segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
Agora é hora de comemorar
Por Samuel Brittan - Valor 02/01
Você se divertiu neste Natal, com muita coisa para comer e beber e brinquedos caros para as crianças? Espera ansioso pelas novas festividades da passagem para o Ano Novo? Está se sentindo culpado por se conceder esses prazeres em meio a todas as notícias sobre austeridade? Bem, não se sinta. Tenha em mente a queixa de Alice [de Lewis Carroll]: "Geleia ontem, geleia amanhã, mas nunca geleia hoje".
Um único indivíduo ou uma única família não pode, naturalmente, substituir uma política econômica sensata; e você também não tem obrigação de se conceder o prazer ou de economizar e ser pão-duro para o bem da economia nacional. Mas, se você está influenciado por considerações patrióticas, conceda-se, efetivamente, o prazer. E, se se sentir culpado por fazer isso num momento em que outras pessoas estão impossibilitadas, use seu dinheiro excedente para ajudar famílias pobres a se concederem o prazer também. Se você não conhece famílias nessas condições, ou não se considera capaz de dar sem parecer paternalista, doe para uma instituição assistencial cuidadosamente selecionada. Em tempos normais, a máxima saudável é: "Se você der um peixe a um pobre, o ajudará por um ou dois dias; se lhe der uma vara de pesca, você o firmará pelo resto da vida."
Mas, com o mundo pairando às vésperas de uma segunda recessão ou de coisa pior, é preciso que se diga algo em favor de instituições assistenciais que efetivamente dispensam o gasto de dinheiro com considerável rapidez.
Essa discussão aparentemente paradoxal encontrou sua formulação mais perfeita em Bernard Mandeville, um médico inglês de origem holandesa do início do século XVIII, por meio de uma parábola intitulada "A Fábula das Abelhas", em que retrata o destino de uma próspera comunidade em que todos os cidadãos se propõem a abandonar sua vida de luxos:
Olhai agora a gloriosa colmeia e vede /Como se conciliam honestidade e negócios:/ O espetáculo terminou; esvaiu-se rapidamente, /E apresentou-se com face bastante diversa, /Pois não só foram-se aqueles /Que somas vultosas gastavam anualmente, /Mas multidões, que neles tinham seu ganha-pão, /Foram diariamente forçadas a fazer o mesmo; /Inutilmente buscaram outros ofícios, /Pois estavam todos superlotados. /Caiu o preço da terra e das casas; /A construção civil foi aniquilada, /Não se empregaram mais artífices...
Essa obra foi combatida desde o início. Foi condenada como deletéria por um grande júri de Middlesex em 1723 e foi vilipendiada por opiniões respeitáveis nos dois séculos que se seguiram. Apenas o velho integrante do Partido Conservador Samuel Johnson lhe fez um comentário favorável, ao dizer que ela "lhe abriu muito os olhos para a vida real".
As doutrinas de Mandeville foram recuperadas por Keynes sob o título "o paradoxo da parcimônia". Para entendê-la plenamente, é proveitoso começar pela outra ponta e verificar o que acontece quando um país opta pelos gastos em vez da parcimônia. Um ponto de partida útil é uma antiga pergunta formulada em provas: um viajante chega a uma ilha que acabou de começar a usar dinheiro, mas que teve a sorte de não contar com um sistema bancário sofisticado. Ele come num restaurante e paga com cheque. Os habitantes ficam tão impressionados com o cheque que ele é passado de um comerciante a outro sem ser descontado. Quem pagou pela refeição? Por muito tempo a resposta ortodoxa era uma coisa desse tipo: se os ilhéus já gozavam de uma situação de pleno emprego, haveria um ligeiro aumento da taxa de inflação, e o custo real seria compartilhado entre eles. Se, por outro lado, houvesse recursos humanos não utilizados, a circulação do cheque levaria a um ligeiro aumento da prosperidade geral e, na prática, ninguém teria pago a conta.
Hayek, o economista do livre mercado, pôs tudo a perder com uma análise informal da teoria geral de Keynes no fim de uma obscura obra, "The Pure Theory of Capital" ("A Teoria Pura do Capital"), publicada em 1941. Hayek destacou que as economias do mundo real raramente vivem uma situação de pleno emprego ou de desemprego generalizado, e sim um estado, em certo grau, intermediário. Milton Friedman quase encerrou a discussão ao pressupor uma "taxa natural de desemprego". Quando as políticas econômicas oficiais tentam empurrar o desemprego para níveis inferiores a essa taxa, geram uma aceleração da inflação. Isso foi saneado ao ser rebatizado de taxa de desemprego de não aceleração e, mais tarde ainda, foi substituído pela "defasagem de produção", que soa anódino. O historiador americano James Livingston vai além de Keynes em seu novo livro, "Against Thrift" ("Contra a Parcimônia"). Mesmo excluindo-se condições de recessão, ele não vê qualquer virtude social na parcimônia, principalmente porque o reinvestimento dos lucros pode oferecer todo o novo capital necessário à moderna economia americana sem a necessidade de novos investimentos líquidos, financiados pela poupança. Seu livro traz um apêndice de autoria de dois economistas que mais ou menos fundamenta seu argumento. O texto principal é um tanto difuso, e uma grande parte dele se dedica a defender a "sociedade de consumo" contra a crítica da esquerda e da direita. Mas vale a pena uma olhada, nem que seja só por sua descrição dos líderes e escritores populistas americanos do início do século XX, praticamente desconhecidos fora dos Estados Unidos. Entre eles está Samuel Gompers, o fundador da ala moderada do movimento sindical americano. Denis Healey, o ex-ministro da Fazenda trabalhista do Reino Unido, brincava com a ideia de que me foi dado o mesmo primeiro nome de Gompers, do qual meus pais nunca tinham ouvido falar. Mas pelo menos agora eu sei que ele preferia uma economia de alto nível de consumo. (Tradução de Rachel Warszawski)
Samuel Brittan é comentarista econômico do FT
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