terça-feira, 22 de novembro de 2011
PIB nominal?
Por Antonio Delfim Netto - Valor 22/11
A última reunião do G-20 terminou de maneira decepcionante. Foi quase uma tertúlia lítero-musical. Terminou, como todas elas, com a convocação da próxima... A carência de ideias, o despreparo das propostas, a visível insegurança das principais lideranças internacionais e a aparente alienação dos EUA com relação ao problema da Eurolândia orquestraram um espetáculo no mínimo assustador.
O Brasil, na minha opinião, saiu bem na foto. Colocou de forma séria o enorme problema dos desequilíbrios comerciais gerados por políticas cambiais claramente protecionistas de alguns países. Mais do que isso. Discreta, mas firmemente, referiu-se às distorções adicionais produzidas pelas disparidades abissais entre as políticas civilizatórias de proteção ao trabalho que as acompanham em alguns deles. Isso transforma a teoria das vantagens comparativas, que recomenda a liberdade absoluta de comércio, de uma bela história da carochinha numa peça de horror...
No mesmo momento, numa batalha de sites, blogs e "tutti quanti", alguns economistas exumam parte de uma velha ideia, desenvolvida por um grupo de Cambridge (Inglaterra) coordenado pelo competente James Meade (1907-1995, Nobel de 1977), que durante toda a sua vida preocupou-se em como transformar o conhecimento da economia em eficientes receitas para a política econômica.
Trata-se, no fundo, de dar às políticas fiscal, monetária, salarial e cambial não uma meta de inflação, mas uma meta para o Produto Interno Bruto Nominal, de forma que a sua partição entre o crescimento do PIB real e o aumento dos preços dependa da eficiência com que o poder incumbente cria as facilidades para o crescimento físico da economia.
Ao Banco Central, cabe garantir a liquidez para o cumprimento da meta do PIB nominal (PIBN). Quem tiver interesse arqueológico pode consultar o livro "Macro-Economic Policy" (London, 1989), de Weale, M.; Blake, A.; Christodoulakis, N.; Mead J. e Vines, D..
A sugestão é interessante, mas não é isenta dos mesmos grandes problemas que enfrentamos com o sistema de metas inflacionárias e a sua nova ênfase: é preciso cuidado e flexibilidade para controlar a inflação, ao mesmo tempo em que se avaliam os custos sociais das flutuações do PIB e do nível de emprego. No keynesianismo ortodoxo, a função da política econômica era manter um alto e estável nível da demanda global. Quando isso pressionasse a taxa de inflação, seria preciso utilizar políticas de rendas (salários e preços) e providenciar mudanças estruturais para eliminá-las.
No Novo Keynesianismo (de 1977), propõe-se o contrário: utilizar as políticas monetária e fiscal para manter o PIB nominal (PIBN) numa taxa de crescimento estabelecida e deixar por conta do poder incumbente as reformas estruturais das políticas de salário e de preços, para garantir que, enquanto existirem fatores de produção disponíveis, os aumentos de demanda global (PIBN) levem a um aumento do PIB real e não dos preços e dos salários.
A proposta era muito mais sofisticada e impunha uma segunda condição à política econômica: garantir um nível de investimento que leve ao crescimento da capacidade produtiva, porque - como dizem os autores -, "os formuladores da política econômica têm a tentação de controlar a taxa de inflação com expedientes que elevam o padrão de vida presente em detrimento do futuro".
O programa proposto é muito rico e no velho estilo de modelos simples e próximos da realidade. É interessante para os que aprenderam a duvidar das virtudes dos equilíbrios produzidos pelas "leis naturais do mercado perfeito" e já perderam a esperança que os "policy makers" são oniscientes e, portanto, devem ser onipotentes...
Na sua nova encarnação, a ideia de propor meta para o PIB nominal parece um "surto epidêmico", particularmente nos blogs de importantes economistas. A ideia circulou, sem repercussão, no início dos anos 80 do século passado, devido ao grande economista monetário Bennett McCallum.
Mais recentemente, tornou-se uma espécie de cruzada, depois que Scott Summer, David Beckworth e Paul Krugman a abraçaram, em seus blogs. Entre nós, o excelente economista João Marcus Marinho Nunes a vem defendendo há algum tempo e tem navegado com sucesso entre eles.
Provavelmente, esse movimento é apenas uma reação à evidente falta de imaginação das autoridades monetárias, particularmente o Fed, comandado por Ben Bernanke, que não consegue o suporte necessário de seus pares. Lembremos que o presidente Obama não conseguiu aprovar no Senado, até agora, a indicação de dois diretores do Fed. A situação está ficando muito incômoda.
Num artigo de elegância maliciosa, Christina Romer (que foi defenestrada pelos assessores econômicos de Obama da função de presidente do Council of Economic Advisers da Casa Branca) recomendava a Ben Bernanke que assuma um programa de meta de PIB nominal ("Dear Ben: It´s Time for Your Volcker Moment", "The New York Times", Oct. 29).
E, por último, a Goldman Sachs, em dois excelentes documentos ("US Economics Analyst", Oct. 12, e "Global Economics Weekly", Oct. 26), colocou a pasta de dente fora do tubo. Vai ser difícil colocá-la de volta...
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
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