Valor 31/10
A euforia que tomou conta dos mercados após o anúncio do pacote de socorro à Grécia e aos bancos europeus teve efeito direto no dólar, que perdeu valor ao redor do mundo, incluindo o Brasil. A tendência no curto prazo deve se manter nessa direção, segundo especialistas. A explicação é o cenário internacional mais positivo, com a redução do risco de ruptura no sistema financeiro, além da volta do fluxo de recursos para o país, intenso nos últimos dias.
A expectativa é de que a reestruturação da dívida grega e a intenção de recapitalização dos bancos evitem a contaminação de outros países da região, como a Itália e a Espanha. Nesse caso, o dólar ainda deve perder valor em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde os fatores externos estão entre os principais determinantes da moeda brasileira, explica Cristiano Souza, economista do Santander.
Souza ainda acredita em momentos de nervosismo nos mercados, com a moeda americana atingindo uma cotação perto de R$ 1,75 no fim do ano. Mas o patamar deve cair para R$ 1,65 já em 2012. "A solução apresentada na Europa ainda precisa ser testada, mas se o pacote evitar o contágio, a tendência do dólar é de apreciação", diz.
Há bancos que acreditam que o dólar possa encerrar o ano em um patamar ainda mais baixo do que o atual. "Esperamos uma acomodação ao redor de R$ 1,65", diz André Hübner, diretor de Global Markets do HSBC. O nível seria o mesmo no fim de 2012, completa.
Um sinal importante de que essa direção deve mesmo ser a mais provável no curto prazo é o posicionamento dos investidores estrangeiros no mercado de dólar futuro da BM&F. Os fundos internacionais voltaram a apostar contra o dólar na bolsa brasileira desde o início da semana passada.
A posição passou a ser novamente "vendida" - aposta na valorização do real - mesmo sujeita à IOF. A exposição líquida desses investidores chegou a US$ 2,75 bilhões, pelos dados da bolsa da quinta-feira - incluindo contratos de dólar e cupom cambial. Segundo operadores de mercado, essa posição deve ter subido cerca de US$ 1 bilhão na sexta-feira, tamanha a movimentação nas mesas internacionais.
Outra fonte de pressão tem sido a volta do fluxo real de divisas para o Brasil, reflexo tanto da redução da aversão ao risco, que trouxe de volta parte dos aplicadores internacionais, quanto da internalização de recursos captados por empresas brasileiras no exterior recentemente. A Eletrobras fez uma emissão em dólares de US$ 1,75 bilhão e a OSX fechou um empréstimo sindicalizado de US$ 850 milhões.
O fluxo ainda pode se manter nas próxima semanas. Há outras grandes companhias esperando uma janela para buscar mais dinheiro lá fora, como Petrobras, Banco do Brasil e JBS. Mas vale lembrar da sazonalidade da economia brasileira, com grandes remessas de lucros e dividendos das multinacionais todo o fim de ano, diz Hübner, do HSBC.
Como consequência da melhora global e da volta do fluxo de dólares, a moeda brasileira teve forte apreciação sobre a americana, de expressivos 4,5% em apenas dois dias, com o dólar fechando abaixo do piso psicológico de R$ 1,70, cotado a R$ 1,684.
"Até a virada do ano, a chance é de melhora dos mercados", avalia Jayro Rezende, operador de câmbio da corretora Banif. Segundo ele, o problema de ruptura na zona do euro foi mitigado e os ativos sofreram uma correção muito grande, diz. "Mas se a solução vai ser efetiva ou duradoura ninguém sabe", pondera Rezende.
Na própria sexta, a Itália viu uma elevação dos custos de captação, o que ligou o sinal de alerta dos investidores. O euro voltou a perder valor no fim do dia em relação ao dólar, depois de ter chegado à máxima de quase dois meses, mostrando que novos momentos de volatilidade devem surgir ao longo do processo.
Atuação do BC sinaliza que piso para moeda está abaixo de R$ 1,70
Por Fernando Travaglini De São Paulo
A puxada do dólar nos últimos dois dias da semana passada, com a cotação da moeda americana perdendo mais de 4% em relação ao real, trouxe o Banco Central (BC) de volta ao mercado. Mas a atuação da autoridade monetária esteve longe de significar uma intervenção para conter a queda da moeda. Ao contrário, o mercado entendeu que o piso para o dólar está bem abaixo do patamar atual, de R$ 1,68.
"O BC só deve entrar comprando câmbio (no mercado à vista) se a cotação cair abaixo de R$ 1,60", acredita André Hübner, diretor de Global Markets do HSBC. Segundo ele, a preocupação da autoridade parece ser mais com a liquidez do que com a cotação da moeda americana.
A autoridade monetária fez uma consulta aos bancos na quinta-feira se haveria interesse em rolar os contratos de swap que mantinha em aberto na BM&F, em um movimento inesperado pelos investidores.
Causou surpresa também a taxa na data da consulta, na casa de R$ 1,70. O BC só oferece swaps tradicionais - equivalentes a uma venda de dólar no mercado futuro - em momentos de alta acentuada do dólar, como ocorreu no auge do aperto de liquidez de setembro, quando a cotação chegou a bater em R$ 1,96.
Mais do que a operação em si, que mexeu pouco com o mercado, os investidores buscaram na ação do BC sinais de como a autoridade vê o atual nível do dólar. E a percepção é de que a o BC não se mostra incomodado com a cotação corrente.
O BC detinha uma posição líquida vendida de US$ 1,3 bilhão, em contratos de swap na BM&F - composta por operações tanto tradicionais quanto reversas. Como o BC rolou apenas parte da oferta de swaps tradicionais, a posição líquida vendida foi reduzida. O resultado, portanto, foi equivalente a uma compra de dólares no mercado futuro, justamente o que os agentes demandavam.
Essa foi a senha para uma queda acentuada da moeda americana ao longo do dia, fechando abaixo da casa de R$ 1,7 pela primeira vez desde o começo de setembro, com uma desvalorização de 1,46% na sexta-feira.
"O BC passou a informação para o mercado que se alguém está pensado que existe um piso em R$ 1,70 está enganado", disse um operador de câmbio. Mas essa mesma fonte pondera que a rolagem pode ter sido apenas um movimento técnico do BC. "O mercado sempre tenta encontrar um sinal, mas pode ter sido uma simples rolagem", afirma. O fato é, continua, que o mercado ficou mais "tranquilo" após o leilão, e a moeda continuou caindo.
A semana foi movimentada. A expectativa ficou em torno do anúncio de uma solução para a crise na Europa. Divulgado o acordo para perdão de parte da dívida grega e de recapitalização dos bancos da região, o mercado foi tomado pela euforia.
A valorização do real, no entanto, foi mais intensa do que outras divisas internacionais, mesmo comparado aquelas que têm forte relação com as commodities. A explicação colhida nas mesas de câmbio é o efeito da disfuncionalidade do mercado brasileiro pós-IOF. O real estaria "atrasado", segundo expressão usada por um dos operadores de câmbio.
Mas o fluxo de divisas para o país, de fato, foi mais expressivo, contribuindo para uma apreciação acentuada da moeda brasileira. A movimentação de alguns bancos foi intensa para liquidar a entrada de moeda estrangeira. O resultado é que o estoque de dólares na mão das instituições financeiras deve ter superado o patamar de US$ 5 bilhões - já que o Banco Central não realiza leilões de compra no mercado à vista desde meados de setembro.
O cenário do BC, segundo ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgado na quinta-feira, é de certa "estabilidade" para a taxa de câmbio. Mas a autoridade, como sempre faz questão de deixar claro nas suas comunicações, não trabalha com meta de câmbio e suas intervenções servem apenas para atenuar os movimentos de mercado e acumular reservas.