sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Europa diz adeus à solidariedade



Por Philip Stephens - Valor 24/02

Algumas palavras são propriedade dos europeus continentais. Não costumamos ouvir muitos britânicos ou americanos falando sobre "solidariedade". A expressão pertence ao "meloso" (para as mentes anglo-saxãs) consensualismo de capitalismo de mercado social e aos profetas da unidade europeia. O que aconteceu recentemente é que a solidariedade se dissolveu. Isso explica por que o euro, e a União Europeia, estão emaranhados em tantos problemas.

Nova semana, mais um curativo. O acordo para dar sustentação à Grécia comprou mais algum tempo. O importante - ou assim somos levados a crer - é que a ferida foi cauterizada. Mais uma vez. No entanto, deve ser ululantemente óbvio para todos que, no grande esquema de coisas, a mais recente operação de salvamento é um evento secundário.

Duas coisas são necessárias para que a Grécia evite um catastrófico colapso econômico e social. Elas são relevantes tanto se os gregos continuarem usando ou deixarem de usar o euro. A primeira é vontade política suficiente na própria Grécia para reformar radicalmente o Estado e a economia; a segunda é uma disposição recíproca dos outros europeus para pagar uma conta considerável pelas falhas e fraudes de recentes governos gregos.

A questão pertinente é saber se tal barganha é possível. Os sinais não são encorajadores. Por trás dos xingamentos que marcam a relação da Grécia com os seus parceiros da zona do euro há um colapso total de confiança. Muitos europeus - e não estou falando apenas de alemães - não acreditam que os políticos em Atenas cumprirão suas promessas; muitos gregos pensam que a austeridade draconiana cobrada como preço do alívio da dívida foi calculada para punir, em vez de reabilitar. Um observador imparcial provavelmente diria que ambos os lados têm alguma razão.

Em determinado nível, a Grécia pode ser vista como exceção. A Grécia é pequena e diferente. Em maior ou menor grau, os outros países na periferia da zona do euro aproveitaram a oportunidade apresentada pela UE para se tornarem modernos Estados europeus. A Irlanda, apesar de todos os seus problemas atuais, floresceu como nação autoconfiante libertada de uma obsessão histórica com o Reino Unido. A Espanha abraçou a modernidade com entusiasmo. Os políticos gregos nunca realmente se importaram. Do ponto de vista ateniense, a atividade da UE foi uma fonte de dinheiro, em vez de inspiração política.

Portugal tem se modernizado com lentidão. Sua economia, como a da Grécia, é uma bela bagunça. Mas seus políticos demonstram uma vontade comprovável de recuperação. Portanto, o reservatório de confiança não foi esgotado. As autoridades econômicas em Bruxelas e Berlim colocam Grécia e Portugal em categorias bem distintas.

Estabelecer essa linha divisória não é tão fácil quanto gostariam esses políticos e autoridades. A razão pela qual a Grécia assumiu tal importância - afinal, os gregos respondem por apenas alguns pontos percentuais do PIB da zona do euro -, é porque as autoridades econômicas permitiram que os gregos fizessem declarações grandiosas sobre o futuro da zona do euro. O contágio não é um fato econômico, mas um produto da política.

Se os mercados tivessem sido persuadidos de que a Grécia é realmente uma exceção, os gregos poderiam ter sido postos em quarentena já há algum tempo. Em vez disso, a Grécia passou a ser vista como um teste mais amplo de intenção política - um teste, se quiser o leitor, da solidariedade na zona do euro.

Há dois tipos de solidariedade, como um ilustrativo estudo do Notre Europe, um think-tank parisiense, observou recentemente. Há o simples arranjo transacional - uma apólice de seguro comum contra a possibilidade dessa ou aquela calamidade - e há o autointeresse esclarecido que leva governos a identificarem objetivos nacionais numa estratégia compartilhada e sustentada de integração.

A União Europeia foi construída com base no segundo tipo. Foi relativamente fácil, uns 60 anos atrás. Os horrores de duas guerras mundiais, a ameaça comum da União Soviética e a insistência dos EUA proveram uma lógica irresistível ao que os pais fundadores denominaram processo de construção europeia.

Solidariedade não era a noção sentimental de sonhadores federalistas. Era parte do cálculo objetivo de interesses. Esse conceito permitiu que a França reivindicasse liderança política e a Alemanha reconstruísse sua economia e mantivesse viva a perspectiva de reunificação, ao passo que a Itália poderia aspirar à modernidade e Estados menores poderiam ter voz nos assuntos do Continente. Claro, solidariedade também pôde dizer respeito a um altruísmo elevado que fez as pessoas sentirem-se bem com si mesmas - mas, na raiz, tudo tinha a ver com autointeresse.

A moeda única era a expressão máxima desse casamento de interesses nacionais e mútuos - a crença em que o futuro econômico e político de seus membros eram tão inextrincavelmente interligados que valia a pena estabelecer uma "conta conjunta" inédita de soberania. O enorme infortúnio do projeto foi ser inaugurado apenas quando a maioria dos outros impulsos de solidariedade - memórias da Segunda Guerra Mundial, a ameaça existencial do comunismo, uma Alemanha dividida - estavam se desvanecendo.

Há ainda uma abundância de razões pelas quais seria vantajoso que as nações europeias operassem em conjunto. A mais evidente é a necessidade de uma voz num mundo que pertence cada vez mais a outro. Alemanha, França, Reino Unido, todos são pequenos demais para esse mundo. Entretanto, por mais importantes que sejam, nenhuma dessas ambições - moldar regras comerciais, combater alterações climáticas, assegurar suprimentos energéticos ou promover democracia e estabilidade parecem tão necessários ou urgentes quanto a preservação da paz europeia.

Até onde ficou evidenciada solidariedade na crise do euro, foi do tipo transacional, de soma zero: os países credores só farão X se os devedores fizerem Y. Pode-se dizer que isso é melhor que nada. Até agora, isso manteve o espetáculo em cartaz. Mas nunca explicará adequadamente por que os contribuintes setentrionais devem pagar as dívidas dos meridionais, ou por que os sulistas deveriam encarar as reformas dolorosas como oportunidade e não punição. Isso exige um outro tipo de solidariedade. (Tradução de Sergio Blum)



Philip Stephens é editor e comentarista político do FT.

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