sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A solidariedade europeia



Por Peter Sutherland - Valor 10/08

Quando Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, proclamou publicamente que o BCE fará "o que for necessário" para assegurar a estabilidade futura do euro, o efeito de suas observações foi imediato e notável. O custo da tomada de empréstimos caiu drasticamente para os governos da Itália e da Espanha; os mercados de ações subiram e o recente declínio no valor externo do euro foi contido.

Ainda não está claro quão duradouros serão os efeitos da intervenção de Draghi - ou o apoio público que lhe é proporcionado por Angela Merkel, a chanceler alemã, por François Hollande, o presidente francês, e por Mario Monti, o primeiro-ministro italiano. O que podemos dizer com certeza é que os comentários de Draghi e a reação que eles evocaram demonstram que os problemas fundamentais da zona do euro não são essencialmente financeiros ou econômicos, são políticos, psicológicos e institucional.

Os observadores internacionais reconheceram em tal medida o compromisso de Draghi de fazer "o que for necessário" para salvar o euro porque muitos deles chegaram a duvidar do comprometimento de outros principais atores europeus de fazerem o mesmo. (Algumas dessas dúvidas são, naturalmente, produto de auto-interesse político ou financeiro; um certo modelo de capitalismo financeiro vê o euro como uma ameaça, e seus adeptos farão tudo o que puderem para provocar sua extinção.)

Mas a incapacidade dos líderes da zona do euro de amenizar dúvidas sobre seu engajamento com o euro, após dois anos e meio de crise, sugere que o problema está profundamente enraizado. Em sua defesa, os ministros da zona do euro citam o conjunto de reformas que introduziram nos últimos 30 meses, que promoverão uma modernização econômica, saneamento das finanças públicas e coordenação econômica mais estreita.

Infelizmente, muitas dessas reformas serviram como "atividade de deslocamento" - válidas em si mesmas, mas não para reagir à questão urgente: estão os maiores e mais prósperos membros zona do euro inteiramente comprometidos com sua manutenção?

Ninguém duvida que a Alemanha e a maioria dos outros membros da zona do euro prefeririam a manutenção da moeda única. A preocupação hoje é se essa preferência poderá ser atropelada por considerações políticas nacionais ou pelo ressentimento diante do ritmo lento da reforma em alguns países da zona euro.

Com efeito, um provérbio alemão que diz que "é bom confiar, mas é melhor controlar" tem sido a base da política de líderes da zona do euro desde que a crise da dívida dos países desenvolvidos se abateu sobre o sistema de governança da moeda única. A implicação é clara: a confiança entre os membros da região não pode ser tida como assegurada, tem que ser conquistada e mantida.

As limitações dessa abordagem foram agora reveladas. Embora os países mais ricos da zona do euro tenham efetivamente feito muito para ajudar seus vizinhos em dificuldades, eles o fizeram de maneira intrusivamente condicional, transitória e incremental.

Em determinado nível, é inteiramente compreensível que a Alemanha e outros países da zona do euro devam exigir garantias de que seus recursos não serão desperdiçados. Mas essa constante necessidade de tranquilizar (os envolvidos) - no sentido de limitar ao mínimo os riscos e o envolvimento necessários - desperta o temor de que em algum momento a Alemanha e outros países considerarão insuficientes as garantias de seus parceiros e intoleráveis os riscos que correm para ajudá-los. Se, e quando, isso acontecer, a morte do euro não estará muito distante.

O Tratado de Roma, firmado em 1957, representou uma nobre e ambiciosa mudança na história europeia. Solidariedade e previsibilidade em relações internacionais, baseadas em instituições e interesses comuns, poderiam assegurar prosperidade e estabilidade à Europa com eficácia, muito mais do que o arriscado malabarismo diplomático tradicional, cujos praticantes muitas vezes fracassaram.

O euro foi fundado nesse espírito de solidariedade, e sua contribuição para a limitação de instabilidade econômica e financeira na Europa nos últimos cinco anos não deve ser subestimada. O exemplo da década de 1930 é um lembrete de como as coisas poderiam ter sido piores. A tentação dos líderes da zona do euro de reverter a modelos anteriores e desacreditados de relacionamentos europeus foi suportável por um tempo, mas já atingiu o limite de sua tolerablidade.

Minha impressão é que a opinião pública e política alemã está começando a reconhecer a devastação econômica de uma ruptura do euro para a Europa e a Alemanha. Os políticos alemães têm a responsabilidade democrática importante de reforçar essa percepção e de defender os passos necessários para evitar uma catástrofe.

Não pode fazer parte de uma democracia em bom funcionamento que os líderes escondam verdades desagradáveis de seus eleitores. Seria uma ilusão imaginar que basta à zona euro seguir seu caminho atual para assegurar o futuro da moeda única. A atual trajetória acentua inaceitavelmente as diferenças entre Estados membros de uma maneira que é politicamente e economicamente insustentável a longo prazo.

A filosofia de controle e reciprocidade que até agora caracterizou a maneira como a zona do euro tem enfrentado sua crise de governança precisa ser substituída por um instrumento de solidariedade e tudo o que dele decorre. Isso significa uma política econômica mais equilibrada no âmbito da zona euro, um reforço no papel do BCE, uma real união bancária e financeira, e um roteiro para mutualização parcial e condicional da dívida herdada.

Os líderes da zona do euro têm falado sobre tudo isso, mas chegou a hora para engajamentos inequívocos e um calendário realista de ação. Estamos agora perigosamente perto do momento em que "empurrar com a barriga" poderia dar lugar a nova crise. Assim, o zelo moralista do Bundesbank em afirmar que suas responsabilidades são de alguma forma mais graves - e implicam mais obediência - do que as de outros bancos centrais é perigosamente equivocado. "Nein" apenas traz a calamidade para mais perto.

Nenhum dos problemas financeiros europeus pareceria remotamente difícil, hoje, se as dúvidas sobre o futuro da zona do euro tivessem se dissipado dois anos atrás. No longo prazo, solidariedade é uma opção mais barata para todos os envolvidos, ao passo que sua ausência poderia tornar-se ruinosamente cara no futuro previsível. (Tradução de Sergio Blum).



Peter Sutherland foi Comissário da UE para Políticas de Concorrência. Copyright: Project Syndicate, 2012.



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