quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Visão de Keynes sobre probabilidade
Por John Kay - Valor 15/08
Em semanas recentes, descrevi como as pessoas consideram riscos. Elas usam abordagens muito diferentes daquelas incorporadas nos modelos de finanças quantitativas e teorias da decisão. Elas são influenciadas pelo que é saliente, e não pelo que é provável. Eventos que são excepcionalmente improváveis - ganhar um grande prêmio de loteria ou o rapto de uma criança por um pedófilo - influenciam o pensamento das pessoas em grau desproporcional porque chamam a atenção. Poucas pessoas pensam sobre incerteza em termos de distribuições estatísticas e são capazes de atribuir probabilidades cuja soma seja 100% a um conjunto bem definido de resultados díspares. Em vez disso, as pessoas contam histórias sobre o futuro.
Fazemos essas coisas não por que somos irracionais, em qualquer sentido comum da palavra, ou porque sejamos matematicamente analfabetos, apesar de muitas pessoas que tomam decisões, grandes e pequenas, sejam de fato irracionais e ignorantes sobre matemática básica. Nós fazemos essas coisas porque é impossível lidar com um mundo complexo e o grande volume de informações sobre ele com que nos defrontamos sob outros ângulos.
Todo mundo conhece as idéias de John Maynard Keynes sobre política macroeconômica, porém muito menos gente sabe de suas contribuições à teoria da probabilidade. Esse foi o tema de sua dissertação para admissão ao King's College, em Cambridge, antes da Primeira Guerra Mundial. Keynes obteve o cargo e rapidamente estabeleceu-se como uma figura pública. Após ele ter abandonado enojado a Conferência de Versalhes que, temporariamente, levou a guerra a um fim, ele converteu essa experiência num livro. Seu biógrafo, Robert Skidelsky, acredita que para compreender a abordagem de Keynes à teoria da probabilidade é fundamental compreender grande parte do restante de seu trabalho - e eu acho que ele está certo.
Keynes acreditava que o ambiente financeiro e de negócios é caracterizado por "radical incerteza". A única resposta razoável para a pergunta "qual será a taxa de juros daqui a 20 anos?" é "simplesmente não sabemos". E esse foi um comentário premonitório: 20 anos após a publicação de "Um Tratado sobre Probabilidades" por Keynes nos levam a 1941, quando o Reino Unido lutava pela manutenção de sua existência num momento crucial da Segunda Guerra Mundial. Keynes tinha visto o futuro mais claramente do que a maioria, mas quando se tratava de como eventos específicos se desdobrariam, ele simplesmente não sabia. Como todo mundo.
Para Keynes, probabilidade tinha a ver com credibilidade, e não frequência. Ele negou que nosso pensamento pudesse ser descrito por uma distribuição de probabilidades associada a todos os possíveis eventos futuros, uma distribuição estatística que poderia ser desvendada por meio de análises astutas - ou descoberta apresentando um menu de apostas alternativas. Na década de 1920 ele se envolveu em uma batalha intelectual sobre essa questão, em que os protagonistas principais, de um lado, eram Keynes e o economista Frank Knight, de Chicago, contra Frank Ramsey, um filósofo de Cambridge, e posteriormente Jimmie Savage, também de Chicago.
Keynes e Knight perderam esse debate, e Ramsey e Savage venceram, e a abordagem probabilística manteve sua primazia acadêmica a partir de então. A principal razão foi a comprovação, por Ramsey, de que qualquer pessoa que não siga seus preceitos - qualquer pessoa que não aja com base em uma avaliação subjetiva de probabilidades de eventos futuros - sairia sempre perdedor, ficaria "Dutch booked".
Alguns acadêmicos holandeses buscaram, infrutiferamente, rastrear as origens desse termo ofensivo. Um "Dutch book" ("livro holandês") é um conjunto de opções tal que uma seleção aparentemente atraente entre elas faz com que a pessoa que as seleciona perca dinheiro na certa.
Eu costumava dizer aos alunos que me indagavam sobre a premissa de comportamento "racional" nos mercados financeiros - onde médias racionais são baseadas em probabilidades bayesianas subjetivas - que pessoas tinham que se comportar dessa maneira por que, se não o fizessem, pessoas iriam bolar esquemas capazes de ganhar dinheiro à sua custa. Eu hoje acredito que a observação é correta, mas não implica o corolário que eu pretendia. As pessoas não se comportam de acordo com essa teoria, e a consequência é que outros, nos mercados financeiros, de fato criam mecanismos com os quais ganham dinheiro a custa das pessoas.
Na realidade, é nisso que se baseia uma proporção lamentável da atividade no mercado financeiro. O maior e mais famoso "livro holandês" seria o conjunto de engenhosos produtos estruturados que o RBS adquiriu ao comprar o ABN Amro, banco com sede em Amsterdã. Nós sabemos o que aconteceu depois. (Tradução de Sergio Blum)
John Kay é professor visitante na London School of Economics. Publicou diversos livros, entre eles "Obliquity: Why our goals are best achieved indirectly" (obliquidade: por que a melhor maneira de alcançar nossos objetivos é indiretamente),
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