segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O mercado de concentrado de urânio


Por Leonam dos Santos Guimarães - Valor 24/10

A produção do combustível que alimenta as usinas de geração elétrica nuclear é feita em uma sequência de processos industriais que se inicia na mineração e no beneficiamento, que produz concentrados de urânio. Seguem-se a conversão do concentrado em hexafluoreto de urânio e seu enriquecimento (aumento da proporção do isótopo U-235 acima do teor natural). A fabricação combustível se dá pela reconversão do hexafluoreto em dióxido de urânio, produção de pequenas pastilhas cerâmicas cilíndricas desse dióxido e montagem mecânica dessas pastilhas nos chamados "elementos combustíveis", que são o produto final entregue à usina para carregamento no reator nuclear.

Por razões mais históricas do que técnicas ou econômicas, concentrado, conversão, enriquecimento e fabricação do combustível constituem mercados separados, com diferentes fornecedores atuando em cada um deles. As utilities nucleares compram concentrado, contratam sua conversão, em seguida contratam seu enriquecimento e finalmente contratam a fabricação do combustível. Concentrado, conversão e enriquecimento são commodities. Elementos combustíveis são produtos customizados.

A oferta no mercado internacional de concentrado de urânio é composta pela produção primária das atividades de mineração e beneficiamento de fontes secundárias. O beneficiamento, isto é, produção do concentrado chamado yellow cake, é feita sempre "na boca da mina" porque os minérios de urânio são tipicamente de baixos teores, não sendo viável economicamente o transporte do minério bruto. As fontes secundárias incluem excedentes em estoque acumulados por produtores e consumidores (empresas de geração elétrica nuclear), os estoques dos governos, urânio reciclado a partir de estoques do governo e diluição (downblending) do urânio militar russo altamente enriquecido (HEU).

A indústria de produção primária de urânio é de âmbito internacional, com um pequeno número de empresas que operam em poucos países. De acordo com a World Nuclear Association (WNA) a oferta mundial de concentrado de urânio em 2010 totalizou cerca de 70 mil toneladas, dos quais aproximadamente 87% foi produzido por 10 empresas. Aproximadamente 93% da produção mundial foi proveniente de oito países, em ordem decrescente: Cazaquistão, Canadá, Austrália, Namíbia, Níger, Rússia, Uzbequistão e Estados Unidos.

Talvez o único uso pacífico do urânio é como combustível para geração elétrica. A demanda mundial pelo concentrado está, portanto, diretamente ligada à eletricidade gerada pelas usinas nucleares. De acordo com a WNA, em setembro 2011 existiam 440 usinas nucleoelétricas comerciais operando em todo o mundo, com uma potência de geração instalada total de 376,7 mil MWe, requerendo cerca de 90.000 toneladas de concentrado por ano. Estas usinas geram 14% das necessidades mundiais de eletricidade.

A tendência de aumento da construção e projeto de construção de novas usinas aumenta no mundo desde 2007. Dados da WNA mostram que em setembro de 2011, mesmo após o acidente de Fukushima no Japão, 62 usinas nucleares comerciais estavam em construção em 13 países, outras 155 sendo planejadas.

A tendência de aumento na demanda por concentrado como resultado da entrada em operação de novas usinas e do aumento dos fatores de capacidade das usinas já em operação poderia ser compensada, até certo ponto, pelo descomissionamento das usinas que atingirão o final de sua vida útil. Entretanto, o cenário de referência da previsão 2020 da WNA indica que a produção terá que aumentar substancialmente dos níveis atuais para atender os requisitos futuros.

Desde 1990, o consumo de concentrado tem ultrapassado a produção primária por uma diferença substancial. Esta lacuna de fornecimento tem sido preenchida pelas fontes secundárias. O déficit entre os requisitos mundiais de urânio e a produção primária é crescente e os estoques existentes e as demais fontes secundárias estão se esgotando.

A maior fonte secundária é o acordo russo-americano "Megatons por Megawatts". Nesse acordo, que termina em dezembro de 2013, a Rússia faz o downblend de urânio de armas nucleares em urânio de baixo enriquecimento (LEU) para uso civil. A Rússia atualmente abastece o mercado mundial com 12 mil toneladas de urânio a partir deste programa. A Rússia, entretanto, já declarou que não renovará esse acordo e o programa se encerrará após esta data.

As empresas de geração elétrica nuclear garantem uma proporção substancial de suas necessidades de concentrado por contratos de médio e longo prazos com os produtores. Os preços desses contratos são estabelecidos por uma série de métodos, incluindo reajustes por índices de inflação, preços de referência e renegociações de preços anuais. Os contratos podem conter preços mínimos, preços máximos e outras disposições negociadas que definem o preço final a ser pago na entrega.

Com base em dados fornecidos pelo Ux Consulting Company LLC e TradeTech, principais consultores do setor, o preço no mercado spot para entrega imediata no final do ano de 2010 foi de US$ 138,3 mil por tonelada de concentrado, em comparação com U$ 98,8 mil ao fim de 2009, um aumento de 40%. A média dos preços dos contratos para entrega a termo no mesmo período foi de U$ 144,4 mil para U$ 135,5 mil, uma diminuição de 7%.

O Brasil tem a 7ª maior reserva de urânio do mundo, com cerca de 300 mil toneladas de concentrado equivalente asseguradas. Poderão se somar a cerca de 800 mil toneladas adicionais inferidas, que o tornariam a 1ª ou 2ª maior reserva mundial. Porém, o país não participa do mercado internacional.

O mercado nacional é simultaneamente um monopólio (um só vendedor) e um monopsônio (um só comprador), mas seus preços não são regulados. A produção brasileira de concentrado, monopólio da União exercido pelas Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), se limita a atender ao consumo interno de cerca de 400 toneladas por ano demandado pela Eletrobrás Eletronuclear S.A. para as recargas de Angra 1 e Angra 2.

A construção de Angra 3 aumenta a demanda em 840 toneladas para a fabricação de sua 1ª carga até 2015 e, a partir de 2016, 280 toneladas adicionais por ano para suas recargas. Mas a produção nacional não tem sido suficiente para atender a demanda nos últimos anos.

Leonam dos Santos Guimarães é doutor em engenharia, membro do Grupo Permanente de Assessoria em Energia Nuclear da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Assistente da presidência da Eletronuclear

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