sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Divisor de águas?



Por Luciana Monteiro, Daniele Camba e Beatriz Cutait De São Paulo - Valor 28/10



O acordo firmado entre os líderes da zona do euro para estancar a crise da dívida soberana de alguns países da região pode ser um divisor de águas para as bolsas, especialmente a brasileira. Um senhor alívio tomou conta do mercado ontem após o anúncio de que os dirigentes europeus chegaram a um entendimento sobre um pacote de socorro para a Grécia. E a reação foi imediata: as bolsas subiram fortemente, diante da menor aversão ao risco dos aplicadores. A avaliação de muitos agora é de que o acordo pode destravar o mercado acionário brasileiro e abrir caminho para o tradicional rali de fim de ano.

Ontem, o Índice Bovespa chegou a subir 4,8% na máxima do dia e encerrou o pregão com valorização de 3,72%, aos 59.270 pontos - maior nível desde 26 de julho, quando fechou aos 59.339 pontos. O giro financeiro atingiu expressivos R$ 10,114 bilhões. Apenas a expectativa de que o acordo saísse do forno foi suficiente para acabar com o mau humor do mercado nas últimas semanas. Tanto que, no mês, até ontem, o Ibovespa acumula valorização de 13,27%, embora no ano a perda ainda seja de 14,48%. Se outubro tivesse acabado ontem, o Ibovespa teria apresentado seu melhor mês desde abril de 2009, quando subiu 15,55%.

Pelo acordo traçado, os credores dos papéis gregos aceitaram dar um desconto de 50% à dívida da Grécia. Além do pacote, um novo programa da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI), de até € 100 bilhões, será implementado até o fim do ano para os gregos. Foi criada ainda uma barreira de proteção anticontágio, com um acordo para multiplicar em até cinco vezes o poder financeiro do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF) para socorrer países e bancos em dificuldade.

O anúncio pode servir como um gatilho, ainda que de curto prazo, para uma trajetória de alta da bolsa, avalia Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos. "Os ativos estavam muito depreciados; o mercado precisava de uma notícia boa para subir e o pacote é um bom indicativo para que isso ocorra", avalia o executivo. Segundo ele, a bolsa brasileira vem sendo negociada a uma relação Preço/Lucro (P/L, que dá uma ideia do prazo de retorno para os investimentos) de 8,5 vezes - nível bem abaixo do pico de 13,5 vezes.

Bastante otimista com o futuro próximo após o plano de socorro da Europa, Walter Mendes, sócio da Cultinvest Asset Management, acredita que esse deve ser o empurrão que faltava para uma mudança de tendência dos ativos no mundo. "O mais importante no anúncio do pacote é a sinalização de que os governos europeus realmente abandonaram a postura de não ter atitude nenhuma", diz Mendes. "E é essa sinalização que os investidores tanto esperavam".

O passado recente comprova como o cenário melhora quando os governos mostram vontade política diante de problemas ou até de uma crise, como a europeia, lembra Mendes, do alto da experiência de quem já viveu muitos momentos de turbulência. "A situação dos Estados Unidos hoje não é nenhuma maravilha, mas melhorou muito com todos os sinais de boa vontade do governo Obama", diz.

Mendes descarta a possibilidade de o mercado voltar a andar para trás, caso as medidas demorem a ser implementadas. "A essa altura, todo mundo já sabe que não existe uma bala de prata para resolver a crise num único disparo", diz. "O importante é o pacote ir saindo do papel, não importa a velocidade", afirma.

A sinalização dada pela Europa pode ser considerada um bom começo para uma recuperação dos mercados. Apesar das preocupações com a inflação no Brasil e do desaquecimento das economias emergentes, com destaque para a China, Pedro Martins Junior, estrategista de renda variável para América Latina do Bank of America Merrill Lynch, observa que a percepção de risco tem mudado substancialmente nas últimas semanas.

Os dados de atividade econômica dos EUA têm mostrado uma evolução, reduzindo o risco de recessão do país, ressalta Martins Junior. O pacote europeu também diminui a probabilidade de repetição de uma crise como a de 2008, iniciada com a quebra do banco Lehman Brothers. "Mesmo que a solução na Europa ocorra a conta-gotas, está se materializando uma visão de que a catástrofe envolvendo algum país ou instituição financeira está sendo evitada", analisa o estrategista. "E isso tudo está acontecendo num cenário de alocação de recursos extremamente defensivo, de posições de caixa muito elevadas, o que potencializa o movimento em bolsa", afirma Martins Junior.

Apesar das boas sinalizações, o estrategista do BofA considera cedo para afirmar que o mercado acionário brasileiro está iniciando uma trajetória de alta. "Para que entremos num 'bull market', precisamos eliminar no campo doméstico a preocupação com a inércia da inflação e, no externo, com a desaceleração mais rápida dos emergentes", destaca.

Mas não há apenas analistas que acreditam que o mercado conseguiu virar de uma vez por todas a página do longo movimento de baixa das ações. Há quem ache que a alta de ontem foi apenas um rápido respiro. Para Leonardo Sapienza, economista-chefe do banco Votorantim, o anúncio das medidas é algo importante, mas não é tudo. "Continuo bastante cético com a implementação das medidas que faltam para estancar a crise europeia", diz Sapienza.


Depois de assistir de camarote, o aplauso



Por Daniele Camba
Depois de ficar de fora, assistindo de camarote o anúncio do pacote de medidas para debelar a crise europeia, o investidor aplaudiu - e com gosto. Isso porque gostou de, enfim, os governos europeus pararem de blá, blá, blá, decidindo agir de forma efetiva para tirar a Europa do caos em que se encontra há meses.

Os aplausos foram suficientes para fazer o Índice Bovespa subir quase 5% durante o pregão, fechando em alta de 3,72%, aos 59.270 pontos. Essa é a maior pontuação desde 26 de julho, quando o indicador encerrou os negócios aos 59.339 pontos.

Com a alta de ontem, o Ibovespa acumula uma valorização em outubro de 13,3%. Se o mês terminasse ontem, seria a primeira valorização mensal dos últimos sete meses, já que a última vez que o Ibovespa fechou um mês com valorização foi em março. Vale lembrar também que essa alta de 13,3% é o melhor desempenho desde abril de 2009, quando o indicador subiu 15,55%.

O volume financeiro de ontem, de R$ 10 bilhões, é a prova de que o pacote de medidas encorajou gregos e troianos (com perdão do trocadilho com a crise grega) a tirarem o dinheiro que estava em caixa para ir às compras. Para se ter ideia, esse giro na casa dos R$ 10 bilhões é condizente com dias de eventos específicos, como leilões ou vencimento de opções (direito de comprar e vender um ativo, a um determinado preço, em uma data futura) de ações.

O entusiasmo do mercado foi tamanho que, durante boa parte da manhã, não havia sequer uma ação do Ibovespa registrando queda, por menor que fosse. Segundo analistas, os investidores estrangeiros, que não queriam nem ouvir em ativos de risco, como as ações de mercados emergentes, também deram o ar da graça no pregão de ontem.

Um sinal disso é que algumas corretoras de bancos estrangeiros, tradicionalmente mais atuantes entre o público internacional, estiveram entre as maiores compradoras de ontem.

Esse ânimo gigantesco não foi privilégio apenas do mercado local. Ontem, o índice Standard & Poor's (S&P 500), da Bolsa de Nova York, fechou em alta de 3,43%, aos 1.284 pontos. Com essa valorização, o indicador da bolsa americana já acumula uma alta em outubro de 14%. Isso representa, até então, a maior valorização mensal do índice americano desde 1974, ou seja, algo nada desprezível.

Para os mais animados, vale lembrar que a guerra ainda não está totalmente ganha. Os governos europeus precisam responder várias perguntas sobre como as medidas serão postas em prática. Por exemplo, de onde virá o caminhão de dinheiro para aumentar o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF) dos atuais € 440 bilhões para € 1 trilhão.

A continuidade do movimento de valorização das ações depende dessas respostas e que elas sejam positivas, claro.

Daniele Camba é repórter de Investimentos

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