sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
BC acena com mais regulação e menos juros
Por Claudia Safatle - Valor 10/02
Novos e fortes sinais emitidos pelo Banco Central levaram os mercados a uma reviravolta nos últimos dias. O mais incisivo indício de mudança de "paradigma" da política monetária consta da apresentação feita pelo diretor do BC, Luiz Awazu Pereira, no encontro da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), no sábado, dia 4, na ilha de Comandatuba, na Bahia.
O diretor de Regulação do Sistema Financeiro fez, ali, um alerta importante aos economistas e analistas de mercado: a experiência de 2011, quando o BC usou a combinação de medidas macroprudenciais e juros para buscar a estabilidade econômica e financeira, foi muito bem-sucedida e veio para ficar.
A "caixa de ferramentas" do Banco Central se mostrou mais poderosa do que o BC imaginava e mais célere do que a própria taxa de juros para esfriar a demanda e, consequentemente, conter a inflação. Mirando esse raio de ação ampliado e já testado, Pereira reiterou o compromisso do BC com o centro da meta de inflação de 4,5% para o fim deste ano, que o mercado considera inalcançável.
A desaceleração da economia, no segundo semestre de 2011, foi mais acentuada do que previa o BC; há mudanças estruturais na economia que evidenciam uma taxa de juros neutra mais baixa (na casa dos 4%); e a situação internacional é desinflacionária.
Soma-se a esse conjunto um elemento novo: a enorme liquidez internacional que se avizinha. Tudo junto ampliou a margem de manobra para a redução dos juros a um dígito este ano.
"Há espaço para uma política de afrouxamento monetário no Brasil, com elevada probabilidade à concretização de um cenário que contempla a taxa de juros se deslocando para patamares de um dígito, sem comprometer o nosso objetivo de trazer a inflação para o centro da meta de 4,5% em 2012", disse ele.
No mundo com baixo crescimento e farta liquidez, a tendência é que se intensifique, e muito, o fluxo de capitais para o Brasil. Entre janeiro e os primeiros dias de fevereiro, houve um ingresso de US$ 11 bilhões.
A esperada avalanche de recursos pode inflar o crédito doméstico e comprometer a política de controle da inflação. Numa situação dessa natureza, elevar os juros aumentaria os ganhos de arbitragem e alimentaria ainda mais o ingresso de moeda estrangeira, com efeitos dramáticos sobre a taxa de câmbio.
A equação que a autoridade monetária colocou na mesa, sem prazos nem datas, é, se preciso for, usar a política de taxa de juros e as ações macroprudenciais em direções contrárias, de forma calibrada e pragmática.
A gênese da diferença entre o Relatório de Inflação de dezembro e a ata do Copom de janeiro é exatamente a abundância de liquidez, a partir das ações mais recentes do Federal Reserve Bank (Fed), nos Estados Unidos, e do Banco Central Europeu (BCE). Algo em torno de US$ 4 trilhões ou mais serão injetados nos mercados e essa enxurrada de dinheiro encontra o Brasil atrativo para o investidor estrangeiro.
A interpretação da palestra de Pereira pelos agentes do mercado foi rápida: a Selic deve cair para a casa dos 8% este ano e não mais para os 9% que imaginaram após a divulgação da ata da última reunião do Copom. O que leva à necessidade de mudança nas regras de indexação da caderneta de poupança ainda no primeiro semestre.
Outra leitura do texto de Pereira: o Brasil optou pelo modelo da Turquia. O governo turco também adotou uma abordagem "multidimensional" da política monetária, mas o resultado tem sido desastroso: a inflação subiu de cerca de 4% para uma taxa próxima a 11% ao ano em menos de 12 meses.
Fontes oficiais rechaçaram veementemente essa conclusão. Até porque as condições objetivas da Turquia diferem bastante das brasileiras, argumentam. Exemplo: o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos lá chega a 10% do PIB, a taxa de juros (equivalente à Selic) é de 5%, fortemente negativa; e há uma banda de juros para as operações de overnight entre 5% e 12%, manuseada com o intuito de evitar saídas de capitais, já que as reservas turcas são modestas.
"Não é uma aventura. É pé no chão. Não é uma quebra do regime de metas para a inflação, é um avanço", disse Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá Sekular Investimentos e ex-diretor do BC, após ler o texto. "Há uma atuação combinada das políticas fiscal e monetária e um BC que usa mais instrumentos para chegar ao mesmo objetivo", comentou, para concluir: "O BC não está simplesmente fazendo uma aposta, uma jogada de alto risco. Há uma lógica".
Na palestra, Pereira fez uma avaliação da crise de 2008 para cá, suas lições e as implicações para a economia brasileira. Um dos desdobramentos da crise, disse ele, é exatamente a atualização teórica e prática do debate sobre a melhor maneira de garantir simultaneamente a estabilidade macroeconômica e financeira.
Antes, parecia simples: a administração dos juros garantia o controle da inflação; e medidas microprudenciais asseguravam, individualmente, a estabilidade do sistema financeiro.
A realidade mostra que não era bem assim. " Podemos sempre e tempestivamente decidir, sabendo agora da sua eficácia e complementaridade, sobre o mix de medidas micro e macroprudenciais conjuntamente com a calibragem das condições monetárias, para atingir os objetivos de estabilidade macroeconômica e financeira", escreveu Pereira.
Outra lição da crise financeira internacional é que " prevenir é melhor que curar", disse, apontando a importância da regulação e da supervisão do sistema financeiro. Mesmo já regulado, é preciso, segundo ele, um reforço nos bancos com a implementação do acordo de Basileia 3.
Falta, agora, o governo mostrar qual o tamanho do esforço fiscal para compor o quadro de 2012.
Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação
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