quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Um programa para a região do euro


Por Raghuram Rajan - Valor 20/10
Como a crise da região do euro se desenrolará nas próximas semanas? Com sorte, a Itália pode em breve ganhar um governo sólido de unidade nacional, a Espanha terá um novo governo em novembro com autorização popular para promover mudanças e a Grécia fará o suficiente para não inquietar os mercados. Mas, por enquanto não se pode contar com nada disso.

Então, o que precisa ser feito? Primeiro, os bancos da região do euro precisam ser recapitalizados. Segundo, é preciso financiamento suficiente disponível para atender as necessidades da Itália e Espanha por cerca de um ano, caso não consigam acessar o mercado. E, terceiro, a Grécia, atualmente o doente em pior estado na Europa, precisa ser tratada de forma a não disseminar a infecção aos outros países na periferia da região do euro.

Tudo isso exige financiamento - só a recapitalização dos bancos requer centenas de bilhões de euros (embora essas necessidades possam ser um pouco suavizadas, se as dívidas soberanas de países grandes da região do euro passarem a dar uma melhor impressão).

No curto prazo, é improvável que a Alemanha (e o Norte da Europa em termos gerais) entregue mais dinheiro aos demais. Os alemães estão irritados com os pedidos para apoiar países que não parecem querer promover ajustes - ao contrário da Alemanha, que é competitiva por ter passado por anos de medidas dolorosas: baixos aumentos salariais para absorver os trabalhadores da antiga Alemanha Oriental e profundas reformas no mercado de trabalho e no sistema previdenciário. A pouca disposição dos gregos mais ricos em pagar impostos ou dos parlamentares italianos em reduzir seus próprios privilégios confirma os receios dos alemães. Paralelamente, os políticos alemães fizeram um péssimo trabalho ao tentar explicar à população local o quanto eles ganharam com o euro.

Mas não adianta supor, estamos onde estamos. Um raio de esperança é a disposição europeia em usar o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla em inglês) de forma criativa - como garantia parcial contra perdas ou como capital. Claramente, parte dos fundos do EFSF terá de ser usada para recapitalizar bancos que não tenham condições de levantar dinheiro por si sós nos mercados. Quanto ao resto, os recursos que ainda não estão comprometidos com países periféricos podem ser usados para fornecer empréstimos direcionados à Itália e Espanha.

Não há consenso, no entanto, sobre como levar essas medidas adiante. Alguns propõem colocar o Banco Central Europeu (BCE) em cena para alavancar os fundos do EFSF. Essa seria uma receita para problemas. Dar ao BCE um papel quase fiscal, mesmo se a instituição ficar de certa forma isolada das perdas, ameaça minar sua credibilidade. E se a Itália for auxiliada, o próximo presidente do BCE, Mari Draghi, um italiano, seria criticado, independente de qual seja o grau de necessidade da Itália. Além disso, o financiamento teria de ser acompanhado pela condicionalidade. Essas instituições, contudo, não têm nem a experiência nem o distanciamento necessário dos países em risco para aplicar e fazer cumprir as condições apropriadas.

Por fim, a solidez financeira tanto do EFSF como do BCE depende dos mesmos recursos da região do euro. Se os mercados começarem a entrar em pânico quanto a grandes calotes na região do euro, poderiam questionar se mesmo uma Alemanha disposta teria a capacidade necessária para respaldar o EFSF e BCE. Dito de outra forma, essas instituições não oferecem uma fonte de força externa que seja confiável e não inflacionária.

De fato, os problemas da região do euro podem em breve tornar-se grandes demais para que seus países-membros os resolvam. O mundo também tem apostas em jogo. E possui uma instituição que pode canalizar ajuda: o Fundo Monetário Internacional (FMI). A instituição poderia criar um veículo especial no estilo da linha de crédito dos Novos Acordos de Empréstimos (NAB, na sigla em inglês), que seria capitalizada por uma primeira camada de garantia parcial do EFSF contra perdas e uma segunda com capital do FMI.

O veículo nas linhas do NAB poderia captar o necessário dos países, incluindo Estados Unidos e China, assim como acessar os mercados financeiros. Ofereceria grandes linhas de crédito para países sem liquidez, como a Itália, sob a condição de medidas direcionadas a ajudar tais países a retomar a captação nos mercados a um custo razoável.

Seria preciso um veículo especial porque os volumes que precisam estar disponíveis excedem em muito o que os membros do FMI podem acessar normalmente e não seria nada mais do que justo que se a região do euro pedisse tais recursos para seus membros, arcasse com uma parte significativa de qualquer possível prejuízo. Ao mesmo tempo, o capital do FMI deveria sustentar o veículo, caso a garantia parcial oferecida pela região do euro comece a ser corroída; dessa forma, o mercado entenderia que recursos de fora da região do euro podem ser usados.

O FMI não é uma instituição que inspire sentimentos amigáveis e cordiais. Mas tampouco é o pregador insensível da austeridade fiscal, como se costuma acusá-lo - e o FMI deveria começar a assumir a liderança no combate à crise, em vez de ficar na retaguarda. A região do euro precisa de uma avaliação externa independente do que precisa ser feito e uma aplicação rápida de medidas, antes que seja tarde demais e a incipiente corrida aos bancos torne-se incontrolável.

É claro, o FMI não pode agir sem a permissão de seus mestres, os grandes países. A região do euro deve suprimir qualquer sentimento de orgulho ferido, reconhecer que precisa de ajuda e cumprir rapidamente o que já prometeu. Os Estados Unidos deveriam continuar pressionando com força por uma solução. E os países emergentes também deveriam contribuir com sua parte, uma vez que sejam adotadas medidas de proteção para seu dinheiro. Uma crise não solucionada não poupará ninguém.

Como fonte da crise do euro, as dívidas gregas quase certamente terão de ser reestruturadas. Mas, antes de qualquer resolução, devem ser adotadas estruturas de financiamento adequadas para a Itália e Espanha. Portanto, embora os outros tenham de dar um passo adiante e fazer sua parte, é melhor que a Grécia dê um passo atrás da beira do precipício. (Tradução Sabino Ahumada)

Raghuram Rajan é professor de finanças na Booth School of Business, da University of Chicago, e autor de "Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy" (linhas de falhas: como fraturas ocultas ainda ameaçam a economia mundial, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2011.

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