terça-feira, 14 de agosto de 2012
Sustentabilidade da taxa de câmbio
Por Yoshiaki Nakano - Valor 14/08
Para promover a recuperação e a retomada do crescimento da economia brasileira, a taxa de câmbio deve ser competitiva, estável e sustentável. Na atual conjuntura econômica, essa última condição é essencial, pois a economia foi dominada, nos últimos oito anos, por uma supervalorização e estamos agora pagando o "preço" com recessão na indústria, forte desindustrialização e várias distorções, que precisam ser corrigidas urgentemente. Não se trata apenas de perda de competitividade nos mercados externos, mas também de elevação dos salários reais e demais custos domésticos, decorrentes indiretamente da apreciação cambial, que provocou a invasão no mercado doméstico das importações, afetando profundamente o ânimo dos empresários. Quebrou-se o que há de mais precioso para a retomada do processo de desenvolvimento, "o espírito animal dos empresários".
A exposição da indústria de transformação brasileira a uma competição desleal, com desvalorizações competitivas do dólar e de outras moedas asiáticas, "a guerra cambial", tornou inócuas as tarifas e demais instrumentos de política comercial. Isso contaminou completamente as expectativas de longo prazo do empresariado, gerando um profundo desânimo. Não adianta a taxa de câmbio ser, momentaneamente, competitiva se os empresários não acreditarem na sua sustentação num horizonte longo de tempo, pois eles não retomarão os investimentos produtivos. Para qualquer decisão de investimento, o empresário precisa estimar as receitas e as despesas, a partir de seus principais determinantes, para estimar o fluxo de caixa e a taxa de retorno, considerando um horizonte temporal de pelo menos dez anos. Como formar essas expectativas se a taxa de câmbio for volátil, instável e não houver garantia de que o governo vai criar e manter as condições de sustentabilidade da competitividade no longo prazo?
Por exemplo, se a taxa de juros doméstica não for igual à internacional, a taxa de câmbio não será sustentável porque esta se transforma num preço de um ativo financeiro, determinado pelo fluxo de capitais, sujeito a booms de entrada e paradas súbitas. Se for equalizada por um imposto regulatório de equalização de taxa de juros, o IOF na sua origem, o fluxo de capitais pode se equilibrar, mas dado que, em qualquer economia, temos infinitos tipos de ativos, portanto infinitas taxas de juros ou retorno, a tarefa é tão complexa que é eficaz se for momentânea. A rigor, se a taxa de juros doméstica for igual à internacional, a taxa de câmbio será determinada apenas pelas importações e exportações, e, neste caso, as flutuações serão mais de longo prazo e pode trazer equilíbrio externo e níveis de endividamento externo sustentáveis.
Da mesma forma, a política fiscal tem efeito crucial sobre a taxa de câmbio. Se a política fiscal for excessivamente expansionista, a demanda agregada poderá crescer acima da oferta, como tem acontecido nos últimos anos no Brasil, forçando um déficit em transações correntes e ampliação excessiva do passivo externo. Se a política fiscal for deficitária, a dívida pública crescerá, podendo o governo se tornar insolvente. Em ambos os casos afetará negativamente as expectativas de longo prazo, particularmente dos empresários que tem que tomar decisões de investimentos, mas antes que se chegue à insolvência, o mercado financeiro antecipará os efeitos de uma crise fiscal (inflação, tributação adicional, desvalorização cambial, deságio na divida pública, etc) retirando capitais do país e desencadeando as chamadas crises cambiais.
Desta forma, se as políticas monetária, fiscal e cambial não estiverem alinhadas e sincronizadas, a taxa de câmbio não será sustentável.
Sem dúvida nenhuma, a taxa de câmbio é o preço macroeconômico mais importante para países em desenvolvimento como o Brasil. As economias em desenvolvimento são financeiramente vulneráveis (a ataques especulativos, sudden stops, endividamento excessivo etc.), tem "pass through" da taxa de câmbio para inflação significativo e descasamento cambial nos balanços. Por isso, é objeto de acompanhamento de qualquer banco central pragmático.
De fato, a taxa de câmbio pode ser a âncora nominal ou desestabilizadora do nível geral de preços; determina o salário real e, portanto, a margem de lucro das empresas, especialmente no setor de tradables; determina no médio e longo prazos o endividamento externo do país podendo desencadear crises cambiais; e por ser um preço relativo, entre bens e serviços tradables e não-tradables, determina a alocação de recursos entre eles. Daí porque a divergência entre o que os bancos centrais declaram formalmente ser o regime cambial de livre flutuação e sua prática, de intervenção massiva, como mostra a literatura sobre "Fear of Floating" e "Fear of Appreciation". Nos países em desenvolvimento, mesmo os bancos centrais mais "ortodoxos" acabam intervindo no mercado cambial, tanto para evitar as flutuações excessivas, como a apreciação excessiva, que tem sido desestabilizadora com efeitos negativos sobre o crescimento econômico.
Para concluir, o que estamos assistindo nos países em desenvolvimento é, na prática, uma crescente intervenção esterilizada no mercado de câmbio, o que já se tornou convencional. Os bancos centrais passam a ter duas metas: a taxa de inflação e a taxa de câmbio. Para alcançar estas metas utilizam-se de dois instrumentos simétricos: compra e venda de moeda nacional no mercado aberto para controlar a taxa de juros, visando controlar a inflação e, compra e venda de moeda estrangeira no mercado cambial, para controlar a taxa de câmbio, buscando o equilíbrio externo e desenvolvimento econômico. O pressuposto é que a taxa de juros doméstica seja igual à externa em condições normais. Se a taxa de juros doméstica precisar ficar temporariamente acima da internacional, o imposto de equalização de taxa de juros (IOF) entra em ação temporariamente.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP
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