista como um caminho certeiro para enriquecimento. As pessoas envolvidas no sistema financeiro criam - e lucram muito com - tal alavancagem. Quando as pessoas subestimam os perigos, como o fazem nos bons tempos, a alavancagem explode.
A atividade financeira, então, progride da fase que Minsky denominou "hedge" (cautela), quando juros e capital são remunerados pelo fluxo de caixa esperado, para "especulativa", em que os juros são pagos com o fluxo de caixa, mas a dívida tem de ser rolada e, finalmente, "Ponzi" (esquema fraudulento de investimento do tipo pirâmide), em que tanto os juros como o principal tem de ser pago com ganhos de capital. Soa familiar? Certamente deveria.
Qual é a resposta? Podemos ver três elementos se colocarmos de lado a noção de que deveríamos retornar ao padrão ouro do século XIX ou suprimir o sistema bancário.
O primeiro é reconhecer que, como os críticos há muito observaram, crises são inerentes ao capitalismo de livre mercado. Isso se deve em parte à maneira como o capitalismo se comporta. Também se deve ao fato de que todos os participantes, inclusive agências reguladora e até mesmo economistas, agem e pensam pró-ciclicamente.
Segundo, a chamada política "macroprudencial" - a supervisão sobre o sistema financeiro como um todo - é importante. As agências reguladoras precisam ficar de olho no acúmulo de alavancagem. Também precisam assegurar níveis adequados de capital para absorção de prejuízos em instituições financeiras e seus tomadores finais de empréstimos.
Finalmente, o governo e suas agências, inclusive o banco central, têm um grande papel. Eles agiram como forças de estabilização durante a crise. Mas eles também atuaram como forças desestabilizadoras antes da crise: os bancos centrais reagiram com extrema agressividade a recessões incipientes em décadas anteriores e os governos estavam por demais dispostos a incentivar alavancagem excessiva no setor das famílias. Esses erros graves não devem ser repetidos.
Dando um jeito nas finanças
O sistema financeiro é uma parte essencial de qualquer economia de mercado. Mas baseia-se em uma rede complexa e frágil de confiança. A lição da crise é que essas redes tendem a ser alvo de abuso e, então, sofrer colapsos.
Mais uma vez, qual é a resposta? É proteger o mundo financeiro da economia e a economia do mundo financeiro. Isso exige amortecedores maiores. Se essa mudança for feita, as disciplinas normais do mercado poderão operar como deveriam: seria o fim de "grandes demais e interligados demais para falir". No entanto, erros ainda serão cometidos. As pessoas são sempre influenciadas por ondas e modas do momento. Mas se o sistema financeiro for mais robusto, estará em melhor condição para sobreviver a tais erros.
Quais são os elementos dos amortecedores de choques? O mais importante é muito mais capital. As instituições financeiras centrais não devem, em longo prazo, ficar alavancadas em proporção superior a dez para um. Um requisito adicional é um regime de resolução que permita às autoridades agir prontamente quando as instituições estiverem à beira de perder sua capacidade de financiar-se. Além disso, como a comissão independente do Reino Unido para o setor bancário (do qual o autor deste artigo era membro) também recomendou, a gestão do sistema de pagamentos e a provisão de crédito às famílias e às pequenas e médias empresas deveria ser mantido separado da atividade bancária de investimentos, para eliminar subsídios implícitos.
Finalmente, com demasiada frequência, os consumidores não conseguem compreender o que estão comprando. O princípio "caveat emptor" - o comprador que se acautele - não funciona. As pessoas necessitam proteção contra as práticas predatórias notórias vistas nos EUA no caso dos empréstimos subprime antes de 2008.
Desigualdade e emprego
Como mostrou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), think-tank com sede em Paris, em relatório recente, países de alta renda têm registrado grandes aumentos na desigualdade ao longo das últimas três décadas. Esse fato é capturado no slogan do movimento de protesto Ocupem Wall Street: "Nós somos os 99%". O aumento da desigualdade é resultado de forças complexas: globalização, mudanças tecnológicas, mercados onde "o vencedor leva tudo", nascimento de setores novos e dinâmicos, mudanças nas normas sociais envolvendo remuneração, ascensão do mundo financeiro e mudanças na tributação.
Muitas dessas mudanças eram irresistíveis e são irreversíveis. Mas o nível e o crescimento da desigualdade varia, efetivamente, de país para país, o que sugere que estruturas econômicas e políticas econômicas modificam os resultados. A partir da década de 1980, os EUA e o Reino Unido, por exemplo, viram uma elevação muito mais rápida da renda real no decil superior do que no decil inferior da distribuição de renda domiciliar. Na França, isso foi no rumo oposto.
Muitos argumentariam que a desigualdade não é importante. Para isso, há duas respostas poderosas. A primeira é que é importante se for politicamente relevante. E é. A segunda é que a desigualdade de consequências tem forte influência sobre a igualdade de oportunidades, sobre a qual muito mais pessoas se importam. É mais difícil para as crianças que crescem em privação terem acesso a um começo razoável, na vida, do que as pessoas criadas em condições mais felizes. O esforço torna-se ainda mais difícil se os pais não conseguem encontrar trabalho que os remunerem adequadamente e os jovens não têm chance disso ao entrar no mercado de trabalho.
Quais são as respostas? Entre elas está, necessariamente, uma explícita redistribuição fiscal dos vencedores para os perdedores, e particularmente para os filhos dos perdedores; subsídio ou disponibilização direta de postos de trabalho; grandes esforços para melhorar a qualidade da educação e dos cuidados com a infância para todos, inclusive financiamento público de acesso ao ensino superior e uma determinação no sentido de sustentar a demanda de forma mais eficaz em meio a crises graves.
Governança empresarial
A instituição nuclear do capitalismo contemporâneo é a companhia de responsabilidade limitada. É uma brilhante invenção social. Mas tem falhas inerentes, sendo a mais importante delas a de que as companhias não têm, efetivamente, donos. Isso as torna vulneráveis a ser saqueadas. Incentivos supostamente concedidos para alinhar os interesses dos funcionários de mais alto escalão com os dos acionistas, como opções (de compra) de ações, criam incentivos à manipulação dos lucros das empresas à custa da saúde de longo prazo da companhia. O controle pelos acionistas é frequentemente uma ilusão e a maximização de valor para o acionista é uma armadilha, ou pior.
Qual é a resposta? Infelizmente, não existe remédio simples. As companhias são a melhor instituição que conhecemos para execução de empreendimentos grandes, complexos e dinâmicos. É certamente importante assegurar que tributação e regulamentação não obstruam outras formas de controle proprietário, como sociedades e sociedades mútuas. É vital incentivar a criação de conselhos diretores genuinamente independentes, diversificados e bem-informados. É sensato que pacotes de remuneração sejam transparentes e que sejam eliminados quaisquer incentivos a formas destrutivas de remuneração. Mas, exceto em bancos, onde o interesse social exige intervenção nos incentivos de gestores, os governos não devem intervir diretamente.
Mudando a tributação
O ímpeto geral das discussões políticas, muito particularmente nos Estados Unidos, é contra toda e qualquer tributação. No entanto, os impostos têm um papel decisivo, para o bem e para o mal, na determinação de como funciona a economia de mercado. Os impostos determinam os recursos disponíveis para a disponibilização de bens e serviços públicos essenciais. Finalmente, os impostos podem fazer uma grande diferença no que diz respeito à desigualdade.
Quais são as respostas? Uma das tarefas mais importantes é eliminar os incentivos à alavancagem incorporados nos impostos sobre pessoas físicas e empresas. No que diz respeito à tributação sobre empresas, tratar ações e dívida em iguais condições pode reduzir significativamente a fragilidade. Outra ideia sensata é transferir a carga tributária da renda para o consumo e a riqueza. Ainda outro objetivo é assegurar que as pessoas mais ricas paguem impostos. Atualmente, uma série de brechas legais protegem os ricos, inclusive a possibilidade de converter renda em ganhos de capital. Parte disso exige cooperação em nível mundial, algo terrivelmente difícil de obter.
Proteção à política
Entre as maiores preocupações deve estar a relação entre os ricos e a política democrática. Política e mercados têm, cada um, suas esferas adequadas. O mercado se baseia nos papéis das pessoas como produtores e consumidores. A política se baseia em seus papéis como cidadãos. Na ausência de proteção para o mundo político, o resultado é plutocracia. Plutocratas gostam de sistemas políticos e econômicos fechados. Mas se têm êxito, eles minam o acesso aberto do qual dependem a política democrática e uma economia de mercado competitiva. Proteger a política democrática contra a plutocracia é um dos maiores desafios para a saúde das democracias.
O que fazer? Para proteger a política das investidas do mercado é necessária a regulamentação do uso do dinheiro nas eleições e da disponibilização de recursos públicos para as pessoas nelas envolvidas. É inescapável ao menos um financiamento público parcial de partidos e eleições.
Globalização de bens públicos
Por fim, porém não menos importante, o capitalismo contemporâneo é globalizado. Isso cria uma série de desafios e restrições.
Um problema é como regulamentar as empresas que operam em vasta escala mundial. Isso revelou-se particularmente difícil no mundo financeiro. Há duas opções: alinhar apoio em momentos de dificuldade com regulamentação em nível nacional e assim acabar com o sistema financeiro global integrado ou alinhar um apoio a regulamentação em níveis mais elevados e avançar para uma política europeia ou mundial mais integrada.
Em plano mais amplo, o descompasso entre o nível em que opera a política e os níveis em que o mundo dos negócios e a economia funcionam é uma preocupação. Entre as questões que isso levanta está como fornecer uma série de bens públicos mundiais mediante acordo entre uma série de Estados bastante distintos. Esses bens compreendem mercados abertos, estabilidade monetária e financeira, segurança e, acima de tudo, proteção do ambiente.
Quais são as respostas? Em mais longo prazo, a resposta estará provavelmente em mais governança em nível mundial. Será isso viável? Não no futuro próximo, em muitas áreas.
Uma crise, já se disse, "é uma coisa terrível de se desperdiçar". O capitalismo sempre mudou. O sistema precisa mudar agora para que possa sobreviver e prosperar. Precisamos encontrar as reformas práticas específicas dentro do capitalismo e rever o referencial em que atua.
Mas capitalismo precisa continuar sendo capitalismo. É extremamente imperfeito. Mas também somos imperfeitos. O capitalismo continua sendo um sistema econômico excepcionalmente flexível, ágil e inovador. Pode estar "em crise" agora. Mas continua sendo uma das invenções mais brilhantes da humanidade. É a base da prosperidade que tantos hoje desfrutam e a que muitos mais aspiram. Está transformando a vida de bilhões de pessoas. Esforcemo-nos para torná-lo melhor.
Crises têm o poder de desencadear reformas estruturais
Por Financial Times
O capitalismo tem um extraordinário instinto de sobrevivência. Isso se deve, em parte, ao fato de as crises desencadearem reformas que o tornam mais robusto, eficaz e politicamente legítimo. Quanto maior a crise, maiores as reformas. Como a Grande Depressão da década de 1930 foi a maior crise econômica da história, ela gerou reformas igualmente substanciais. A Segunda Guerra Mundial colaborou nesse esforço, ao enfatizar as terríveis consequências de crises, aglutinando os aliados e tornando a sociedade mais coesa.
As reformas resultantes nasceram da própria experiência e da revolução no pensamento econômico - o keynesianismo - que a experiência deflagrou. Muitos governos, inclusive o dos EUA, promulgaram o objetivo do pleno emprego e aceitaram o papel primordial da política fiscal. O objetivo do pleno (ou "máximo") emprego continua sendo, juntamente com a estabilidade de preços, uma das missões geminadas do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA). A economia keynesiana também moldou o pensamento sobre o novo regime monetário mundial, consagrado no Fundo Monetário Internacional. O objetivo de conversibilidade monetária foi, em consequência, limitado a transações em conta corrente, uma vez que os fluxos de capitais livres eram considerados desestabilizadores.
A experiência da década de 1930 produziu três reformas adicionais.
A primeira foi a regulamentação financeira e os controles sobre os fluxos de capital. Nos EUA, a lei Glass-Steagall separou as atividades bancárias de investimento das operações bancárias comerciais. Controles rígidos sobre o mundo financeiro foram introduzidos em toda parte.
A segunda área de reformas foi o nascimento, ou pelo menos o rápido desenvolvimento, do Estado de bem-estar social em muitos países. Nos EUA, isso foi produto do New Deal, de Franklin Delano Roosevelt. No Reino Unido, o relatório Beveridge abriu caminho para o Estado de bem-estar atual. Ideias semelhantes sobre a disponibilização, pelo Estado, de uma rede de segurança social disseminaram-se por todo o Ocidente.
Finalmente, após a Segunda Guerra Mundial, teve início uma reversão cuidadosamente administrada do protecionismo dos anos 1930. Ela foi consagrada no Acordo Geral de Tarifas e Comércio e, em última instância, na Organização Mundial do Comércio; e também nos precursores da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da União Europeia.
A crise atual é menor do que a da década de 1930 - até agora. No entanto, trata-se de um evento de grandes proporções, especialmente em associação com uma migração do poder econômico para o Oriente. Se isso trará grandes reformas ainda não está claro. Mas é possível.
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