terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Notas para as agências de risco



Por Antonio Delfim Netto - Valor 17/01

A reação do grande ex-presidente da França Valéry Giscard D'Estaing à decisão da agência calculadora de risco Standard & Poor's (S&P) de rebaixar a nota da França de AAA para AA+ foi certeira: "Do ponto de vista financeiro, ela é absurda. Sempre pagamos as nossas dívidas. Depois da Segunda Guerra, eu mesmo fui aos Estados Unidos levar o nosso cheque de pagamento da dívida".

Afinal qual é a delas (S&P, Moody's e Fitch)? Estarão, como alguns desinformados acreditam, a serviço da volatilidade tão prazerosa dos especuladores financeiros de Wall Street? Terão por acaso melhorado tecnicamente? Há menos de três anos, classificavam como AAA estranhos "pacotes" que seus clientes vendiam a incautos e honestos investidores.

É pouco provável que haja algum efeito dessa decisão que já não estivesse incorporado pelos mercados. Podemos ter alguma volatilidade no curto prazo, mas pequenos efeitos no longo. Uma interpretação benigna é que a S&P estaria tentando acelerar a solução do problema europeu.

No seu comunicado, ela afirma que "as iniciativas tomadas pelos líderes europeus nas últimas semanas podem ser insuficientes para atacar completamente problemas sistêmicos da zona do euro". Puro palavrório. Principalmente quando levamos em conta quando manifesta sua preocupação "com o fraco crescimento", sem esclarecer qual a mágica que poderia melhorá-lo.

Não parece que problemas "sistêmicos" da Eurolândia possam ser melhor solucionados com o rebaixamento da nota da França. Junto com a Alemanha, é fiadora do European Financial Stabilization Facility (EFSF), que toma recursos no mercado a taxas mais baixas para repassá-los aos países que têm dificuldades de colocar os seus papéis. Nesta semana vamos saber qual o efeito da medida sobre a taxa de juros da dívida francesa (que pagava, antes da ação da S&P, 3,08% ao ano para títulos de dez anos).

O comportamento da S&P apoia-se em fato discutível: a solução deveria ser muito mais rápida. Trata-se do típico sinal da arrogância do sistema financeiro. O que fazer com as leis dos países e suas democracias?

A decisão foi extemporânea, principalmente depois da mudança da política do Banco Central Europeu. Este passou a emprestar aos bancos e se esforça para reduzir a possibilidade de uma queda do crédito dentro dos países, o que reduziria ainda mais o crescimento econômico tão desejado (corretamente) pela S&P.

A ação do BCE está ampliando a liquidez e tendendo a desvalorizar o euro. Este fechou em 13 de janeiro, a US$ 1,267, a menor cotação em um ano e meio, o que deve ajudar a ampliar as exportações dos países para fora da Eurolândia.

Isso acrescentará um pouco mais de energia externa ao seu crescimento econômico em 2012, hoje estimado em - 0,7% (Alemanha, 0,3%; França, -0,6% e Itália, -1,7%).

A medida foi também extemporânea, porque prejudica a própria "solução" desejada (pelo menos vocalmente) pela S&P. Do ponto de vista lógico, seria difícil à S&P manter a nota AAA para os papéis da EFSF, que ela acabou de rebaixar para AA+. Se o mercado a levar a sério (é o que resta saber), aumentará os custos de sua captação e, logo, os custos dos países que recebem os seus recursos, dificultando a solução e acrescentando mais problemas aos "sistêmicos" referidos por ela.

A dúvida sobre sua credibilidade é perfeitamente razoável diante dos efeitos nos papéis do Tesouro Americano depois do seu rebaixamento de AAA para AA+. Os juros dos papéis de um mês caíram de 0,015% no 3º trimestre de 2011, para 0,010% no dia 12 deste mês; e os de dez anos, de 2,8%, em 2011, para 1,9%.

Entre 10 e 12 de janeiro, o Tesouro Americano colocou nada menos do que US$ 120 bilhões a taxas de juros decrescentes e com demanda/oferta superiores a 4,5 (até 6 meses) e de 3,3 (10 e 30 anos). E o Bundesbank, operador do Tesouro alemão, colocou, em 9 de janeiro, € 3,9 bilhões com papéis de seis meses a uma taxa de juro nominal negativa de 0,0122%, contra uma positiva de 0,0005% em 5 de dezembro de 2011.

A decisão da S&P foi ainda infeliz, porque, em 11 de janeiro, a Itália e a Espanha colocaram € 22 bilhões a custos menores do que anteriormente. Um sinal que os mercados estão acreditando nos novos governos de Mario Monti e Mariano Rajoy.

No caso italiano, colocou-se € 8,5 bilhões em papéis de 360 dias à taxa de 2,735% ao ano, contra 5,95% pagos em meados de dezembro de 2010 para os mesmos papéis. Apenas para dar outro sinal, os papéis do Tesouro espanhol, de três anos, foram vendidos à taxa de 3,384% ao ano, contra papéis de mesma maturidade, que pagaram 5,187% em meados de dezembro de 2011.

Há, portanto, indícios claros de avanço na Eurolândia, com exceção do caso grego, onde as discussões foram suspensas para "novas reflexões entre os credores e o governo", para estimar o "haircut" que deve ser estabelecido...

Que nota uma agência de risco daria ao exibicionismo destrutivo e deselegante da S&P? Um D, naturalmente, pela inadimplência no seu papel na procura de solução dos problemas sistêmicos da Eurolândia!



Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

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