terça-feira, 24 de janeiro de 2012

4% em 2012. Por que não?



Por Antonio Delfim Netto - Valor 24/01

Quando se olha o resultado obtido pelas políticas econômica e social de 2011, parece justo concluir que ele foi bastante razoável, tendo em vista: 1) o quadro internacional de desintegração das economias desenvolvidas; 2) as dúvidas e as críticas que elas sofreram da maioria dos analistas financeiros à medida que eram implementadas.

Hoje, parece claro que a mudança da política econômica, que deu mais ênfase à fiscal, proporcionou maior grau de liberdade à monetária para usar outros instrumentos como, por exemplo, o IOF sobre transações que envolvem a taxa de câmbio. A ação do governo estava mais antenada com a realidade do mundo e com o desenvolvimento recente da economia do que uma boa parte dos seus críticos. Isso é objetivamente revelado na enorme aprovação popular do primeiro ano da presidente Dilma Rousseff.

Provavelmente o fato mais importante de 2011 seja a credibilidade crescente da política fiscal (em meio a dúvidas iniciais) pelo cumprimento do objetivo de fazer o superávit primário em torno de 3,2% do PIB. Isso deu conforto ao Banco Central para que exercesse a sua musculatura, iniciando uma queda da taxa real de juros.

O compromisso de fazê-lo em 3,1% do PIB em 2012, como prometido pelo governo, é importante para a continuação da redução cuidadosa da taxa de juros real para um nível parecido ao do mercado internacional. Essa é uma das condições necessárias para que funcione adequadamente o sistema de câmbio flutuante.

É preciso lembrar: 1) que a taxa de câmbio (juntamente com adequada matriz de tarifas efetivas) determina o equilíbrio entre o valor do fluxo de bens e serviços exportados e dos importados e é um dos preços mais importantes para manter a economia num alto nível de utilização dos fatores de produção internos, inclusive o emprego da mão de obra; e 2) que ela é sensível à política fiscal.

Parece possível afirmar que uma sólida política fiscal, que controle o ritmo de crescimento das despesas de custeio e transferências, abra espaço para o investimento público e permita à política monetária continuar a reduzir a taxa de juros real e, simultaneamente, ampliar o crédito ao setor privado (não há nenhuma contradição nisso), condição fundamental para um crescimento mais robusto em 2012, com uma taxa de inflação convergindo para a meta e a sustentação de um câmbio real mais amigável com o setor industrial brasileiro.

Com relação à situação fiscal (dívida/PIB) não há nada que no momento nos atrapalhe. Não podemos esquecer, entretanto, que a relação dívida líquida/PIB não satisfaz à condição de transparência. Melhor seria usar - como a grande maioria dos países - a relação dívida pública bruta/PIB, que hoje anda em torno de 64%, 2/3 maior que a dos emergentes, excluído o Brasil.

Dito isso, como devemos tratar o problema do crescimento em 2012? A maioria dos que têm a obrigação, por motivos profissionais, de prevê-la afirma que ela será qualquer coisa entre 3% e 3,5%, mas não explicita quais as condicionalidades da profecia.

Felizmente, ninguém mais fala que o "produto potencial" brasileiro é de 3,5%. Fala-se agora de 4,5%. Mas como disse numa entrevista imperdível, no Valor (20/22 janeiro de 2012), um dos nossos economistas mais bem apetrechados, o competente e sóbrio Sergio Werlang, "estou mais para 4,5% como crescimento potencial, mas se já há erro na medida do próprio PIB, imagine na medida do potencial".

Já devíamos ter aprendido que a única forma segura de prever o futuro é tentar construí-lo. Honestamente, não há nenhuma razão para supor que não possamos crescer entre 4% e 4,5% (entre o último trimestre de 2011 e o seu homólogo de 2012), se o governo cumprir seu programa fiscal e ativar os investimentos do PAC, atento à flutuação estacional das despesas num ano eleitoral; transferir com rapidez o máximo possível dos investimentos em infraestrutura para o setor privado através de concessões e parcerias; prosseguir na pressão para aprovar o sistema previdenciário público e eliminar alguns absurdos tributários, que continuam a destruir nossas exportações industriais e trabalhar contra o aumento do valor adicionado das exportações agrícolas. Nada impossível com a credibilidade da presidente e sua cômoda maioria no Congresso.

Para crescer 4% em 2012 com a inflação sob controle, o governo tem que fazer a sua parte. Cumprir transparentemente sua meta fiscal e cooptar o setor privado (trabalhadores, empresários e banqueiros) para tomar o risco de o acompanhar para fazê-lo.

Nota à parte. Quem ainda tem curiosidade e capacidade para surpreender-se sobre os efeitos dos IOF no mercado cambial, não deve perder o artigo "Bubble Thy Neighbor: Direct and Spillover Effects of Capital Control", apresentado numa conferência promovida pela Allied Social Sciences Association, em Chicago, pelos economistas Kristin Forbes (MIT-Sloan School of Management), Marcel Fratzscher, Thomas Kostka e Roland Straub (todos do Banco Central Europeu), em novembro de 2011.



Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

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