quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Taxa natural de desemprego e a política monetária
Por Tony Volpon - Valor 29/02
A iniciativa do Banco Central (BC) de pesquisar junto ao mercado estimativas para a taxa neutra de juros e a taxa natural de desemprego (Nairu) oferece uma oportunidade de rever duas importantes variáveis para pautar o debate sobre a política monetária.
No nosso trabalho para responder o BC, os resultados mais interessantes vieram na estimativa da taxa natural de desemprego. Isso porque, enquanto há pouco debate sobre o fato de que a taxa neutra de juros no Brasil vem caindo, no caso da taxa de desemprego, há uma aparente dificuldade em explicar porque o nível de emprego continua a subir apesar da recente forte desaceleração da economia.
Uma queda no nível de desemprego, apesar das oscilações da atividade, sugere que a taxa natural de desemprego vem caindo, o que deve nos levar a explorar o que pode estar causando isso. Uma possibilidade seria o crescimento mais intensivo do setor de serviços. Olhando para o crescimento dos serviços dentro do Produto Interno Bruto (PIB), verificamos que a taxa média trimestral desde 2004 tem sido de 4,4% ao ano, contra 3,7% para a indústria e 3,3% para a agricultura. O crescimento maior do setor de serviço, por ser mais intenso em mão de obra, levaria naturalmente a uma queda na taxa de desemprego.
Para tentar capturar esse efeito, criamos uma variável usando dados da Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) que mede o crescimento de empregos no setor de serviços, além do crescimento esperado do setor dado a expansão do mercado de trabalho como um todo. Verificamos que, na média, desde 2006, o setor de serviços tem criado mais de 5 mil vagas por mês acima do que seria de se esperar, e que hoje esse número está acima de 15 mil empregos por mês.
A inclusão dessa variável, o hiato do produto, e o nível da taxa de juros real possibilitam explicar o desempenho da taxa de desemprego. Podemos, anulando o efeito do hiato do produto, calcular que a taxa natural de desemprego para a economia brasileira estaria hoje ao redor de 7,2%, portanto 1,7% acima do nível de 5,5% verificado no final do ano
Esse resultado confirma a impressão que o mercado de trabalho vem afetando negativamente a inflação, mas é importante entender por quê. Podemos verificar que no fim do ano passado o hiato do produto se encontrava em território levemente negativo, em função da desaceleração em curso, elevando a taxa de desemprego em 0,2%. Mas, ao mesmo tempo, o crescimento relativo de empregos no setor de serviços estava levando a taxa de desemprego a cair 1,6% do seu nível de equilíbrio. Isto é, a causa do mercado de trabalho aquecido não vem de uma política monetária excessivamente frouxa por parte do BC (o que geraria um hiato positivo) mas de um choque de demanda concentrado no setor de serviços.
Somos acostumados a pensar em "choques de oferta", como grandes movimentos nos preços de commodities, mas nada impede que a economia também sofra choques exógenos de demanda. Nos últimos anos é inegável a crescente demanda por serviços no Brasil, provavelmente devido a uma combinação de crescimento da renda com mudanças de hábitos de consumo devido a mudanças de classe social. Independentemente das razões, acreditamos que o Brasil hoje sofre um choque específico de demanda por serviços que tem no mercado de trabalho o principal mecanismo de transmissão para o resto da economia, elevando o custo de trabalho até em setores como a indústria, que sofrem situação bastante adversa.
Podemos ver isso também no comportamento da inflação de serviços subindo acima de 9%. O Brasil tem hoje muito mais um problema de inflação de serviços do que um problema com a inflação, e isso também é sintomático do choque pelo qual passamos.
A boa notícia é que esse choque não vai durar para sempre. Podemos ver a atual inflação de serviços como o "sinal" correto microeconômico dado pelo sistema de preços para puxar recursos para este setor e aumentar a sua oferta ao longo do tempo. Diferentemente de bens comercializáveis, que podem ser importados, a oferta da maioria dos serviços tem origem local e resposta de oferta menos elástica. Mas gradualmente essa oferta vai surgir, fechando o descompasso com a demanda.
Nossa análise permite uma interpretação nova da recente condução da política monetária pelo BC. Podemos interpretar a surpreendente decisão do Banco Central de cortar a taxa Selic em agosto e suas subsequentes decisões como uma escolha de acomodar o choque de demanda do setor de serviços e privilegiar o choque negativo causado pela crise europeia, um choque que já levou a inflação de bens comercializáveis para 4,01% ao ano em janeiro, abaixo do centro da meta. Enfrentando uma economia rodando a duas velocidades distintas, o BC fez sua opção.
Sabemos que só um aperto monetário draconiano levaria a inflação de serviços para a meta. Está claro que não há nenhum apoio na sociedade para isso. Mas, ao mesmo tempo, a insistência do BC que está perseguindo o centro da meta em um horizonte curto carece de plausibilidade: nos níveis atuais, com serviços sendo 25% do IPCA, a inflação de bens comercializáveis tem que rodar em deflação de 1,3% para a inflação cheia chegar ao centro da meta. Isso pode chegar a acontecer temporariamente, mas qualquer normalização nos componentes comercializáveis elevaria a inflação cheia de novo para acima, mais uma vez levando o mercado a questionar a credibilidade do sistema.
A nosso ver seria mais eficaz e transparente o BC reconhecer a existência do atual choque de demanda, que contribui hoje mais ou menos um por cento a inflação cheia, aumentando o centro da meta de inflação temporariamente para 5,5%. Isso já foi feito no passado quando enfrentamos choques de oferta, e não há razão prática ou teórica para não adotar igual estratégia frente a um choque exógeno de demanda. Haveria um ganho importante de transparência, alinhamento de expectativas e, quando o choque dissipar, ampla oportunidade para baixar a meta para níveis menores, preferencialmente abaixo dos 4,5%.
Tony Volpon é diretor do Nomura Securities International, Inc.
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