quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Merkozy falhou na zona do euro


Por Martin Wolf - Valor 07/12

O novo acordo: Uma solução ousada para os dilemas do continente ou um mingau de euro? Duas cabeças, costuma-se dizer, pensam melhor do que uma. No caso do encontro entre Angela Merkel, chanceler da Alemanha, e Nicolas Sarkozy, o presidente francês, não foi o que aconteceu. Se as conclusões dão cobertura a uma decisão do Banco Central Europeu (BCE) - de intervir mais nos mercados de dívida pública -, isso poderia oferecer algum alívio. Mas, como os Bourbons, os líderes parecem nada ter aprendido nem esquecido.

O que foi acordado? As decisões parecem incluir: não impor aos detentores privados de títulos arcarem com os prejuízos assumidos com os pacotes de socorro na zona do euro, apesar de uma reestruturação voluntária continuar possível; maior probabilidade, embora sem caráter automático, de sanções contra países que não permaneçam dentro dos limites dos déficits orçamentários; inserção de uma exigência de orçamento equilibrado na legislação interna dos países membros; introdução do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), o instrumento de socorro permanente - em junho de 2012, em vez de junho 2013; e reuniões mensais dos chefes de Estado europeus e dos governos, durante a crise, para supervisionar a política de coordenação.

Está descartado, assim, o "envolvimento forçado do setor privado" no reescalonamento da dívida, o que irá deliciar o BCE. Estão descartadas sanções automáticas contra "pecadores" fiscais e uma apreciação, pelo Tribunal de Justiça Europeu, de violações das regras fiscais. Isso irá deliciar a França, que também obteve a concordância de que um acordo intergovernamental entre os membros da zona do euro poderia assumir o lugar de um novo Tratado da União Europeia. A Alemanha não saiu com as mãos completamente vazias: os alemães conseguiram, mais uma vez, descartar os "eurobônus" - uma emissão conjunta de dívida soberana. Mas não parecem ter conseguido muito.

Poderá esse acordo incentivar o BCE a intervir mais vigorosamente nos mercados de dívida soberana? Mario Draghi, seu novo presidente, disse ao Parlamento europeu na semana passada que um acordo no sentido de obrigar os governos a respeitarem parâmetros de finanças públicas seria "o elemento mais importante para começar a restaurar a credibilidade" junto aos mercados financeiros. "Outros elementos poderiam se seguir, mas a ordem de sequência é relevante", acrescentou. As medidas fiscais e de reforma anunciadas pelo governo tecnocrata em Roma poderão ajudar a dar ao BCE o sinal verde para os "outros elementos". Na segunda-feira, os mercados reagiram esperançosos: os títulos espanhóis com maturação de 10 anos caíram para 5,2% e os italianos baixaram para 6,3%. Mas a Standard & Poor decidiu colocar a zona euro sob vigilância negativa. Fragilidade continua a ser a palavra de atenção.

A cúpula na sexta-feira é um momento de enorme importância. O que temos ouvido de Sarkozy e Merkel não gera confiança. O problema é que a Alemanha - potência hegemônica da zona do euro -, tem um plano, mas esse plano é também um tanto errôneo. A boa notícia é que oposição na zona do euro impedirá sua plena aplicação. A má notícia é que nada melhor parece estar à disposição.

A fé alemã diz que prevaricação fiscal está na origem da crise. Se a Alemanha aceitasse a verdade, teria de admitir ter desempenhado um grande papel no infeliz desfecho.

Dê uma espiada no déficit fiscal médio de 12 significativos (ou pelo menos reveladores) membros da zona do euro entre 1999 e 2007, inclusive. Todos os países, exceto a Grécia, caíram abaixo do famoso limite de 3% do Produto Interno Bruto. Com uma aplicação desse critério, escapariam ilesos todos os membros hoje atingidos pela crise, à exceção da Grécia. Além disso, os quatro piores casos depois do grego seriam Itália e então França, Alemanha e Áustria. Por seu turno, Irlanda, Estónia, Espanha e Bélgica tiveram bons desempenhos ao longo desses anos. Depois da crise, o cenário mudou, com enorme (e inesperada) deterioração nas posições fiscais da Irlanda, de Portugal e da Espanha (embora não da Itália). No geral, porém, os déficits fiscais eram inúteis como indicadores de crises iminentes.

Agora consideremos a dívida pública. Com base nesse critério, teriam sido detectados problemas com a Grécia, Itália, Bélgica e Portugal. Mas Estônia, Irlanda e Espanha tinham posições de endividamento público muitíssimo melhores que a da Alemanha. De fato, com base em seu déficit e no desempenho de sua dívida, a Alemanha pré-crise chegava a parecer vulnerável. De novo, após a crise, o quadro transformou-se rapidamente. A história da Irlanda é surpreendente: em apenas cinco anos o país sofreu um salto 93 pontos percentuais na proporção entre sua dívida pública líquida e seu PIB.

Considere a média de déficits em conta corrente no período de 1999 a 2007. Segundo esse critério, os países mais vulneráveis eram Estônia, Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda e Itália. Assim, temos um indicador útil. Essa, portanto, é uma crise do balanço de pagamentos. Em 2008, o financiamento privado dos desequilíbrios externos sofreu "paradas súbitas": o crédito privado foi cortado. A partir de então, fontes oficiais têm sido acessadas como financiadoras.

Se o país mais poderoso da zona do euro recusa-se a reconhecer a natureza da crise, a zona do euro não tem nenhuma possibilidade de remediá-la ou de impedir uma recorrência. Sim, o BCE poderia tapar as rachaduras. No curto prazo, essa intervenção é até mesmo indispensável, pois é necessário tempo para ocorrerem ajustes com o exterior. Em última instância, no entanto, o ajuste externo é crucial. Isso é muito mais importante do que austeridade fiscal.

Na ausência de ajuste externo, os cortes fiscais impostos aos membros frágeis apenas causarão uma recessão prolongada e profunda. Depois que o papel do ajuste externo for reconhecido, a questão central passa a ser não austeridade fiscal, mas as necessárias mudanças de competitividade. Se descartarmos saídas de países da união, isso exigirá uma economia da zona euro aquecida, inflação mais alta e vigorosa expansão do crédito em países superavitários. Tudo isso agora parece inconcebível. É por isso que os mercados têm razão em mostrarem-se tão cautelosos.

Talvez, o "mingau" acordado em Paris permita que o BCE aja. Quem sabe, isso também traga um período de paz, embora eu duvide. Mas a zona do euro ainda está em busca de remédios eficazes para o longo prazo. Não lamento que a Alemanha não tenha conseguido impor disciplina fiscal ainda mais automática e mais dura, uma vez que essa exigência se baseia no não reconhecimento do que efetivamente deu errado. Isso é, no fundo, uma crise de balanço de pagamentos. Solucionar crises de pagamentos dentro de uma economia grande e fechada exige enormes ajustes de ambas as partes. Essa é a verdade. Todo o resto é papo furado. (Tradução de Sergio Blum)

Martin Wolf é editorialista e principal comentarista econômico do FT

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