segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Plano Brasil Maior


Por David Kupfer - Valor 29/08

No início deste mês de agosto o governo federal trouxe a público o novo plano de política industrial. Editado com o nome de "Brasil Maior", o novo plano desdobra-se em 35 iniciativas, algumas já em curso, outras de implementação imediata e outras ainda dependentes de regulamentação ou definição dos mecanismos de efetivação.

Em linhas gerais, o Plano Brasil Maior volta-se para quatro frentes: investimento; inovação; comércio exterior e defesa do mercado interno. Para incentivar o investimento, o plano recorre a uma bateria de incentivos financeiros e tributários convencionais. Além de rodada adicional de desonerações tributárias, cabe destacar o aumento da cobertura setorial e a prorrogação até dezembro de 2012 do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), uma iniciativa bem sucedida adotada pelo BNDES como resposta contracíclica aos efeitos da crise de 2008, e que parece prudente preservar diante da deterioração do cenário econômico internacional.

No que tange ao estímulo ao desenvolvimento tecnológico, tão ou mais importantes do que o reforço do caixa da Finep e das linhas de financiamento do BNDES parecem ser as mudanças introduzidas no marco legal da inovação. A regulamentação de contratos com cláusulas de risco tecnológico que, embora previstos na Lei de Inovação, não vinham sendo celebrados devido à insegurança jurídica que os cercava poderá tornar-se um elemento importante de disseminação de encomendas tecnológicas. Juntamente com o aumento do escopo de atuação das Instituições de Ciência e Tecnologia (ICT) públicas e privadas, constituem iniciativas que, embora relativamente tímidas, apontam na direção correta de buscar conferir maior verticalidade ao processo de alocação de recursos destinados a essa finalidade.

No campo do comércio exterior, o Plano prevê igualmente uma rodada adicional de medidas de desoneração ou correção de algumas das tantas distorções tributárias que desestimulam as exportações. Também aqui o principal avanço parece provir do plano institucional, expresso em ações que visam o fortalecimentos da defesa comercial em diversas de suas vertentes, especialmente no que diz respeito às regras de origem, prática de preços subfaturados e outras reconhecidas fragilidades desses mecanismos no país. Chama a atenção, porém, a ausência de iniciativas voltadas para a melhoria do acesso dos produtos brasileiros a terceiros mercados, tema que efetivamente não pode deixar de integrar o escopo da política comercial brasileira.

Por fim, o conjunto de medidas de defesa do mercado interno pode ser considerado como a principal novidade do Plano. Ao introduzir um projeto piloto para desoneração da folha de pagamento em setores intensivos em trabalho como vestuário, calçados, móveis e software e buscar regulamentar a Lei que instituiu mecanismos de mobilização preferencial do poder de compra governamental para produtos e serviços nacionais, o governo sugere uma mudança no diagnóstico e na linha geral de ação diante do agravamento dos problemas de competitividade da indústria brasileira. Se bem sucedidas, essas iniciativas podem servir de modelo para a definição de novos instrumentos capazes de potencializar o alcance da própria política industrial.

Porém, de pouco adianta contabilizar pontos positivos ou lacunas dessa família de medidas sem que as mesmas sejam colocadas na moldura dada pela preocupante evolução do cenário econômico mundial. De fato, embora muitos analistas prefiram compartilhar o diagnóstico de que a crise maior está circunscrita à Europa, há boas razões para se acreditar que também os EUA enfrentarão uma longa recessão e, pior, cuja saída poderá ser muito custosa em termos do aprofundamento dos atuais desequilíbrios da economia mundial.

Um mergulho para valer também da economia americana terá o efeito de enfraquecer a máquina de crescimento chinesa, tornando o Brasil muito mais dependente de seu dinamismo endógeno do que tem sido a norma nos últimos anos. Nesse cenário, o pós-crise certamente implicará uma profunda reorganização dos fluxos internacionais de mercadorias e de capitais e, neste contexto, a China, que possui estrutura produtiva parcialmente complementar, mas também parcialmente competitiva com a brasileira, poderá empurrar a indústria nacional para a produção de commodities e outros itens pouco elaborados.

Evidentemente, uma transformação dessa natureza virá na contramão dos objetivos de desenvolvimento nacional, razão pela qual é imprescindível a inclusão da dimensão da mudança estrutural na reflexão sobre as diretrizes gerais da política industrial. Especialmente diante do aprofundamento das incertezas que rondam a economia mundial, o reposicionamento da indústria brasileira não poderá prescindir da manutenção ou mesmo aceleração do processo de aumento das escalas técnicas e econômicas das empresas, da maior convergência entre o esforço exportador e as estratégias de internacionalização das bases produtivas dessas empresas e da retomada do processo de diversificação estrutural das atividades produtivas, tanto na indústria quanto nos serviços, recuperando o padrão que historicamente sempre caracterizou o desenvolvimento brasileiro.

Não somente na economia prepondera a incerteza; na vida também. Um acidente inimaginável levou prematuramente Antonio Barros de Castro, ainda no auge da sua capacidade intelectual. O desenvolvimentismo perdeu um dos seus esteios e o pensamento econômico brasileiro um dos seus mais competentes formuladores.

David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ.

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