terça-feira, 11 de outubro de 2011

Persistir e aprofundar o ajuste



Por Antonio Delfim Netto - Valor 11/10



Há imensas incertezas ameaçando a economia mundial. Praticamente todas as semanas vêm à luz novas dificuldades escondidas na incestuosa rede de crédito (construída ao longo dos anos "de moderação" que puseram a dormir os bancos centrais) entre o sistema financeiro, os governos que corrompem suas contas fiscais e as agências de risco que emprestaram o seu aval para dar "conforto" ao incauto investidor final.

A volatilidade dos mercados é, às vezes, temporariamente reduzida por sinais positivos, como a aprovação, no Parlamento alemão, da ampliação do Fundo de Estabilização, ou uma manifestação tardia do presidente do Banco Central Europeu.

Essas incertezas não se localizam apenas no plano dos "homens práticos", que costumam agir de acordo com as ideias de "economistas falecidos", mas atingem, também, os "economistas vivos", surpreendidos pela gigantesca distância entre os modelos macroeconômicos, que "supunham" como deveriam funcionar os agentes e os mercados, e a realidade que estamos vivendo.

A prova disso é que a reunião anual do FMI não produziu nada além do clássico relatório semestral, com um título dramático: "Reduzindo o Crescimento, Aumentando os Riscos". Por outro lado, a recente conferência do BIS deixou no ar a sugestão que os bancos centrais dos países emergentes deveriam interpretar com maior cuidado o seu mandato de exclusivo combate à inflação.

Aliás, o FMI - que está mais preocupado com o PIB e o emprego do que com a taxa de inflação na Eurolândia - disse, diante da manutenção da taxa de juros de 1,5% ao ano na reunião do BCE, que "via espaço para uma redução da taxa". Uma das conclusões do BIS é que a "globalização multiplicou os canais de transmissão e os riscos através dos quais os fatores externos influenciam as condições econômicas e financeiras nas economias de mercado emergentes. Isso complicou as previsões da inflação e do crescimento, o que tornou a política monetária em tais economias mais complexa".

Se isso não fosse suficiente para mostrar a confusão que atinge os "homens práticos" e a "academia' que costumava aconselhá-los, lembremos a conferência em Lindau, na Alemanha (4º Meeting in Economic Sciences), de 23 a 27 de agosto. Ela reuniu apenas "nobelistas", que se destruíram mutuamente. Alguns tentaram provar que não apenas a profissão foi incapaz de prever a crise, mas também que, com seus falsos conhecimentos, ajudaram a produzi-la (o exibicionista Stiglitz). Outros (como o excelente Edmund Phelps), reconheceram que a profissão "cometeu sério erro quando abraçou as expectativas racionais, da qual derivaram modelos mecânicos, que não têm a nada a dizer sobre nosso presente".

Um prêmio "ingenuidade e descompromisso" caberia ao magnífico matemático Robert J. Aumann (professor emérito da Universidade Hebraica de Jerusalém) que, entretanto, não figura na 4ª edição (2003) do "Who´s Who in Economics", de Blaug-Vane. Ele recebeu o Nobel de Economia em 2005.

Irritado com o nihilismo dos companheiros nobelistas, sentenciou com energia: "Toda essa conversa a respeito dos economistas serem responsáveis pela atual crise é sem sentido. Penso que a ciência econômica fez uma tremenda contribuição para a prosperidade que testemunhamos, como as políticas macroeconômicas e o comportamento contracíclico dos bancos centrais". Sem ignorar a contribuição de Aumann à teoria dos jogos (e à emergência das instituições), devemos observar que há controvérsia!

No Brasil, as incertezas continuam sobre a hipótese básica do governo que orienta uma política econômica defensiva, sob a perspectiva que a situação econômica e social do mundo vai ainda agravar-se antes que, num período não inferior a dois ou três anos, os EUA voltem a crescer e a Eurolândia construa um sistema de controle fiscal adequado. Tal cenário exige que não haja nenhum problema bancário, isto é, que nenhum dos bancos centrais, o Fed, o BCE e o da Inglaterra, fique paralisado diante da eventual quebra de um banco que seja um "nó" importante na rede de crédito internacional.

Nossa situação inflacionária ficou um pouco mais desconfortável, mas não há sinais que aquela estratégia se revele inadequada. O recente aumento do IPCA de 12 meses para 7,31% deve começar a ceder (por um efeito aritmético) a partir de novembro. Outro sinal de desconforto foi o rápido aumento da taxa de câmbio, devido, principalmente, à própria valorização do dólar. O seu efeito tem sido muito exagerado por alguns analistas que deixam de levar em conta a história. À cada valorização de 1% do dólar (com relação a uma cesta de moedas), o preço das commodities tende a cair pouco menos de 3%. A transmissão do preço externo para o interno não é automática, nem na alta, nem na baixa. E o efeito final sobre os preços tem que ser ponderado pelo "peso" do comércio internacional sobre o PIB.

O apoio do governo ao Banco Central no controle da inflação não pode restringir-se apenas a uma melhora fiscal. Deve, pelo menos, recuperar as propostas de reformas estruturais que estão no Congresso, pois é muito provável que, no fim de 2011, o PIB esteja rodando, na margem, a 2,5%.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-Ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

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