quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O que está barato na bolsa?


Valor 09/08


Em momentos como o atual, de grande incerteza e volatilidade nas bolsas, fica difícil para os investidores saber o que está caro ou barato no mundo das ações. Mas uma análise utilizando o múltiplo preço sobre lucro (P/L) - que dá uma ideia do tempo do retorno da aplicação - pode auxiliar o aplicador. Embora os especialistas ressaltem que um P/L alto ou baixo não diga pura e simplesmente se um papel está depreciado ou não, o múltiplo auxilia na comparação de preços e na montagem de estratégias setoriais no mercado acionário.

Uma pesquisa realizada pela XP Investimentos mostra que mineração, construção civil e bancos são os setores da Bovespa com múltiplos P/L mais baixos do momento. Problemas setoriais específicos e perspectivas negativas sobre o crescimento da economia global estão entre os fatores citados por analistas para explicar porque as ações desses segmentos parecem, pela ótica do P/L, 'baratas' na bolsa.

Do outro lado estão os papéis de locadoras de automóveis, farmácias, companhias aéreas e shoppings. Ligados à economia local, cuja performance ainda supera a dos países desenvolvidos, esses setores atraíram os investidores por serem menos afetados pela crise externa. A pesquisa da XP leva em conta um P/L com o lucro das empresas projetado para 2012. A cotação das ações é a do fechamento de 7 de agosto.

Segundo a pesquisa, o P/L do setor mineração - Vale, Bradespar e MMX - é de 5,6 vezes. O segmento, segundo analistas, é representado basicamente por Vale, que enfrenta uma situação paradoxal. Apesar da situação econômica mundial ruim atualmente, o mercado espera lucro mais alto para a empresa, com manutenção das vendas para a China. A expectativa de crescimento do lucro combinada com a falta de fôlego das ações - a PNA sobe apenas 0,11% no ano (até 7 de agosto), ao passo que a ON cai 2,19% -, puxa o P/L da Vale para baixo. "O segmento está bastante barato", diz o analista chefe da Bradesco Corretora, Carlos Firetti.

Entre as questões que seguraram o preço dos papéis da Vale no curto prazo, por exemplo, está a discussão de um novo marco regulatório, que apresenta maior taxação e cobrança de royalties sobre o minério. A empresa tem ainda questões pendentes como o litígio envolvendo a cobrança de tributos pelo governo sobre lucro de subsidiárias no exterior.
O setor de construção civil fica em segundo lugar, com P/L de 7,9 vezes para as blue chips (Brookfield, Cyrela, Gafisa, MRV, PDG Realty e Rossi Residencial), 10,3 vezes para as de capitalização média (Even, Eztec, Helbor, Mills e Tecnisa) e 10,5 vezes para as menores (CCDI, CR2, Direcional, Trisul e Viver). Firetti lembra que o setor passou por sérios problemas de execução de obras recentemente, sobretudo as companhias maiores, o que levou à queda dos preços das ações.

O estrategista do BB Investimentos, Hamilton Moreira Alves, acrescenta que o modelo de negócios do segmento agrada o investidor estrangeiro, que comprou dois terços das ofertas iniciais de ações. "O investidor externo é o fiel da balança do setor e ele não está animado com os papéis ultimamente; está se desfazendo de posições."

A estrategista da Fator Corretora, Lika Takahashi, pondera que as empresas devem entregar resultados no longo prazo, o que deixa as perspectivas de lucro mais altas. "As projeções de expansão com os eventos como Copa do Mundo e Olimpíada ainda estão aí", complementa Alves, do BB. Michael Viriato Araujo, professor de finanças do Insper, acrescenta que há expectativas no mercado de mais medidas do governo para impulsionar o setor de construção. Mais uma vez, a perspectiva de alta dos lucros com preços deprimidos explica o múltiplo P/L reduzido.

Bancos vêm em seguida na lista de menores P/Ls, com as instituições de médio porte (ABC, Pine, Sofisa, Banrisul, Bicbanco, Daycoval, Indusval e PanAmericano) a 8,6 vezes e os de grande porte (Banco do Brasil, Bradesco, BTG Pactual, Itaú Unibanco, Itaúsa e Santander) com 9,4 vezes. Debates sobre aumento de inadimplência e pressões do governo para queda de spreads dominaram o noticiário nos últimos meses, puxando os papéis para baixo. Firetti, do Bradesco, diz que o múltiplo do setor financeiro está abaixo da média, que gira entre 11,5 vezes e 12 vezes.

Na outra ponta do mercado, as locadoras de automóveis - Localiza e Locamérica - lideram com P/L de 44,4 vezes. Em seguida, aparece o segmento de farmácias - BR Pharma e Raia Drogasil - com 43,7 vezes. Na terceira posição, surge o setor de aviação - Gol e TAM -, cujo P/L é de 28,4 vezes. O segmento de shopping centers, por sua vez, tem um múltiplo de 27,1 vezes. Segundo o professor Araujo, do Insper, quase todos esses segmentos subiram na bolsa com as perspectivas ainda positivas para o crescimento brasileiro. No caso das locadoras, a questão da redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - que facilita a compra de veículos e desestimula o aluguel - atrapalhou um pouco e pode ter sido responsável por ajustes para baixo nas estimativas nos lucros, o que ampliou ainda mais o P/L.

Já as farmácias, lembra Alves, do BB Investimentos, passaram por um movimento de consolidação, com a fusão entre Raia e Drogasil, e subiram com perspectivas de aproveitamento de sinergias. O setor de aviação, por sua vez, passa por um momento específico. As ações sobem este ano, mas as empresas vêm perdendo rentabilidade com o passar dos meses, segundo a área de análise da XP. A casa lembra que a estrutura de custos piorou, com altas seguidas nos preços dos combustíveis. Com isso, as projeções de lucros foram ajustadas para baixo. A XP não recomenda exposição ao segmento.

O fato de os P/Ls estarem historicamente depreciados está longe de guiar o comportamento do mercado. Às vezes, gestores e investidores podem deixar de lado o múltiplo para se concentrar em outros aspectos na hora de escolher um papel. "Há dúvidas sobre se um setor barato pelo múltiplo está realmente barato, já que os preços podem cair ainda mais se as empresas não entregarem os resultados esperados", diz Firetti, da Bradesco Corretora. Na visão dele, o mercado brasileiro vem dando um peso menor à análise fundamentalista - cuja métrica mais tradicional é justamente o P/L - pelo menos desde o ano passado.

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