segunda-feira, 3 de outubro de 2011
O mito das metas de inflação
Por Willy van Ryckeghem - Valor 03/10
O clamor quase unânime da parte dos analistas financeiros brasileiros contra a decisão do Banco Central (BC) de reduzir a taxa básica de juros em meio ponto percentual, no fim de agosto, instigou-me a defender essa surpreendente medida. Analistas financeiros não gostam de ser surpreendidos, pois isso faz com que pareçam ser incompetentes frente aos seus patrões. Sugiro, portanto, que reexaminem suas abordagens teóricas de controle da inflação.
A política brasileira de metas de inflação por meio de ajustamentos da taxa de juros sempre me pareceu um mito, tanto por razões teóricas quanto empíricas. O princípio básico por trás dessa política é que a elevação da taxa de juros reduzirá a atividade econômica, aumentará o desemprego e estabilizará salários e custos de produção. Se esse diagnóstico estivesse correto, elevações na taxa de juros deveriam preceder a inflação e não segui-la, como parece ser o caso do Brasil.
O economista francês Edmond Malinvaud, a quem um prêmio Nobel é há muito devido, mostrou em um famoso artigo na revista Econométrica, de 1962, que, em equilíbrio geral intertemporal, a taxa de juros real coincidirá com a taxa de crescimento da economia. Essa regra havia já sido formulada em 1948 por Maurice Allais, que recebeu o Prêmio Nobel em 1987. Se essa regra fosse seguida a taxa de juros real nunca deveria ser superior à taxa de crescimento da economia.
Portanto, uma política correta seria o Banco Central elevar a taxa Selic quando o crescimento acelerasse, e dessa forma precaver-se contra as pressões inflacionárias daí derivadas. Quando o crescimento arrefecesse, como acontece atualmente, a Selic deveria ser reduzida, que é o exatamente o que o Banco Central acabou de decidir. A vantagem desta política seria a de que ela ajuda a estabilizar não apenas a inflação, mas também a taxa de crescimento da economia.
Desde a crise financeira de 2008, a política de metas de inflação tem estado sob críticas por parte de proeminentes economistas, tais como Joseph Stiglitz, nos Estados Unidos, e Willem Buiter, na Europa. Stiglitz, por exemplo, chama a atenção que países em desenvolvimento frequentemente se deparam com elevadas taxas de inflação, devido não a deficiência na administração dos fundamentos macroeconômicos, mas sim devido à disparada dos preços do petróleo e de alimentos que pesam mais nos seus índices de preços do que nos dos países ricos.
Eu adicionaria a isto a influência dos preços regulados, tais como o da eletricidade, mencionado por Claudio Considera em recente artigo neste jornal (17 de julho). Altas da Selic não conseguiriam segurar estes preços, especialmente quando a agência reguladora (a Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel) persiste em basear-se num elevado patamar proveniente de uma fórmula errada para determinar o preço da energia elétrica.
Uma análise empírica dos dados mensais dos últimos dez anos, usando o teste de causalidade de Granger, confirma o que foi dito acima. Como esperado, os resultados mostram uma (cor)relação positiva estatisticamente significante entre inflação e a taxa Selic defasada em relação à inflação. Surpreendentemente, a (cor)relação entre a Selic e a inflação subsequente também é positiva com uma defasagem de 13 meses. Só aparece um breve impacto negativo quando a defasagem é de cinco meses. Isto significa que quando a Selic não antecipa suficientemente a inflação, ela não possui mais o desejável impacto de reduzir a inflação e, no longo prazo, pressiona os preços para cima.
Como isto é possível? Devemos lembrar que a taxa de juros básica brasileira é extremamente elevada pelos padrões internacionais, constituindo-se assim em um importante componente de custo do capital em uso e, portanto, dos custos de produção. Isto ocorre para todos os setores produtivos quer agrícolas, industriais ou mesmo de serviços. Quando os custos crescem os produtores tenderão a repassá-los para os consumidores, pressionando o IPCA.
Como então a taxa de inflação atual poderia ser controlada? Parece-me que a atual política de indexação salarial é o principal fator responsável pelo o que Larry Summers chamou de histeresis inflacionária. O aumento do salário mínimo esperado para 2012 é uma bomba relógio. Como Mario Henrique Simonsen certa vez argumentou, aumentos de salários deveriam estar amarrados à meta de inflação futura e não à inflação passada. Se a meta fosse alcançada, os salários não sofrerão perda.
A política creditícia também joga um papel importante. Os maiores bancos brasileiros estão ainda sujeitos à influência governamental: o BNDES, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, etc. O governo deveria agir junto com o Banco Central, para limitar a taxa de expansão do crédito e para àquele aumento esperado dos salários. Isto daria às empresas espaço para financiarem o capital de giro que elas necessitam para seguirem adiante. O crédito ao consumidor deveria também ser controlado de forma mais estrita.
Para finalizar, eu gostaria de sugerir que o Banco Central melhorasse a regulação da agressiva propaganda do crédito ao consumidor por parte dos bancos e financeiras, especialmente na televisão. Essa propaganda não menciona o enorme custo do crediário para o consumidor e induz as famílias a incorrer em excessivo endividamento que não poderão ser pagos no futuro.
Willy van Ryckeghem foi assessor econômico regional do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Washington e reside atualmente no Brasil. É co-autor com Geoffrey Maynard do livro "A World of Inflation".
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